Chico Pinheiro, a ética e o fetiche da direita
Por Anderson
Augusto Soares - Crítica21
11/04/2018
11/04/2018
Coube ao jornalista Chico Pinheiro dar a notícia da
prisão do ex-presidente Lula no Jornal Nacional, na emissora que impulsionou o
Estado de Exceção em que vivemos. Era sábado, 7 de abril de 2018. Lula detido, rumo ao cárcere. De um lado, fogos de artifício e celebração do ódio. Do outro, dor
e indignação. A fisionomia e o humor de Chico indicavam uma aliança emocional com
os que estavam tristes.
Internautas apontaram que os olhos de Chico Pinheiro poderiam estar lacrimejados ao noticiar a prisão de Lula. Foto: reprodução/TV Globo |
No dia seguinte surge um áudio – depois confirmado
verdadeiro – em que o jornalista opina sobre o momento atual, e demonstra apoio a
Lula, dá conselhos ao ex-presidente e tece críticas à direita. “Realizaram o
fetiche. O fetiche deles era Lula na cadeia”. Ao dizer “deles”, Chico, de cara,
já mostra que tem um lado, e não é o lado dos que queriam a prisão. “Não
foi do jeito que eles queriam, mas o Lula foi. E agora? O que vão fazer
agora?”, complementa.
O apresentador do Bom Dia Brasil aconselha e se
solidariza com o petista: “que o Lula tenha calma, sabedoria, inspiração divina
pra ficar quieto ali onde ele está”. E acrescenta que, se pensarmos bem, “aquela
acomodação em que ele está é melhor do que todos os lugares onde ele dormiu
quando era criança e quando ele estava na juventude”.
Chico afirma que “a direita não tem o que fazer” e que “os
coxinhas estão perdidos”. E cita frase do discurso de Lula em São Bernardo: ‘eu
não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia. Ideia não se prende’, destacando
que “quando uma pessoa deixa de ser um ser humano e se transforma numa ideia,
começa o pesadelo. Vai ser difícil eles dormirem a partir de agora.” Para
Chico, Lula preso virou o pesadelo para a direita.
Não por acaso, no áudio o jornalista canta a magistral
canção de Mauríco Tapajós e Paulo César Pinheiro (“Pesadelo”), trocando uma palavra para fazer
referência ao juiz Sérgio Moro: “quando o Moro separa, uma ponte une / se a
vingança encara, o remorso pune / você vem me agarra, alguém vem me solta / você
vai na marra, ela um dia volta / e se a força é sua, ela um dia é nossa / olha
o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando / que medo você tem de nós,
olha aí”.
Chico, inclusive, sugere à cantora Ana Cañas – que também
apoia Lula – que grave a canção por ser “tão atual”. Em seguida, afirma que
é necessário seguir em frente. “Eu tô aqui no meu posto, difícil, mas eu tenho
perspectiva histórica”. E faz referência ao fato de ter apresentado o JN
daquele dia: “um beijo no coração de vocês que me representaram quando eu tinha
que apresentar aquele Jornal de ontem, mas tá tudo bem.” No final do áudio, Chico cita frase da Canción
por la unidad latinoamericana, de Pablo Milanes e Chico Buarque: “a história é
um carro alegre, cheia de um povo contente que atropela indiferente todo aquele
que a negue.”
O depoimento é lindo e corajoso. Mas parece que o “chefe”
de Chico não gostou muito. Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Globo, mandou, no
dia seguinte à divulgação do áudio, um e-mail aos jornalistas da casa com
recomendações que afrontam a liberdade de expressão e mostram a visão hipócrita
e falaciosa da cúpula da Globo. Nas palavras do diretor, “o maior patrimônio do
jornalista é a isenção” e que uma tomada de posição pode trazer danos à
empresa. Mas todos sabemos que não há isenção no jornalismo, nem mesmo
objetividade.
O que se pode fazer é buscar ao máximo a objetividade,
mas ainda assim sempre haverá alguma tomada de posição no fazer jornalístico. Kamel
chega a questionar, na sua reprimenda, como Chico agora vai entrevistar um
político de direita. Ora, com o profissionalismo que sempre teve! O próprio
Kamel escreveu um livro em que demonstra sua posição sobre as cotas raciais (“Não
Somos Racistas”). Pelo raciocínio de Kamel, a Globo então perderia a
credibilidade em tratar do tema, já que ele – contrário às cotas – é diretor de Jornalismo da emissora e tem influência nas pautas e conteúdos.
No puxão de orelha, o isentão fake diz que “a Globo é
apartidária, independente, isenta e correta”. Ah, tá. Todos sabemos que o Grupo
Globo tem uma inclinação à direita no espectro político, foi parceira da
Ditadura Militar, escondeu o quanto pôde as manifestações pelas Diretas Já,
manipulou o último debate das eleições presidenciais de 1989 e foi promotor do
carnaval da alienação que impulsionou o Golpe de 2016. O Grupo Globo sempre
teve lado, assim como o diretor citado, que
parece gostar muito do “código de conduta da casa”, mas ignora o Código de
Ética dos Jornalistas Brasileiros e a Constituição Federal.
A advertência de Kamel fere a Carta Magna, que
prima pela liberdade de expressão e de pensamento, e o Código de Ética da
profissão, que entende serem delitos contra a sociedade a “aplicação de censura”
e a “indução à autocensura”. Ademais, o exercício da profissão é de natureza
social e o jornalista tem como deveres, entre outros pontos, “opor-se ao
arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos
na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, além de “lutar pela liberdade de
pensamento e de expressão”.
Chico Pinheiro fez o comentário de apoio a Lula na esfera
privada, aparentemente em conversa entre amigos, e não no exercício habitual da profissão. Mas ainda que tivesse
emitido sua opinião ao vivo no JN não estaria violando nenhuma lei, nenhum
princípio ético da profissão. Regimento interno não está acima da Constituição
e do Código de Ética da profissão, e nenhuma norma se sobrepõe à consciência do
jornalista.
Apesar da enorme campanha antilula (e do ódio revigorado), Chico percebe que é política a prisão do líder petista, e tem o direito de
pensar assim e expressar o que pensa. Nem todo mundo queria ver Lula preso, nem
todo mundo crê na sua culpabilidade e muitos são os juristas que contestam a
sentença do juiz-acusador e a forma como o processo transitou pelo Judiciário.
Mas deixe estar. A história - esse carro alegre - vai dar a resposta.
Assista ao vídeo com o áudio:
Confira a transcrição
do áudio de Chico Pinheiro:
Realizaram o fetiche.
O fetiche deles era Lula na cadeia. Não foi do jeito que eles queriam, mas o
Lula foi. E agora? O que vão fazer agora? Como é que fica? Qual é o próximo
passo? Como ele não foi para a cadeia na hora em que eles queriam, levou mais
algum tempo, que ele não saia exatamente na hora que não for a hora. Ele
precisa sair sim, mas ele vai sair na hora que for a hora.
Que o Lula tenha
calma, sabedoria, inspiração divina pra ficar quieto ali onde ele está... Se a
gente pensar bem, aquela acomodação em que ele está é melhor do que todos os
lugares onde ele dormiu quando era criança e quando ele estava na juventude.
Deixa (ele) quieto um tempo pra ver o que que eles vão fazer .
A coisa está louca. A
direita não tem o que fazer, os coxinhas estão perdidos. Eles têm que arranjar
outro caminho agora. Que o Lula tenha paz e sabedoria. Ele está bem guardado,
ele está protegido. E ele está caminhando por aí, porque como ele mesmo disse –
a melhor frase de tudo – eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia. Ideia
não se prende, a gente está solto.
Quando uma pessoa
deixa de ser um ser humano e se transforma numa ideia, começa o pesadelo. Vai
ser difícil eles dormirem a partir de agora. Olha aqui a legenda
da Globo News agora: Sem Lula, PT precisa traçar novas estratégias. Ora, quem
tem que traçar novas estratégias são eles. Vão fazer o que agora?
[Começa a cantar trecho da canção Pesadelo, trocando "muro" por "Moro"]
'Quando o Moro separa, uma ponte une
Se a vingança encara, o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é sua, ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí
O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí'
Aí, Ana Cañas, grava
isso, regrava isso que é tão atual. Pedido do Chico Pinheiro. Beijo coala pra
vocês. Vamos a frente, vamos em frente. Eu tô aqui no meu posto, difícil, mas
eu tenho perspectiva histórica. Um beijo no coração de vocês que me representaram
quando eu tinha que apresentar aquele Jornal de ontem, mas está tá tudo bem.
[Cita frase da Canción de la unidad latinoamericana]
'A história é um carro
alegre, cheia de um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a
negue.'
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