E quem checa as agências de checagem de notícias falsas?
Caso do terço enviado a Lula gerou debates sobre censura e expôs erros de apuração e imprecisões de agências de fact-checking.
Por Leonardo
Fernandes - Brasil de Fato
15/06/2018
Desde os escândalos envolvendo o uso de robôs
propagadores de notícias falsas em redes sociais durante a campanha
presidencial estadunidense em 2016, as chamadas fake news se tornaram tema de debate frequente na política e
na comunicação.
Renata Mielli, coordenadora do FNDC e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé. Foto: Arquivo Pessoal |
Mas
para Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Barão de
Itararé, a veiculação de notícias com erros de apuração ou até mesmo com
informações imprecisas ou manipuladas sempre ocorreram.
Segundo ela, o que mudou foi a escala com que essas
informações passaram a circular a partir do surgimento das novas
plataformas de mídia.
“Em função disso, surgiu um novo mercado, que é o mercado
das agências de checagens de notícias. E essas agências estão se propondo a,
diante de uma comoção em torno dos problemas que envolvem a circulação de
notícias falsas, combatê-las. Então você tem empresas privadas classificando
notícias produzidas como verdadeiras, falsas, imprecisas, exageradas,
destorcidas, com critérios que também podem ser muito subjetivos”, alerta.
Visita
a Lula
Essa classificação foi o que gerou polêmica nos últimos
dias, quando duas dessas agências de checagem, contratadas pela rede social
Facebook, rotularam como ‘falsa’ uma notícia publicada por veículos
alternativos de comunicação sobre a tentativa frustrada de visita do
coordenador do encontro mundial dos movimentos sociais em diálogo com o Papa
Francisco, o argentino Juan Grabois, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, preso em Curitiba.
Na saída do encontro, Grabois teria criticado a postura
das autoridades brasileiras, que o impediram de entregar ao ex-presidente um
terço abençoado pelo Papa.
Inicialmente, o site Vatican News, agência de
notícias mantida pela Secretaria de Comunicação da Santa Sé, publicou uma nota
negando que o objeto religioso levado por Grabois havia sido enviado pelo papa
a Lula, e colocando em dúvida a relação do advogado argentino com o pontífice.
Imediatamente, as agências de checagem passaram a emitir
uma mensagem aos usuários do Facebook, informando que aquela notícia
compartilhada se tratava de uma fake
news.
Não demorou muito para que o próprio Vatican News apagasse
a primeira nota e publicasse um outro texto, no qual confirmava a relação de
Grabois com o papa e justificava a confusão de informações devido a
“imprecisões na tradução e nas transcrições que induziram a alguns erros”.
Uma das agências, a Lupa, ligada ao grupo UOL, chegou a
publicar um texto de esclarecimento e mudou a rotulagem da notícia de ‘falsa’
para ‘de olho’. Já a agência Aos Fatos ignorou o andamento do caso e até o
fechamento dessa reportagem ainda postava em sua página um texto sob o título:
“Papa Francisco não enviou terço a Lula; Vaticano desmente boato”.
No site da agência, há uma ‘política de erros’, na qual a
empresa se compromete a “divulgar a versão corrigida nas redes sociais com novo
título e o aviso correção” em caso de modificação substancial na
informação checada.
Através de um endereço eletrônico disponível no site, a
reportagem do Brasil de Fato contatou
a agência Aos Fatos, mas não obteve resposta.
Perigo
Para Mielli, por trás desse novo mercado de checagem,
está escondido um grande perigo à liberdade de expressão. “A questão que fica é
justamente: é possível dar a essas agências o poder de começar a distinguir o
que é verdadeiro ou falso do que está circulando de informação na sociedade?
Isso cria uma censura privada. É uma nova forma de censura e uma nova forma de
violação à liberdade de expressão que é muito grave e que vai atingir
principalmente a mídia alternativa”.
Para a coordenadora do FNDC, a busca pela verdade, uma
questão jamais solucionada na história da filosofia, não será superada por uma
checagem parcializada, exercida por empresas privadas, com interesses próprios.
Segundo ela, o caminho é garantir a pluralidade de pensamentos, hoje
obstaculizada pela estrutura de mídia brasileira, fortemente concentrada. “Não
se trata apenas de corrigir informações, mas de poder político. E quem vai ter
o poder de dizer o que é mentira ou verdade?”, questiona.
A reportagem também entrou em contato com o Facebook
questionando sobre os procedimentos em casos como esse, mas não obteve
retorno.
Edição:
Diego Sartorato – Brasil de Fato