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Quem controla a notícia no Brasil?

Negócios desenvolvidos pelos principais grupos de mídia brasileiros revelam potenciais interesses por trás das agendas dos meios.

Reprodução: MOM-Brasil

Por Olivia Bandeira e André Pasti* – Le Monde Diplomatique Brasil
17/06/2018

Os veículos de grande circulação costumam declarar em suas linhas editorais que buscam informar de modo isento, apartidário e plural. Alguns de seus manuais ainda advogam a necessidade de independência dos interesses de grupos econômicos e políticos e de separação entre conteúdo jornalístico e publicitário, notícia e opinião.

No entanto, como apurou a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil (Media Ownership Monitor – MOM), publicada pelo Intervozes e pela Repórteres Sem Fronteiras, muitos veículos de maior audiência no país são também parte de grupos econômicos – além de políticos e religiosos – que possuem interesses específicos.

O objetivo do MOM-Brasil é deixar visível quem controla a mídia brasileira. O projeto mapeou os cinquenta veículos ou redes de comunicação de maior audiência no país em quatro segmentos: mídia impressa, on-line, TV e rádio. Esses cinquenta veículos pertencem a 26 grupos de comunicação, e metade deles está sob o controle de apenas cinco grupos: Globo, Bandeirantes, Record, Folha e o grupo de escala regional RBS.

Tal quadro indica uma alta concentração das maiores audiências nas mãos de poucos proprietários. Além disso, os 26 grupos pesquisados possuem negócios em mais de um tipo de mídia, o que configura a propriedade cruzada dos meios de comunicação, uma das formas mais graves de controle monopólico do setor.

A pesquisa revela, porém, um quadro menos conhecido: 21 dos 26 grupos ou seus principais acionistas possuem atividades em outros setores econômicos, como educacional, financeiro, imobiliário, agropecuário, energético, de transportes, infraestrutura e saúde.

Somam-se a esses os interesses dos grupos de mídia de escalas regional e local que, por meio do sistema de afiliadas, permitem que as grandes redes de TV e de rádio cheguem a todo o território nacional e que os grandes portais de internet atraiam audiência pela produção de conteúdo local.

A cidade como negócio: mídia e mercado imobiliário
Vimos nos últimos meses os novos capítulos da disputa entre o empresário da mídia Silvio Santos e o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa. O conflito é motivado por um grande investimento imobiliário que Silvio, dono da rede de televisão SBT, da incorporadora Sisan e de negócios financeiros, quer realizar no terreno vizinho ao Teatro Oficina, localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo.

O Oficina, tombado em 1981 pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), foi planejado pela arquiteta Lina Bo Bardi para que tivesse uma integração com a paisagem do entorno. Silvio quer que o Condephaat limite o tombamento ao prédio e permita a construção de três torres no terreno ao lado. Zé Celso quer que o governo do estado, dono do teatro, transforme a área em um espaço público de uso cultural.

Essa disputa é símbolo de modos distintos de ver as cidades: seus terrenos devem estar disponíveis a interesses privados, dando ênfase a seu valor de troca, ou o planejamento urbano deve levar em consideração o valor de uso, como sonhava Henri Lefebvre? O caso é também exemplar, de um lado, do investimento de grupos de mídia e seus acionistas em especulação imobiliária, e, de outro, de sua atuação no setor de construção.

No primeiro caso, chama atenção o Grupo Objetivo, um dos maiores conglomerados de educação privada no país, dono da rede MIX FM de rádio, a sexta rede nacional na preferência dos ouvintes. Seu fundador e presidente, João Carlos Di Genio, foi apontado como o maior proprietário de imóveis de São Paulo, e suas empresas imobiliárias, segundo dados obtidos na Receita Federal e nas Juntas Comerciais, têm capital de quase R$ 1 bilhão.

Di Genio não está sozinho. Outros proprietários de mídia que investem sua fortuna em imóveis são os irmãos José Roberto, Roberto Irineu e João Roberto Marinho, do Grupo Globo; membros da família Saad, do Grupo Bandeirantes; e Aloysio de Andrade Faria, do Grupo Financeiro Alfa, da Rede Transamérica de rádio e da Rede Transamérica de hotéis.

No segundo caso, além dos já citados exemplos do Grupo Silvio Santos e do Grupo Alfa, há também grupos de mídia regionais ligados aos grandes veículos de comunicação por meio do sistema de afiliadas. Na pesquisa, destacaram-se dois grupos, ambos do Espírito Santo, que possuem empreendimentos imobiliários e shopping centers: o Sá Cavalcante, dono da TV Capixaba (Band ES) e da BandNews FM ES, e o Buaiz, que possui afiliadas da Jovem Pan, Jovem Pan News e RecordTV.

O embate entre diferentes interesses na definição do planejamento urbano e da legislação envolve também as Igrejas. O exemplo de maior escala é o da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), dona da rede de rádios Aleluia, nona rede nacional na preferência dos ouvintes, e ligada também ao Grupo Record.

Dois dos “megatemplos” da Iurd tiveram sua construção envolta em polêmica em relação ao uso do espaço urbano: a Catedral da Fé, construída em um terreno de 72 mil m² no bairro de Del Castilho, no Rio de Janeiro, e o Templo de Salomão, no Brás, em São Paulo, em um terreno de 100 mil m².

“O agro é pop” entre os donos da mídia
As relações entre os grandes grupos de mídia brasileiros e o agronegócio são antigas, como conta a história do Grupo Folha. Essa ligação pode ser observada hoje em outros grupos, como Globo, Objetivo, RBS, Bandeirantes e Conglomerado Alfa.

Os membros da família Marinho são donos de diversas fazendas e empresas de produção agrícola, algo que ajuda a compreender as motivações dos bilionários donos do Grupo Globo quando sua rede de TV lança a campanha “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo” – informes publicitários que buscam criar uma imagem positiva do agronegócio.


Deve-se considerar também que, historicamente, assim como outros grupos de mídia, veículos do grupo produziram uma cobertura que criminalizava os movimentos de luta pela reforma agrária. Outros empresários do agronegócio foram identificados na pesquisa, como João Carlos Di Genio (Grupo Mix de Comunicação/Grupo Objetivo), os donos da TV Vitoriosa (SBT Uberlândia, MG) e da TV Goiânia (Band Goiânia, GO) e o Conglomerado Alfa, dono, entre outras, da Agropalma.

Relações com o agronegócio podem ser observadas ainda na produção de conteúdo das mídias. A família Saad, do Grupo Bandeirantes, também proprietária de terras, algumas delas desapropriadas para a reforma agrária, possui o canal de TV a cabo Terraviva e, na Band News, o Jornal Terraviva. Além disso, diversos portais de notícias têm cadernos especiais para o setor, como o G1 (Globo.com), o Correio do Povo (Grupo Record) e o Grupo Estado.

Interesses e negócios no mercado financeiro
A agenda econômica dos meios de comunicação também corresponde a uma forte presença dos grupos no mercado financeiro: entre os grupos de mídia analisados na pesquisa, nove têm negócios no setor. O maior deles é o já citado Conglomerado Alfa, formado pelo Banco Alfa, Banco Alfa de Investimento, Alfa Financeiro, Alfa Leasing, Alfa Corretora, Alfa Seguradora e Alfa Previdência.

Além dele, outros grupos atuam no mercado de previdência privada, como o RBS, afiliado da Globo no Rio Grande do Sul, e a Igreja Adventista do Sétimo Dia, proprietária da rede de rádios Novo Tempo.

Já a família proprietária do Grupo Record tem 49% do Banco Renner. O Grupo Silvio Santos é dono do Baú da Felicidade Crediário e da Liderança Capitalização (a “Tele Sena”), ambos impulsionados por sua rede de TV, o SBT. No mercado de soluções financeiras, destaca-se o Grupo Folha, detentor da empresa de pagamento on-line PagSeguro, e os sócios da RedeTV!, donos da Débito Fácil Serviços.

Um dos vínculos mais explícitos com o mercado financeiro é do portal de direita O Antagonista, uma sociedade entre os ex-jornalistas da revista Veja Diogo Mainardi e Mário Sabino e a Empiricus Research, empresa especializada na venda de informações sobre o mercado financeiro por meio de newsletters. A Empiricus, por sua vez, é uma sociedade da empresa norte-americana The Agora com três brasileiros.

Educação e saúde: serviços públicos nas mãos de agentes privados
A desqualificação dos serviços públicos e a defesa da gestão privada em áreas de competência do Estado são pautas constantes das empresas de mídia analisadas. Não surpreende, então, que o MOM-Brasil tenha identificado a existência de vínculos entre os grupos de comunicação e as empresas que atuam em educação e também em saúde, como a Igreja Adventista do Sétimo Dia, os grupos Folha e Globo, além de grupos regionais afiliados.

Em educação, é importante ressaltar não apenas a relação de propriedade, mas o papel dos grupos privados na disseminação de consensos sobre os rumos das políticas educacionais no Brasil que tiveram grande impacto na recente reforma do ensino médio e na proposta da Base Nacional Comum Curricular, como mostram as pesquisas em desenvolvimento pelo Observatório do Ensino Médio, da Unicamp.

Os grandes grupos de comunicação fazem parte desse processo há bastante tempo. O Grupo Abril, que publica a Veja, revista semanal de maior tiragem no Brasil, foi pioneiro nessa área ao desenvolver materiais didáticos do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) durante a ditadura militar.

Nos anos 1990, fundou a Abril Educação, um dos maiores grupos de educação privada do Brasil. Por meio da Fundação Victor Civita, lançou revistas como Nova Escola e Gestão Escolar, que desempenham papel ativo na elaboração de diretrizes educacionais.

Outra atuação pioneira é a da Fundação Roberto Marinho (Grupo Globo), que, desde sua criação, em 1977, desenvolve o Telecurso, voltado para a aceleração da aprendizagem (supletivo) nos ensinos fundamental e médio e na educação de jovens e adultos (EJA).

Na área de educação básica e universitária, o maior destaque é o já citado Grupo Objetivo, formado por escolas, cursos pré-vestibulares, universidades (Unip – Universidade Paulista) e editoras de produção de material didático. Yugo Okida, sócio do grupo, vice-reitor de pós-graduação e pesquisa da Unip, é ainda membro da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação.

O órgão do Ministério da Educação tem como uma de suas funções dar permissão para funcionamento de cursos superiores, emitir parecer sobre os processos de avaliação da educação superior e elaborar propostas de legislação para o setor.

Na área de educação a distância, o Grupo Folha é proprietário da UOL edtech, formado por seis empresas: Cresça Brasil, Portal Educação, Ciatech, Concurso Virtual, Casa do Concurseiro e EA Certificações. Entre seus serviços estão cursos on-line profissionalizantes, de idiomas e de concursos, cursos livres e pós-graduação a distância, além da produção de tecnologias educativas.

Se as relações entre mídia e educação são antigas, as relações com a saúde são mais recentes e igualmente preocupantes, uma vez que também nesse setor o Brasil passa por um processo de crescente participação de organizações sociais (OSs) na gestão dos recursos públicos.

Nessa área, a Igreja Adventista possui clínicas, SPAs e o Hospital Adventista, com unidades em Belém, Manaus, São Paulo, Campo Grande e Rio de Janeiro, além do Plano de Saúde Proasa. O Grupo Hapvida, sistema de saúde privado que conta com uma administradora de planos de saúde, hospitais e laboratórios, é dono também do Sistema Opinião de Comunicação, com emissoras afiliadas às redes SBT e Bandeirantes.

Podemos citar ainda o Grupo NC, que possui afiliada da Globo em Santa Catarina e é parceiro do Grupo RBS; no ramo farmacêutico, o grupo é dono das empresas EMS, Brace Farma, Legrand, Germed Pharma e Novamed, entre outras.

Perguntas essenciais
Conhecendo melhor os interesses empresariais da mídia brasileira, é fundamental questionar: qual é a participação dos grupos com negócios imobiliários na produção do atual modelo de urbanização corporativa e mercantilização do espaço urbano? Que informações são dadas sobre a reforma agrária, o uso de agrotóxicos e a agricultura familiar, já que foram identificados tantos vínculos com o agronegócio?

Que soluções para a educação pública são apresentadas nas pautas de veículos com investimentos na educação privada? Que política econômica os grupos com negócios no mercado financeiro defendem?

Ainda que o MOM-Brasil não tenha analisado o conteúdo veiculado pelos principais meios, a sistematização de dados de propriedade em um banco de dados aberto e acessível abre possibilidades de investigações necessárias para compreender os entraves criados pelos grandes grupos de mídia ao debate público e plural de temas fundamentais para o país.


*Olívia Bandeira é jornalista, doutora em Antropologia e integrante do Intervozes; e André Pasti é mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil. 

Texto publicado originalmente na edição de janeiro de 2018 do Le Monde Diplomatique Brasil e republicado em seu site em 16 de abril de 2018.

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