Quem fiscaliza os tribunais de contas?
Abarrotados
de denúncias de corrupção, TCEs são compostos de membros políticos nomeados
pelos governadores e seus aliados.
Foto: TCE-MG/divulgação |
Por Alice
Maciel - Agência Pública
24/06/2018
“As minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas
do Estado.” Essa frase está na ponta da língua dos políticos investigados na
Operação Lava Jato por fraudar licitações e superfaturar obras. E o argumento
não é falso. Os ex-governadores Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, Sérgio
Cabral (MDB), do Rio de Janeiro, e Beto Richa (PSDB), do Paraná – investigados
por suspeita de terem favorecido empresas em licitações –, tiveram as contas
aprovadas nos tribunais de contas de seus estados, colocando em xeque a
credibilidade dos órgãos de controle como mecanismo para coibir esquemas de
corrupção.
O problema é que, entre os julgadores das suas
movimentações financeiras, estavam aliados políticos. A ONG Transparência
Brasil revelou, em estudo publicado no ano passado, que oito em cada dez
conselheiros de contas do país exerceram mandatos eletivos ou altas funções em
governos. A pesquisa, realizada em 2014 e atualizada em 2016, incluiu membros
do Tribunal de Contas da União (TCU), dos 27 tribunais de contas dos estados e
do Distrito Federal, e dos tribunais municipais. Existem quatro tribunais de
contas do conjunto de municípios dos estados de Pará, Goiás, Ceará e Bahia, e
Tribunais Municipais de contas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
O levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e
ministros respondem a processos ou já foram punidos na Justiça e até mesmo nos
próprios tribunais de contas. Os supostos guardiões do dinheiro público são
acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e enriquecer ilicitamente. A
mais comum acusação que recai sobre eles: improbidade administrativa.
Indicação política é comum na escolha de conselheiros e ministros de tribunais de contas do país; é o caso do ministro Augusto Nardes (centro), do TCU. Foto: Lula Marques/Fotos Públicas |
Embora não tenha havido nenhuma investigação específica
sobre elas, a Operação Lava Jato escancarou a participação dos integrantes
dessas cortes estaduais, municipais e federal nos esquemas de desvio de
dinheiro. No Rio de Janeiro, cinco conselheiros do TCE estão afastados,
suspeitos de cobrar propina para fazer “vista grossa” de contratos do governo
com empreiteiras.
Até fevereiro deste ano, o ex-ministro das cidades do
governo de Dilma Rousseff Mário Negromonte (PP-BA) ocupava uma cadeira no
conselho do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado Bahia (TCM). Ele foi
acusado de pedir propina de R$ 25 milhões para beneficiar empresas do setor de
rastreamento de veículos quando era ministro. Indicado pelo ex-governador Jaques
Wagner (PT-BA), em 2014, o conselheiro foi afastado depois que virou réu por
corrupção passiva.
O senador Agripino Maia (DEM-RN) teria influenciado a
mudança de parecer do TCE do Rio Grande do Norte, favorecendo a OAS na
construção do estádio Arena das Dunas para a Copa do Mundo de 2014, de acordo
com denúncia da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF). A operação atingiu também a cúpula do TCU. O filho do ministro
Aroldo Cedraz (ex-deputado federal da Bahia pelo PFL, hoje DEM), o advogado
Tiago Cedraz, passou a ser investigado em 2015 depois de o dono da empreiteira
UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, ter dito que o contratou para obter dados de
difícil acesso na corte e para comprar uma decisão referente à usina nuclear
Angra 3. Procurados pela reportagem da Pública,
todos negam as acusações. (Leia o que dizem os citados)
Tudo
dominado
Os tribunais de contas estaduais possuem sete
conselheiros. Quatro são escolhidos pelo voto dos deputados; um, livremente
pelo governador; e os outros dois, também pelo governador, mas têm de ser
auditores e procuradores do Ministério Público de Contas.
Procurador do Ministério Público junto ao TCU e
presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon),
Júlio Marcelo de Oliveira – conhecido por ser o autor da representação que
levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por
fraude fiscal –, alerta que, quanto mais tempo o mesmo grupo político permanece
no poder de um estado, mais influência ele tem no tribunal de contas.
É o caso, por exemplo, de Minas Gerais. O PSDB permaneceu
no governo por 12 anos, de janeiro de 2003 a janeiro de 2015. Todos os membros
do órgão mineiro são ligados aos ex-governadores tucanos Aécio Neves e Antonio
Anastasia: os ex-deputados Mauri Torres (PSDB), José Alves Viana (DEM),
Wanderley Ávila (PSDB) e Sebastião Helvécio (PDT) foram indicados pela
Assembleia Legislativa. Já os dois cargos técnicos, ocupados por Cláudio Terrão
e Gilberto Pinto Dinis, foram nomeação de Anastasia.
O levantamento da ONG Transparência Brasil que avaliou a
vida pregressa de todos os membros das cortes dos tribunais de contas na ativa
em 2016 traz a informação de que, no grupo de conselheiros que jamais ocuparam
cargo eletivo nem foram secretários de governo, 6% respondem a processo na
Justiça. Já entre os conselheiros que são políticos profissionais, a
porcentagem sobe para 27%.
Políticos que perderam o mandato, que estão achando
difícil se reeleger, ou que querem aumentar o poder político da família, sendo
substituídos na Assembleia pelo filho ou mulher, por exemplo, cobiçam as vagas
de conselheiros de contas. Ali, recebem diversos benefícios, como foro
privilegiado, cargo vitalício, salários altos – o salário-base é de R$ 30.471
–, além de gratificações e outras vantagens.
Juntos, os tribunais de contas custam mais de R$ 10
bilhões aos cofres públicos, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de
Oliveira. Os cargos de conselheiros são equivalentes aos dos desembargadores, e
os ministros do TCU são equiparados pela Constituição Federal aos ministros do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os membros dos órgãos de controle estão
regidos pela Lei Orgânica da Magistratura. No entanto, ninguém os fiscaliza.
“Os tribunais de contas não têm controle nenhum. Ninguém fiscaliza esses
órgãos”, ressaltou Oliveira.
Em abril deste ano, vagou uma cadeira na corte de Minas,
com a morte da conselheira Adriene Andrade, mulher do ex-senador Clésio Andrade
(MDB). Ela preenchia a vaga de indicação livre do governador. Será a vez agora
do atual gestor do estado, Fernando Pimentel (PT), indicar um nome. O
líder do governo no Legislativo, deputado estadual Durval Ângelo, é o mais
cotado a assumir o conselho, perpetuando a prática de aliados políticos fiscalizarem
a prestação de contas de governadores.
Com interesses políticos predominando sobre interesses
públicos, não faltam escândalos no currículo do TCE de Minas Gerais. Em 2002, o
então presidente do órgão, José Ferraz, já falecido, foi apontado pelo Ministério
Público do estado como um dos envolvidos em um incêndio criminoso que destruiu
provas de investigações fiscais.
Em 2008, três conselheiros, incluindo o presidente, foram
indiciados por suspeita de envolvimento com uma organização criminosa acusada
de ter desviado R$ 200 milhões em verbas do Fundo de Participação dos
Municípios. O esquema foi revelado na Operação Pasárgada, que teve como alvo
também membros da corte do Rio. Em 2015, o jornal Estado de Minas revelou que
os conselheiros receberam, em dezembro de 2014, salários que ultrapassavam R$
150 mil mensais.
O Ministério Público chegou a questionar na Justiça, em
2006, a indicação de Adriene Andrade ao conselho da corte de contas, com o
argumento de que ela não possuía os requisitos para preencher a vaga. Ela era
ré em processos sob a acusação de fraudar licitações e respondia a ações cíveis
e inquéritos policiais por supostas irregularidades administrativas quando foi
prefeita de Três Pontas, de 2001 a 2004.
Leia
também: Veja o que dizem os mencionados na reportagem
Sociedade
civil
Para ser conselheiro do TCE de Minas, de acordo com
artigo 78 da Constituição mineira, que foi inspirada na brasileira – na qual há
os critérios destinados aos ministros do TCU –, é preciso ter “mais de trinta e
cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; possuir idoneidade moral e
reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos,
financeiros ou de administração pública; e ter mais de dez anos de exercício de
função ou de efetiva atividade profissional que exijam os conhecimentos
mencionados no inciso anterior”.
Doutor em contabilidade e finanças públicas, com mais de
dez anos de serviço público, sendo quatro no TCE, o contador Alexandre Bossi
encontrou na lei a possibilidade de fazer diferente: ocupar uma vaga de juiz de
contas sendo um representante da sociedade civil. O desejo surgiu depois que
ele trabalhou como auditor no tribunal mineiro.
“Eu me sentia muito incomodado. Como auditor concursado,
como técnico, você levanta várias coisas, faz inspeção na rua, visita
municípios, faz um trabalho técnico de qualidade, com levantamento de
irregularidades, de má gestão. Quando chega para votação política, no plenário,
muitas vezes aquilo que a gente pesquisava, pegando o que a lei estipula em
termos de punição, era deixado de lado. Achávamos, por exemplo, alguma
irregularidade muito grande em uma estatal, aí, ao invés de aplicar multa,
aplicava ressalva. Ou seja, não funcionava”, lembrou Bossi.
Em 2000, com a morte de um conselheiro indicado pela
Assembleia, Bossi decidiu candidatar-se. O percurso, descobriu, não era tão
simples como parecia. De acordo com o regimento interno do Legislativo mineiro,
para entrar na disputa por uma vaga na corte de contas, é preciso ter o apoio
de 20% dos deputados estaduais. “É feito para a sociedade não participar. É
publicado no rodapé do Diário Oficial e, quando abre a vaga, só tem dez dias
para fazer o registro”, avaliou.
Consultor do Legislativo desde 1993, ele tinha
proximidade com os parlamentares e bateu na porta dos 77 gabinetes para
conseguir os 16 votos necessários. Cada deputado pode apoiar até dois candidatos. “Os
deputados falavam comigo: ‘Você tá doido? Já tenho compromisso com meu colega
aqui, do partido tal’. Eu respondia: “Ô deputado, não diga isso. Diga que tem
compromisso porque acredita que ele vai ser um bom fiscal, um bom auditor, mas não
porque é seu amigo de partido”, lembrou. Bossi conseguiu o apoio e foi o
primeiro representante da sociedade civil a disputar o cargo no país. Ele
concorreu naquele ano com cinco deputados.
Na votação do plenário, Bossi precisaria de 39 votos, mas
teve apenas um. Depois que experimentou a eleição pela primeira vez, o servidor
público conseguiu entrar na disputa todas as outras cinco vezes em que vagaram
cadeiras da Assembleia, em 2004, 2005, 2009, 2011 e 2012, sempre concorrendo
com deputados. Ele até mesmo tentou ser o indicado do Aécio, em 2006. “Eu
tentei falar com o governador, dizer pra ele para indicar uma pessoa com perfil
técnico, mas o Aécio nem me recebeu. Foi o Anastasia, na época secretário de
Estado, quem me atendeu”, contou. Naquele ano, Adriene Andrade foi a escolhida.
“Não vou me candidatar mais”, garantiu Bossi. “Eu fiquei
de 2000 a 2012 mexendo com isso. É muito cansativo, eu paro a minha vida, mas
isso não significa que eu desisti da luta”, explicou. Ele disse desconhecer
casos de nomeações que não sejam políticas. “A sociedade civil organizada
jamais conseguiu emplacar um nome. No caso da minha candidatura, eu tive a
iniciativa, mas contei com o apoio de entidades como o Conselho Regional de
Contabilidade e do Sindicato dos Servidores do Tribunal de Contas”.
Para ele, é muito importante colocar os tribunais de
contas, “órgãos desconhecidos da sociedade e tão importantes no combate à
corrupção”, sempre na pauta de discussão. “Os diversos casos de desvio de
dinheiro público que, com frequência, aparecem nas primeiras páginas dos
jornais são prova de que os tribunais de contas não andam exercendo
satisfatoriamente o seu papel fiscalizador”.
Cidade Administrativa
Na mira da Operação Lava Jato, a Cidade Administrativa da
capital mineira passou pelo crivo do Tribunal de Contas de Minas em 2007. As
suspeitas reveladas nas investigações da Polícia Federal (PF) são de que o
então governador Aécio Neves tenha recebido da Odebrecht R$ 5,2 milhões em
propina para que a empresa faturasse a licitação. Os recursos teriam ido para
sua campanha, de acordo com a delação do ex-executivo da empreiteira Benedicto
Júnior. Sempre que questionado sobre as acusações, Aécio Neves diz que “o
edital de licitação foi apresentado previamente ao Ministério Público Estadual
e ao Tribunal de Contas do Estado”.
Inaugurada em 4 de março de 2010, dia em que o avô de
Aécio, o ex-presidente Tancredo Neves, completaria 100 anos, a Cidade
Administrativa é a obra mais cara da gestão do tucano. Ela custou R$ 1,2 bilhão
aos cofres públicos. Apesar do alto investimento, salta aos olhos de quem
frequenta o local a infraestrutura já decadente: pisos com rachaduras surgidas apenas três meses depois da inauguração, janelas proibidas de serem abertas –
ficam lacradas – porque os vidros caem lá do alto e cheiro forte de esgoto nos
jardins. Em 2015, um vendaval arrancou parte do teto do prédio.
Em fevereiro, Fernando Pimentel decidiu desativar o
Palácio Tiradentes, um dos prédios da Cidade Administrativa, onde o governador
despachava. De acordo com Pimentel, a medida trará uma economia de 40% nos
gastos com insumos diversos, manutenção rotineira e com o consumo de água e
energia. O PSDB rebateu a decisão do petista e garantiu que a centralização da
estrutura governamental naquele espaço gerou uma economia de R$ 590 milhões aos
cofres públicos entre 2011 e 2015.
Passados 17 anos do lançamento do edital da Cidade
Administrativa, o TCE de Minas instaurou, em abril de 2017, um procedimento
para investigar se houve fraude no contrato. A medida foi tomada depois que a
Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para averiguar a existência de
crimes envolvendo Aécio Neves na obra. A iniciativa para a investigação partiu
do Ministério Público de Contas.
A Pública
entrou em contato com as assessorias de imprensa do senador Aécio Neves e do
Tribunal de Contas de Minas, que não deram retorno.
Ministério
Público
Além de atuarem como auxiliares dos tribunais de contas
no controle e na fiscalização da execução do orçamento e dos atos de gestão dos
recursos públicos, os membros do Ministério Público de Contas podem apresentar
uma denúncia à corte de contas para que irregularidades sejam apuradas e os
gestores, responsabilizados. Os pareceres dos procuradores de contas,
servidores concursados com carreira de bacharel em direito, são opinativos. Ou
seja, eles não têm o poder de vetar as decisões dos conselheiros, que podem
acatar ou não suas recomendações, tendo apenas como ferramenta o recurso para
que as decisões sejam revistas.
Nunca na história do TCE de Minas, por exemplo, houve
reprovação das contas de um governador. Mesmo quando os procuradores de contas
alertaram para problemas graves. Em 2013, o Ministério Público de Contas advertiu que o estado não cumpriu o mínimo constitucional para a educação,
de 25% da receita, tendo aplicado apenas 23,91%. Isso não impediu, no entanto,
que os conselheiros aprovassem as contas do ex-governador Antonio Anastasia,
argumentando que o gestor havia cumprido os índices constitucionais.
13
conselheiros afastados em um ano
O descumprimento da aplicação mínima constitucional de
15% da receita para a saúde foi um dos principais argumentos dos conselheiros
do TCE do Rio para a rejeição do balanço financeiro de 2016 do governador Luiz
Fernando Pezão (MDB). A última vez que o TCE havia emitido parecer contrário às
contas do estado fora em 2003. A decisão contrária a Pezão se deu em maio do
ano passado.
“O colegiado que deliberou pela rejeição das contas em
2016 foi integrado por conselheiros suplentes, tendo em vista o afastamento dos
titulares por ordem judicial (IPL 1133/DF – Operação Quinto do Ouro). Note-se
que em anos anteriores (2007-2015) o número de inconsistências foi até maior.
Ainda assim as contas eram sistematicamente aprovadas com parecer favorável do
TCE, numa evidente demonstração de que o controle era meramente formal e de que
existia uma estratégia de proteção mútua entre os órgãos”, alertou o Ministério
Público Federal (MPF) no documento que justifica a Operação Cadeia Velha, que
revelou um esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Apesar da recomendação do TCE, a Assembleia do Rio
aprovou, em setembro de 2017, a movimentação financeira do governador. A
população e os servidores do estado, que convivem com salários atrasados, foram
proibidos de participar da votação. À época, o Legislativo fluminense
justificou que a decisão foi tomada pela presidência, por recomendação da
segurança da Casa, “amparada em informações de que poderia haver atos violentos
nos protestos”. Dois meses depois da reunião, Pezão indicou para o conselho da
corte Edson Albertassi (MDB), então presidente da Comissão de Orçamento,
Finanças, Fiscalização Financeira e Controle da Alerj, que também tinha dado
aval à sua prestação de contas.
“Os fatos, no entanto, demonstraram que a argumentação de
Albertassi não passou de mera retórica para justificar a proteção ao governo
cujas contas, se tivessem sido rejeitadas, poderiam levar à responsabilização
pessoal do governador”, observaram os procuradores no documento. Ex-líder do
governo na Assembleia, Albertassi foi preso na Operação Cadeia Velha, antes de
assumir a vaga no TCE.
Ainda de acordo com o MPF, “desde 2007 e durante toda a
administração de Sérgio Cabral, houve razões de sobra para a reprovação das
contas do governo, contudo, como o processo de fiscalização sempre esteve
viciado, em momento algum o ex-governador esteve sob o risco de se ver
submetido ao processo político de impedimento”.
Há suspeitas de que durante o governo de Cabral cinco dos
sete conselheiros do tribunal – Aloysio Guedes, Domingos Brazão, Marco Antônio
de Alencar, José Gomes Graciosa e José Maurício Nolasco – participaram de
um esquema de cobrança de propina para fechar os olhos para os contratos
entre empreiteiras e o governo. A Operação Quinto do Ouro, da PF, que revelou o
esquema, teve como base a delação premiada do ex-presidente do TCE Jonas Lopes.
Os cinco conselheiros foram presos temporariamente em 29
de março de 2017 e soltos em 7 de abril, mas seguem afastados de suas funções
desde então. O TCE do Rio afirmou, por meio de nota, que não irá comentar sobre
o assunto. A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos conselheiros
afastados.
Apenas no último ano, pelo menos 13 conselheiros foram
afastados de seus cargos com suspeitas de estarem envolvidos em esquemas de
corrupção.
No Mato Grosso também foram afastados cinco conselheiros.
Eles são suspeitos de ter recebido R$ 53 milhões em propinas para não
prejudicar o andamento das obras da Copa no estado. O esquema foi revelado em
delação do ex-governador Silval Barbosa (MDB) durante a Operação Malebolge, da
PF. Os conselheiros Valter Albano, Antônio Joaquim, José Carlos Novelli, Waldir
Júlio Teis e Sérgio Ricardo de Almeida foram afastados em setembro do ano
passado pelo STF. A Malebolge é uma sequência da Operação Ararath, que desde
2013 investiga um suposto esquema de lavagem de dinheiro público e crimes
financeiros no Mato Grosso.
À reportagem, o TCE do Mato Grosso informou, por
meio da assessoria de imprensa, que houve uma investigação interna em outubro
de 2016. “A investigação foi conduzida por dois conselheiros substitutos e um
procurador do Ministério Público de Contas, com conclusão em março de 2017”,
observou o órgão. “Não chegou a nenhuma evidência de crime, mas mesmo assim a
comissão responsável entendeu por bem encaminhar cópias dos autos para os
Ministérios Públicos Federal e Estadual”, diz a nota.
No Espírito Santo, o conselheiro José Antônio Almeida
Pimentel foi acusado de receber dinheiro em troca de facilitação e
favorecimento para a aprovação de processos perante a corte de contas do
Estado. As investigações revelaram também que ele teria oferecido expertise e
apoio técnico no direcionamento de processos licitatórios em diversos
municípios capixabas. José Antônio é alvo da Operação Moeda de Troca,
deflagrada em 2010, que apura fraudes em licitações de municípios no Espírito
Santo. Ele saiu do cargo, por decisão do STJ, em junho do ano passado.
A defesa argumentou ao STF que a denúncia contra José
Antônio Pimentel seria inepta, principalmente por ausência de justa causa
relativa aos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Os fatos
imputados ao denunciado, de acordo com a defesa, não estariam especificados.
O conselheiro do TCE do Amapá José Júlio de Miranda
Coelho foi igualmente afastado de suas funções em março de 2018 pelo STJ. Ele é
acusado de ter cometido 62 vezes o crime de lavagem de dinheiro com uso de
terceiros.
José Júlio tinha sido afastado em 2015 e voltou ao cargo
em dezembro de 2017 por decisão do STF. Diante do novo processo de afastamento,
a defesa de Coelho alegou que, diante da reintegração promovida pela Suprema
Corte, não havia fato recente que justificasse o novo pedido de afastamento
feito pelo Ministério Público Federal. Mas ele foi afastado mesmo assim.
Bom
relacionamento e parentesco
A relação de cumplicidade entre o órgão de controle e seu
controlado é um dos principais motivos da corrupção nos tribunais de contas, de
acordo com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. “O político que ocupa a
cadeira de conselheiro terá, na maioria dos casos, uma visão mais simpática ao
seu grupo político. O desenho institucional atual é vulnerável à captura
política”, acrescentou.
“É com muita tranquilidade e serenidade que eu afirmo que
este governo do estado do Rio de Janeiro, com suas finanças públicas, seus
controles públicos, faz uma nova era do estado. Nós que cuidamos das contas do
estado sentimos claramente a mudança radical que houve na Secretaria de
Fazenda”, afirmou o então presidente do TCE do Rio de Janeiro José Maurício
Nolasco durante a abertura do IV Encontro do Conselho Nacional dos Órgãos de
Controle Interno, que ocorreu em 2009. Anos depois, ele seria investigado na
Operação Quinto do Ouro, já mencionada anteriormente.
“Da parte do Tribunal de Contas de Goiás e do nosso
governo, o que tem ocorrido invariavelmente é uma relação harmônica, porque há,
acima de tudo, uma identidade de propósitos”, afirmou o então governador de
Goiás Marconi Perillo (PSDB) durante a inauguração de uma nova sede do TCE, em
agosto de 2016.
Perillo é acusado de ter formado uma aliança com o dono da
construtora Delta, Fernando Cavendish, e com o bicheiro Carlinhos Cachoeira
para receber vantagens indevidas em troca de contratos com o governo goiano que
causaram prejuízos aos cofres públicos. Em nota enviada à imprensa quando
denunciado ao STJ, em março de 2017, ele negou as acusações. Assim que deixou a
vaga para disputar a reeleição, em abril, o governador que o substituiu, José
Eliton (PSDB), indicou o cunhado de seu antecessor, Sérgio Cardoso, ao conselho
do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás. (Veja a íntegra da nota do TCE-GO)
O levantamento da ONG Transparência Brasil mostrou também
que 32% dos conselheiros têm relações de parentesco com políticos. “As relações
são diversas e demonstram, em alguns casos, laços com figuras influentes na
política local há diversas gerações. Em um caso, o poder remonta ao período
imperial: o clã político cearense Paula Pessoa, ao qual pertence o conselheiro
Luís Alexandre Albuquerque Figueiredo de Paula Pessoa, do TCE do Ceará, conta
com oito gerações de políticos influentes. O conselheiro, além de ter de pai,
irmão e sobrinho na política subnacional, tem como antepassado um senador do
Império”, observou a ONG no estudo.
O movimento #MudaTC, criado pela entidade presidida pelo
procurador junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, a Ampcon, a Confederação
Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) e a Federação Nacional das
Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc), depois do
escândalo no TCE do Rio, apoia a aprovação da PEC 329/2013, que está pronta
para ir a plenário.
Entre os principais pontos está a mudança na composição
dos tribunais de contas, proibindo indicações políticas. O projeto prevê também
que os conselheiros sejam fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça, assim
como todos os juízes, desembargadores e ministros do STF e do STJ.
Já a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil (Atricon) defende que seja criado um Conselho Nacional dos Tribunais de
Contas para fiscalizar as cortes de contas. Em relação à composição dos
tribunais, o presidente da entidade, Fábio Nogueira, explica que a associação
não é contra a indicação de políticos à vaga. “Nós não temos nenhum preconceito
contra aqueles que vêm do Parlamento. O que nós precisamos é ter cautela nas
indicações”, defendeu.
A proposta de mudanças da Atricon está na PEC 22/2017.
Ela foi formulada e sugerida pela entidade e apresentada pelo senador Cássio
Cunha (PSDB-PB). O projeto assegura a maior parte dos assentos aos membros das
carreiras técnicas – cinco no TCU e quatro nos outros tribunais. E prevê o fim
das indicações livres do chefe do Executivo e a redução das indicações do
Legislativo, fixando critérios como quarentena de três anos afastado de mandato
eletivo, não ter sido condenado judicialmente nem ter tido contas reprovadas.
Além disso, a PEC determina que os conselheiros deverão ter
graduação e experiências nas áreas jurídica, contábil, econômica e financeira
ou de administração pública. Atualmente, apesar de a Constituição exigir
“notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de
administração pública”, há conselheiros de diversas áreas e sem ensino superior
nas cadeiras de tribunais de contas estaduais.
De acordo com estudo do perfil desses tribunais publicado
em 2014 pelo contador Alexandre Bossi, que também é professor do Centro
Universitário UNA em Belo Horizonte, esse grupo chega a 23% dos conselheiros. A
pesquisa dele abrangeu o TCU, os 26 tribunais estaduais e o do Distrito
Federal.
Reportagem publicada originalmente em 14 de junho de 2018 no site da Agência Pública.