Nise da Silveira: a mulher que revolucionou o tratamento mental por meio da arte
Com
terapia ocupacional, psiquiatra alagoana enxergou potencial de pacientes com
estigma da loucura.
Edição: Anelize Moreira - Brasil de Fato
Por Emilly
Dulce – Brasil de Fato
15/02/2018
Já dizia Machado de Assis que “De médico e louco todo
mundo tem um pouco”. O ditado ficou famoso pelo livro O Alienista, de
1882, que faz um debate sobre a loucura. Uma frase parecida é da nordestina
Nise da Silveira, grande admiradora do autor brasileiro: “Não se curem além da
conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura.
Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.”
Nise ficou conhecida por seu trabalho como
psicoterapeuta e na Luta Antimanicomial
Centro Cultural da Saúde/Ministério
da Saúde
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Nise Magalhães da Silveira nasceu em 1905 e ajudou a
escrever e revolucionar a história da psiquiatria no Brasil e no mundo. Nascida
em Maceió, Alagoas, ela ficou conhecida por humanizar o tratamento psiquiátrico
e era contrária às formas agressivas usadas em sua época, como o eletrochoque.
De uma inteligência rara e inquietação gigantesca, Nise
também inspirou quem conviveu com ela, como é o caso de Gonzaga Leal, artista e
terapeuta ocupacional. Ele foi amigo pessoal da alagoana e afirma que
"estar junto dela era objeto de amor".
Inspiração
"A Nise, para mim, é uma grande inspiração.
Ela era uma mulher de uma cultura muito superior e de uma curiosidade
absurda; uma mulher que, como ela dizia, era um Lampião, no melhor sentido da
coragem, de ser destemida e, além de tudo, uma nordestina; uma mulher que
andava de braços colados com o seu desejo."
Gonzaga Leal e Nise da Silveira/Arquivo Pessoal Gonzaga
Leal
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Inspirada em Carl Jung, um dos pais da psiquiatria, Nise
foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina no Brasil. Em meados de
1940, ela foi pioneira na terapia ocupacional, método que utiliza atividades
recreativas no tratamento de distúrbios psíquicos. A alagoana se destacou por
usar a arte como uma forma de expressão e de dar voz aos conflitos internos
vivenciados principalmente pelos esquizofrênicos, que tiveram suas obras
expostas ao redor do mundo.
A revolucionária frequentava grupos marxistas e ficou
presa por dois anos acusada de envolvimento com o comunismo. Afastada da
psiquiatria, ela continuou seus estudos enquanto estava no presídio Frei
Caneca. Para Mariana Sgarioni, jornalista e pesquisadora, Nise da Silveira
continua atual por ter quebrado paradigmas muito à frente de seu tempo.
Legado
"O legado dela como mulher, estudiosa e médica, a
gente colhe até hoje. Exemplo disso é o Movimento Antimanicomial, que começou
com ela. Nise era incômoda, isso incomodava muita gente, por isso que ela
acaba presa e, logo depois da prisão, ela ficou meio escondida e viveu na
clandestinidade durante muito tempo."
De Nise da Silveira, muitos movimentos, exposições, filmes e ocupações surgiram na resistência contra os manicômios. Um deles é a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), que luta contra o aprisionamento e exclusão dos chamados loucos, como destaca Beatriz Viana, integrante da organização.
"A Renila está com uma lema levantando a bandeira de que a democracia é antimanicomial. Não existe um modelo antimanicomial em uma situação que não seja a democrática. A luta é não só pela desconstrução dos manicômios com muros, mas da cultura manicomial, para romper o estigma que o louco tem na sociedade."
Obra
de Adelina Gomes, uma das pacientes de Nise da Silveira.
Acervo Museu de Imagens
do Inconsciente
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Em 1956, Nise fundou a Casa das Palmeiras, um passo na
direção da luta contra os hospícios, que chegaria a seu ápice com a Lei
Antimanicomial, de 2001. Do esforço da psiquiatra e de seus pacientes foi
criado o Museu do Inconsciente, aberto até hoje no Rio de Janeiro junto ao
Instituto Municipal Nise da Silveira, atual nome do Centro Psiquiátrico de
Engenho de Dentro, onde a médica construiu seu projeto.
Gonzaga Leal conta que Nise era muito ligada ao sagrado e
tinha consciência plena da finitude do ser humano. Ele lembra que a amiga
queria passar os últimos dias de vida em um mosteiro. "Por ela ser
uma defensora dos animais e um amor profundo pelos gatos, ela dizia sempre que
queria morrer como um gato, que se recolhe e morre sozinho."
Em 15 de fevereiro deste ano, Nise completaria 113 anos,
mas a sua luta reflete os avanços que a psiquiatria já alcançou e o caminho que
ainda precisa trilhar. Nise da Silveira é mais do que atual, é sinônimo de
resistência atemporal e expansão do pensamento, como destaca o amigo. "A
Nise é uma das grandes brasileiras, ela continua vivíssima e acho que temos
muitas provas da existência dela."
Para conhecer um pouco mais sobre a psiquiatra
alagoana, assista ao filme Nise - O coração da Loucura, lançado
em 2016 e dirigido por Roberto Berliner.
Confira o trailer:
Edição: Anelize Moreira - Brasil de Fato
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