Protestos de 1968 completam 50 anos
Da
França ao Brasil, juventude questionou tradições e saiu às ruas contra o
autoritarismo e as desigualdades sociais.
Por Rute Pina - Brasil de Fato
09/01/2018
Revolta, levante ou revolução? Passadas cinco décadas de 1968, historiadores ainda dimensionam a amplitude dos acontecimentos daquele ano no mundo. Para o jornalista José Arbex Jr., doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), 1968 foi um ano atípico que desencadeou uma explosão em escala global.
"Estudantes marchando em Paris", 1968 / Foto: Henri
Cartier Bresson
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"Maio de 1968 tem uma alta dose de ilusão, achando
que uma revolução na cultura iria resolver o problema. Por outro lado, as
questões que são postas hoje na mesa — de gênero, de libertação do corpo, o fim
do patriarcalismo, o fim do machismo e da violência contra as mulheres — foram
todas questões abertas em 1968 e que não foram resolvidas. Por isso, eu acho
que maio de 1968 está mais atual que nunca", pontuou.
O pano de fundo na época era a Guerra Fria, que aconteceu
entre 1945 e 1991, e que colocou em oposição os países de regime capitalista,
liderados pelos Estados Unidos, e o sistema socialista da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS).
Mas a crise política e o clima de insatisfação se
espalhava pelos dois lados, lembra Arbex. "Nos dois sistemas a promessa
era de futuro. O capitalismo te prometia um futuro de felicidade se você
trabalhasse, fizesse economia, poupança, aplicasse seu dinheiro e dizia que
algum dia isso te daria felicidade; e no socialismo também, mas a felicidade
era para amanhã, explicou.
A possibilidade de um conflito nuclear, em que todos os
lados sairiam derrotados, fez com que a juventude se rebelasse contra o
autoritarismo, as desigualdades sociais e passasse a questionar profundamente
tradições e costumes. No movimento hippie, a palavra de ordem era
"sexo, drogas e rock n'roll". Nas barricadas franceses, ouvia-se que
era “proibido proibir”.
A
imaginação no poder
O que começou com uma ocupação de estudantes da
Universidade de Sorbonne e da Nanterre contra a burocracia educacional em maio
daquele ano, se transformou, em poucos dias, em uma greve geral que uniu
estudantes e operários e paralisou milhões de franceses contra o governo do
general Charles de Gaulle.
"Esse movimento se espraia de Paris, onde começa com
o questionamento na Sorbonne sobre a universidade conservadora e de pensamento
disciplinar, para uma emergência de quantidade imensa de expressões da cultura
e da liberdade que começam a eclodir de uma maneira muito efetiva",
pontuou a historiadora Zilda Iokoi, da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP.
No segundo semestre, os protestos chegam a Itália e
Alemanha; na então Tchecoslováquia, jovens lutam pela liberdade de expressão e
por um socialismo mais humano, na chamada Primavera de Praga.
Ditadura
militar
Arbex explica que, aliado à insatisfação generalizada em
todo o mundo, os acontecimentos de 1968 também tiveram nuances nacionais.
"Essa revolta atingiu vários graus de importância e várias formas
dependendo do país em que ela se expressou. No Brasil, por exemplo, isso acabou
assumindo a forma de uma luta contra a ditadura militar, que era a expressão da
guerra fria no país", disse.
Na América Latina, as manifestações se deram contra
governos repressores. No México, estudantes protestam e são vítimas de um
massacre dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos. O corpo e a
sexualidade ganham centralidade na política e movimentos feministas pautam
direitos reprodutivos e uma sociedade mais igualitária.
Nos Estados Unidos também cresciam as tensões raciais
após o assassinato do ativista Martin Luther King e as lutas pelos direitos da
população LGBT e contra a Guerra do Vietnã.
Redefinição
Para a professora de história Joana Monteleone, do
programa de Pós-Doutorado da Universidade Federal de São Paulo, 1968 foi o ano
que redefiniu a sociedade, a política, o comportamento e a juventude. Ela
afirma ainda que a reação conservadora no Brasil e no mundo faz com que o
legado daqueles protestos precise ser revisitado 50 anos depois.
"Os problemas, as ideias e transformações que se
pediam em 1968 ainda são mais atuais e se tornaram mais atuais com esse avanço
do conservadorismo que avança por várias partes, como no comportamento,
igualdades, favor da desigualdade extrema e contra os direitos humanos",
disse.
Para Arbex, no entanto, o movimento falhou ao não traçar
em seu horizonte a perspectiva da luta de classes. "É por isso que não
podemos idealizar o que houve em 1968. Houve, por um lado, uma revolução dos
costumes, é verdade; mas, por outro lado, como ela não conseguiu derrotar o
capitalismo, que é a base de tudo, o capitalismo conseguiu transformar essa
energia em mercadoria", opinou.
Edição: Nina Fideles - Brasil de Fato
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