Os impasses de nossas elites
Por Silvio
Caccia Bava – Le Monde Diplomatique Brasil
02/06/2018
02/06/2018
A democracia é o sistema político que tem nas eleições a
forma de legitimar os governantes. Hoje, depois de muitas lutas, da conquista
do direito de voto para as mulheres (1932), da conquista do voto para os
analfabetos (1985), da extensão do voto facultativo para maiores de 16 anos
(1988), o voto é universal. Todos os cidadãos e cidadãs brasileiras têm o
direito a votar e escolher seus representantes e o programa de governo que
defendem.
Foto: Marcos Corrêa/PR em Fotos Públicas - 05/12/2017 |
Assim, a disputa pelo controle da máquina pública, pela
destinação dos recursos públicos, por programas de governo, pelo modelo de
desenvolvimento, passa a ser feita de maneira pública, principalmente através
dos meios de comunicação, buscando formar maiorias em defesa deste ou daquele
programa, em defesa deste ou daquele projeto de desenvolvimento.
A transição da ditadura para a democracia no Brasil,
entretanto, criou mecanismos de continuidade para garantir o controle das
elites, mesmo em um cenário democrático. Vem daí o presidencialismo de
coalizão, as políticas de coalizão no Congresso para garantir a maioria que
permita ao Executivo governar. Pelo poder do dinheiro, pelo controle das
mídias, buscava-se convencer as maiorias a sufragar os representantes das
classes dominantes, e assim continuar a garantir o controle das elites sobre os
governos eleitos.
Esse sistema político, entretanto, não foi capaz de
assegurar a continuidade conservadora nas eleições de 2002 e nas três eleições
seguintes, quando se elegem candidatos do PT, com amplo suporte popular. Com o
amparo da Constituição de 1988 e políticas de conciliação de classes, os
governos do PT conseguiram reduzir o desemprego, aumentar os salários,
dinamizar o mercado interno, implantar políticas sociais redistributivas,
reduzir significativamente a pobreza extrema, sem incomodar as classes
dominantes, as que mais se beneficiaram do período do boom das commodities.
O 2º governo Lula termina com 80% de aprovação do governo
e 87% de aprovação do presidente. Com esse capital político o PT elege Dilma
Rousseff em 2010. Já em 2012, no governo Dilma, em razão de medidas que
contrariam seus interesses, como aponta André Singer, as classes dominantes
desencadeiam uma campanha de difamação de seu governo e investem fortemente
para modificar o cenário político nas eleições de 2014.
Os seis principais grupos econômicos investem mais de R$
5 bilhões para eleger 70% dos novos parlamentares e controlar o Congresso,
investem também fortemente na candidatura de Aécio Neves, do PSDB, que obtém
mais de 51 milhões de votos. Mas perdem as eleições para Dilma, que arrebanha
54,5 milhões de votos e dá início ao seu segundo mandato. Uma diferença
estreita, mas que lhe dá a vitória e permite um horizonte de continuidade com a
perspectiva de Lula a suceder novamente.
Neste novo cenário, mesmo depois que a presidente Dilma
dá uma guinada em sua política e encampa a agenda neoliberal, as classes
dominantes se afastam das regras democráticas, criam as pautas-bomba no
Congresso para impedi-la de governar, armam o impeachment se utilizando de seu
controle do Congresso Nacional. E finalmente depõem a presidente eleita em 2016
e assumem o governo.
A partir daí o novo governo, presidido por Temer, pratica
uma política que jamais seria sufragada pelas urnas porque é contrária aos
interesses das maiorias. Tendo à frente a FIESP e a CNI, as classes dominantes
aplicam as políticas de austeridade, congelando os gastos públicos por vinte
anos, promovendo corte de direitos, o desemprego, a precarização das relações
de trabalho, a redução da cobertura da previdência, cortes no orçamento da
educação, da saúde, das políticas sociais como um todo, beneficiando
especialmente o pagamento do serviço da dívida pública, o capital financeiro e
o rentismo.
A insatisfação popular é crescente, as periferias das
cidades vivem em um estado de sitio informal, com perseguições e uma política
repressiva que tem licença para matar jovens negros pobres. Nunca é demais
lembrar que serão eles a definir a próxima eleição, já que 86% dos brasileiros
vivem em cidades e 68% das famílias brasileiras vivem com uma renda mensal de
até três salários mínimos.
Alardeando a criminalidade e a violência, e atemorizando
continuamente a população, a TV busca implantar um sentimento de medo que
encontra espaço na falta de uma narrativa que se oponha a esta manipulação, e
busca convencer a população que são dois os problemas a serem enfrentados: a
corrupção e a criminalidade, ambos pela via da repressão. Não se fala no
substancial, a desigualdade crescente, a pobreza, a destruição dos recursos
naturais, pois esses elementos são constitutivos do capitalismo.
Agora, frente às eleições deste ano, qual o programa que
vai ser defendido pela direita, pelas elites, na campanha eleitoral que se
inicia? Quais serão suas propostas para enfrentar o desemprego e o subemprego
de 26 milhões de brasileiros; para combater a pobreza que aumenta com as
políticas de austeridade; para enfrentar a precarização das políticas públicas,
especialmente a saúde e a educação; as questões da vida nas cidades, como
saneamento básico, transporte púbico, moradia, acesso a serviços públicos que
deveriam ser bens comuns; a degradação ambiental e o sequestro de nossos
recursos naturais pelo agronegócio, pelas mineradoras e petrolíferas
multinacionais, pelo grande capital; a perda de nossa soberania?
Este governo das elites, que só voltaram ao poder pela
via do golpe parlamentar, não tem propostas para apresentar para as maiorias. E
mesmo com toda campanha pela mídia, seus candidatos não decolam nas pesquisas.
Neste momento as classes dominantes ainda buscam um candidato conservador, mas
com diálogo com outros setores da sociedade.
Se não tiverem sucesso, a única alternativa para eles ou
é apoiar Bolsonaro e aprofundar um cenário de mobilizações fascistas,
perseguições e violência, sem qualquer projeto para o Brasil, mas com risco de
perder as eleições; ou desistir das eleições e aprofundar o golpe de Estado.
*Artigo
publicado em 28 de maio de 2018 no Le Monde Diplomatique Brasil, do
qual Silvio Caccia Bava é editor-chefe.