Irresponsável atrelar país ao preço internacional do petróleo, diz professora da USP
Para
Leda Paulani, doutora em Teoria Econômica, os grandes blocos de capital em torno do petróleo querem que
Brasil seja dependente.
Por Guilherme
Henrique e Mauro Ramos – Brasil de Fato
26/05/2018
A greve dos caminhoneiros e das outras categorias que têm
aderido aos protestos contra a alta dos preços dos combustíveis mostra os
problemas na decisão do atual governo em mudar a política de atuação da
Petrobras.
Leda Paulani avalia que é importante possuir capacidade interna de refino/Divulgação |
Na avaliação da professora da Universidade de São Paulo
(USP) Leda Paulani, “os grandes blocos de capital em torno do petróleo querem é
que a gente exporte o petróleo bruto e importe em produtos finais que são o
óleo diesel, o óleo combustível e a gasolina”.
Doutora em Teoria Econômica, ela avalia que “quando você importa o produto final, naturalmente, o seu preço fica atrelado ao preço internacional”.
Doutora em Teoria Econômica, ela avalia que “quando você importa o produto final, naturalmente, o seu preço fica atrelado ao preço internacional”.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, ela explica que “se você possui capacidade interna de refino
tem um mínimo de garantia, um colchão de segurança, para amenizar essas
oscilações tão fortes como as que essas commodities
têm. Como estamos com turbulências muito grandes geopolíticas e econômicas fora
do país é natural que os preços oscilem. Agora você colocar 200 milhões de
pessoas na dependência de dois e três preços que não são determinados pela
nossa economia é uma irresponsabilidade", avalia.
Acompanhe a entrevista na íntegra:
Brasil
de Fato: Um assunto que tem gerado, e é um dos causadores dessa crise é o fato
de o Pedro Parente ter atrelado o mercado nacional ao mercado internacional.
Podemos começar por aí, o que isso sugere?
Leda
Paulani: Na realidade, antes disso, é preciso falar de uma
outra coisa. O Brasil ele tinha…, tinha não, tem uma capacidade de refino de
petróleo bastante importante que está ociosa, porque a política deste governo
para a Petrobras é de que a gente exporte - que é o que eles querem, os grandes
blocos de capital em torno do petróleo – em bruto e importe os produtos
finais, que são o óleo diesel, óleo combustível e a gasolina.
Ao importar isso você, naturalmente, necessariamente, o
seu preço fica atrelado ao preço internacional, porque são comodities. Então, se a Petrobras, para
poder distribuir a gasolina, ela tem que comprar fora do país o preço vai ficar
atrelado ao internacional. Não tem como desvincular uma coisa da outra. O que
está errado, portanto, é mudar a política… Fazer com que o País apenas produza
o petróleo bruto, estamos regredindo, voltando pra trás em várias áreas na questão
da indústria, e também nessa área em que o Brasil tinha avançado muito,
por conta até da própria expertise da Petrobras.
Agora a gente volta pra trás e coloca um setor
estratégico para o País, como nós estamos vendo – o País para – absolutamente
nas mãos do mercado. Se você tem capacidade interna de refino, você tem um
mínimo de garantia, de um colchão de segurança, para amenizar essas oscilações
tão fortes que essas comodities têm.
Como a gente está com turbulências muito grandes também geopolíticas e
econômicas fora do País, é natural que os preços oscilem.
Agora colocar 200 milhões de pessoas na dependência de
dois ou três preços que não são determinados pela nossa economia, mas
internacionalmente, é sim uma irresponsabilidade.
Queria
que você comentasse um pouco…vendo a grande mídia, parece que essa crise é
gerada por uma “ineficiência” da Petrobras. Os movimentos populares e a
oposição ao governo o que estão dizendo é que é uma crise gerada. Não é uma
ineficiência, mas sim uma gestão que visa o desmonte e a futura privatização da
Petrobras. É possível dizer isso?
Não precisaria nem ter, digamos, esse evento agora, nesse
momento essa greve, tudo que isso está causando, para a gente poder afirmar
isso. Acho que a própria [Operação] Lava Jato, hoje estão ficando cada vez mais
claras as vinculações com interesses externos ao País, e é evidente que se se
pretende, no médio prazo, privatizar a Petrobras quanto mais desvalorizada ela
estiver tanto melhor, não? Esse ativo vai ficar muito barato e na hora de vender
isso vai valer muito menos, sorte de quem comprar… E é um ativo valiosíssimo do
ponto de vista real, independentemente do preço que ele alcance, em cada
momento da conjuntura.
Então
o que a Lava Jato fez foi destruir o valor de mercado da Petrobras, com
tudo isso que aconteceu.
Sob o pretexto de punir a corrupção e etc, você destrói a
principal empresa de um País. Todo mundo sabe que a Petrobras é responsável por
10% dos investimentos do País. Os investimentos do País já eram muito baixos em
relação ao produto, mas sempre a Petrobras teve um peso importante. Por
que? Pelo seu tamanho, por todas as grandes estruturas que ela mobiliza na sua
operação e também ainda pela descoberta do Pré-sal e tudo mais…
Aí você dá uma cacetada nisso, com o álibi de reduzir a
corrupção, e ninguém em sã consciência é a favor da corrupção, mas você não
precisar destruir uma indústria, uma empresa tão importante, para combater a
corrupção. Inclusive se a Lava Jato fosse, de fato, apenas uma operação contra
a corrupção, existem mecanismos de preservar as instituições. Você pune pessoas
físicas que têm culpa no cartório e preserva a instituição. Não foi o que
foi feito no Brasil.
Então, esse episódio agora, eu acho que dizer que foi
arquitetado, talvez seja teoria conspiratória demais, mas que muita gente está
pegando carona agora. Inclusive, aqueles que pensam que intervenção militar é
saída para o País. Não é esse episódio que estaria nessa chave de reduzir o
valor da Petrobras. Isso vem de muito antes.
A
Repórter Brasil publicou uma reportagem investigando um pouco as reuniões, o
lobby que as grandes petroleiras internacionais fizeram com o Executivo, com o
Temer e o Ministério de Minas e Indústria; e está havendo uma apropriação do
Pré-sal e de outras partes da Petrobras, e no mesmo movimento há um
discurso de ineficiência. Gostaria que você comentasse um pouco quais são
os riscos para o povo em geral, de um avanço dessa privatização?
Como combustível é um insumo estratégico para qualquer
economia. Como a gente está vendo agora, se há qualquer problema na
distribuição do combustível você para o País em três dias. Portanto, ter uma
empresa estatal poderosa e que tenha o mínimo controle, além das agências de
regulação, é um elemento que nenhum país sério do mundo pode abrir mão. Assim
como banco público. Moeda também é um insumo, digamos, fundamental. Não é bem
um insumo, é muito mais que isso, mas enfim, qualquer problema bancário com a
moeda também paralisa o país imediatamente.
Essas coisas são coisas sobre as quais a sociedade como
um todo, através do Estado, de empresas estatais, tem que ter o mínimo controle
para não ficar refém do que acontece no mercado. O mercado
tem os seus humores, tem seus vai-e-vens, seus ciclos, subidas e
descidas de preços, de ativo, de fluxo, de rendimento, de tudo. Então, o mínimo
de salvaguardas para que um país inteiro não fique refém disto, dessa coisa
aleatória [mercado], é algo que todo mundo deveria apoiar.
Quem tiver o mínimo de amor ao país; eu não sou
nacionalista, acho inclusive o nacionalismo algo perigoso, mas em determinados
momentos um mínimo de nacionalismo nesse sentido. Salvaguardar, preservar os
instrumentos que permitem comandar melhor o País e não causar tantos tumultos.
Na questão dos combustíveis propriamente o que se
delineia, no médio prazo, é a continuidade de uma alta de preços, porque há uma
questão geopolítica que está muito encrencada, enfim. Houve uma subida
violenta dos preços do petróleo a alguns anos, depois houve uma queda
bastante forte e agora está havendo uma certa retomada, mas também por conta da
questão geopolítica que se complicou internacionalmente. Então, a perspectiva é
de continuar esse movimento subida de preços.
A questão
da greve propriamente para a gente voltar, é que os caminhoneiros estavam
pedindo desde o início é que mudasse a política. Mudasse a política de
atrelamento imediato – que é o que a Petrobras vem fazendo - do preço do
combustível ao preço internacional. Eles querem estabilidade. Não importa se
mais alto ou mais baixo, mas um mínimo de estabilidade. O que está
corretíssimo, perfeitamente compreensível que estejam pedindo isso.
Só que eu duvido que… pelo menos o Pedro Parente vá
fazer essa mudança, a visão dele é que o mercado deve comandar. Acho
que essa greve tá muito longe de ter sido resolvida. De qualquer forma, com
isso ou sem isso, você abrir mão de ter uma empresa estatal sobre a qual você
tenha controle e que possa, justamente, nos momentos de alta de preço
internacional, mesmo que você mantenha atrelado, você ter um colchão interno,
uma salvaguarda para minorar os efeitos desses problemas dentro do país, é um
despautério…
A Petrobras é uma joia, o mundo inteiro quer a Petrobras,
aí o governo brasileiro dá de bandeja para o primeiro que aparecer.
Sobre
as medidas que o governo está apresentando para sair da crise, talvez a
principal delas é, talvez a principal, que é zerar os impostos federais sobre
os combustíveis, que a oposição já está criticando. Isso pode ter algum impacto
real nesta crise? Isso pode ter outras externalidades sobre a economia do
Brasil em geral?
De imediato a gente tem uma redução, porque se você
tira o tributo de dentro do preço, terá uma redução do preço do combustível,
mas eu acho que não é uma solução permanente, porque a questão deles é de
reduzir o preço, mas não é fundamentalmente esta. Eles querem que a política de
preços se altere e, é lógico, que mais uma vez você vai retirar impostos que
sustentam setores importantes, como o setor de saúde, por exemplo.
As políticas sociais já têm teto de gastos e uma
série de outros constrangimentos e ainda você vai ainda reduzir os tributos que
podem financiar políticas sociais. Então, há um efeito negativo e que não
compensa esse pequeno ganho que teria no preço. E, segundo, esta não é a
principal questão.
A principal questão que eu entendi de tudo que li é que eles não querem mais ficar nessa gangorra, principalmente os autônomos, eles fecham uma carga, por exemplo, com alguém daqui [São Paulo] até Natal e põe um xis de combustível que vão gastar e cobram por isso, e aí quando forem encher o tanque pra voltar vão pagar 50% a mais. Não dá. Esse atrelamento é o problema. Eles queriam a mudança da política de preços da Petrobras, que eu acho que dificilmente esse governo que está aí não vai ceder, então acho que essa tensão ficará um bom tempo. E só retirar o tributo trará outras consequências que talvez não compense.
A principal questão que eu entendi de tudo que li é que eles não querem mais ficar nessa gangorra, principalmente os autônomos, eles fecham uma carga, por exemplo, com alguém daqui [São Paulo] até Natal e põe um xis de combustível que vão gastar e cobram por isso, e aí quando forem encher o tanque pra voltar vão pagar 50% a mais. Não dá. Esse atrelamento é o problema. Eles queriam a mudança da política de preços da Petrobras, que eu acho que dificilmente esse governo que está aí não vai ceder, então acho que essa tensão ficará um bom tempo. E só retirar o tributo trará outras consequências que talvez não compense.
Edição: Juca
Guimarães - Brasil de Fato
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