Símbolo da seletividade penal, caso Rafael Braga completa cinco anos
Catador
de materiais recicláveis foi preso em ato de que não
participava; contraiu tuberculose na cadeia e hoje cumpre prisão domiciliar.
Por Rute Pina - Brasil de Fato
Cinco anos depois, o catador de materiais recicláveis
cumpre prisão domiciliar e passa por um tratamento de tuberculose, que contraiu
no sistema penitenciário. Em 2016, enquanto também cumpria regime aberto com
uso de tornozeleira eletrônica, ele foi preso novamente em uma abordagem
policial, sem testemunhas.
Por Rute Pina - Brasil de Fato
20/06/2018
Por não ter como pagar a passagem de ônibus, Rafael Braga
Vieira, por muitas noites, não voltava para casa na comunidade de Vila
Cruzeiro, no bairro da Vila da Penha, Rio de Janeiro (RJ). Ele
costumava improvisar onde dormir no centro da cidade — local onde foi preso, no
dia 20 de junho de 2013, durante um ato do qual ele não participava. A pauta do
protesto: a redução do preço da tarifa dos transportes públicos.
Caso ganhou notoriedade por expor o modus operandi do sistema penal. Foto: Mídia Ninja |
A defesa de Rafael aguarda a posição do Ministério
Público sobre recursos de embargos infringentes contra a sentença em segunda
instância, que condenou o jovem negro a 11 anos de prisão.
Os advogados querem a pena por tráfico seja revista e
também que ele seja absolvido da condenação de associação ao tráfico. A
expectativa da defesa é que os recursos protocolados sejam julgados até o final
do ano.
Racismo
institucional
O caso, cheio de idas e vindas, virou símbolo por
explicitar o funcionamento da seletividade penal e do racismo institucional no
país. Rafael foi preso em abordagem policial sem testemunhas, com uma
pequena quantidade de drogas e com suspeita de flagrante forjado,
segundo a defesa do jovem.
O caso de Rafael Braga descreve muitos outros. Das mais
de 726 mil pessoas encarceradas em junho de 2016, cerca de 40% eram presos
provisórios. Mais da metade dessa população era composta de jovens entre 18 a
29 anos; 64% são negros. Os dados são do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (Infopen).
Livro-reportagem
A jornalista Luiza Sansão, que acompanha o caso desde
2013, produziu 22 reportagens e uma crônica sobre o processo para a Ponte Jornalismo. Atualmente, ela
trabalha em um livro-reportagem que narra a história de Rafael Braga.
Para ela, o caso não difere de outros casos de injustiças
à população pobre e negra. "Ele, na realidade, simboliza algo que acontece
todos os dias. E as violências das quais ele é vítima obviamente não começaram
em 2013, quando ele foi preso.
O Rafael sofre com violações a vida inteira como todos os
jovens moradores de favelas, negros, com o perfil ‘criminalizável’", disse
Luiza Sansão.
Rafael Braga em setembro de 2017. Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo |
Nathalia Oliveira, integrante da Iniciativa Negra por uma
Nova Política de Drogas (INNPD), refuta a ideia de que Rafael foi "o único
condenado das manifestações de junho" porque não ele não estava se
manifestando.
Lei
de Drogas
A militante afirma que o processo de Rafael é um caso que
se relaciona com a fragilidade da Lei de Drogas de 2006. Para ela, nova
legislação caracterizou o tráfico em um nível de um crime hediondo, com
sentenças duras em relação à droga apreendida.
"Qualquer prisão que acontece em área periférica com
droga é entendida como tráfico porque a Lei das Drogas é construída a partir de
uma narrativa em que o tráfico só acontece nas regiões periféricas da
cidade", apontou Nathalia.
O caso ganhou notoriedade, segundo Oliveira, pelo
didatismo, por escancarar uma realidade que ocorre todos os dias no país. "O
simbólico, para o movimento negro, é mostrar uma coisa que a gente está falando
faz tempo: as prisões no Brasil são políticas, por uma decisão de Estado de
utilizar das prisões como mecanismo que tem como resultado a segregação da
população negra", contou Nathalia.
A jornalista Luiza Sansão pondera que a repercussão
midiática relaciona-se com o contexto do momento, de mobilização e
manifestações. “E quando pessoas que também foram criminalizadas e que também
foram presas — em grande parte pessoas brancas, jovens, de classe média — se
deram conta que tinha ficado uma pessoa para trás, essas pessoas foram saber
quem era aquele cara que tinha ficado. E era o Rafael”, comentou a jornalista.
‘Explosivo’
de Pinho Sol
Naquele dia 20 junho de 2013, os protestos reuniram um
milhão de pessoas em todo o país. Só na capital fluminense, 300 mil pessoas
foram para Candelária, em um ato que terminou com feridos pela repressão
policial e com detidos.
O jovem Rafael Braga Vieira, na época com 25 anos, foi um
destes jovens — mesmo sem participar dos protestos. Durante a dispersão do
protesto, Rafael foi abordado por dois policiais civis na Rua do Lavradio, no
bairro da Lapa.
Segundo os agentes, o jovem carregava dois frascos em
suas mãos, “aparentemente semelhante ao coquetel molotov" e "com odor
semelhante ao de álcool e o outro preenchido com substância de odor muito
forte, embora não identificado”.
Posteriormente, o laudo do esquadrão antibomba da Polícia
Civil atestou que os frascos de Pinho Sol e Água Sanitária tinham uma ínfima
capacidade explosiva e seria pouco efetivo para funcionar como coquetel
molotov.
Rafael Braga ficou preso por cinco meses no Complexo
Penitenciário de Japeri, até dezembro 2013, quando foi condenado em primeira
instância. A sentença do jovem foi de cinco anos em regime fechado por porte de
material explosivo. Em dezembro de 2015, o jovem conseguiu autorização para a
progressão ao regime aberto.
No entanto, na manhã do dia 12 de janeiro de 2016, Rafael
Braga, em uma abordagem na comunidade de Vila Cruzeiro, foi detido com 0,6g de
maconha, 9,3g de cocaína. O jovem negou que a droga era sua e a defesa afirma
que o flagrante foi forjado.
Durante o cumprimento da pena no complexo de Bangu, o
ex-catador de recicláveis foi internado com tuberculose, em agosto de 2017. Em
setembro, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogério Schietti Cruz,
entendeu que não haviam condições para um atendimento de saúde com a reclusão.
Desde então, há nove meses, ele está em prisão domiciliar
para o tratamento da doença. Rafael cumpre a pena em uma casa doada por
militantes através da Campanha 30 dias por Rafael Braga, uma série de
mobilizações em solidariedade que antecedeu o julgamento da liminar.
Edição: Diego Sartorato – Brasil de Fato