Os supersalários das Forças Armadas
Militares de alta patente embolsam salários astronômicos, muitos acima do teto; há também gastos milionários com pessoal no exterior.
Temer com os comandantes das Forças Armadas, da esq. para a dir., Nivaldo Rossato (Aeronáutica), Eduardo Leal Ferreira (Marinha) e Eduardo Villas Bôas (Exército), 2017. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR em Fotos Públicas. |
Por Bruno
Fonseca – Agência Pública
22/07/2018
Grande parte dos funcionários públicos do governo federal
é militar: no Executivo, a cada três servidores, um é vinculado às Forças
Armadas. Além disso, entre todos os ministérios, o da Defesa é o que mais
emprega: são 395.667 servidores, o que o coloca à frente da pasta da Educação,
com 302.938; e bastante acima da Saúde, com 33.476.
A quantidade de militares reflete no orçamento. Em 2017,
foram gastos R$ 22,6 bilhões com remuneração de funcionários públicos
militares, do total de 63,1 bilhões que o país empregou em Defesa.
Em levantamento inédito com base em dados do Portal da
Transparência, a Pública desmembrou
mais de 4,4 milhões de registros de pagamentos a militares e descobriu que
vários deles ultrapassaram o teto constitucional do funcionalismo, de R$ 33,7
mil mensais.
No ano passado, 713 remunerações mensais de membros das
Forças Armadas ficaram acima desse teto. O cálculo já considera descontos de
impostos como o de Renda, pagamentos para o fundo de pensão militar e o de
saúde, além da aplicação do abate-teto, que, em teoria, deveria limitar
rendimentos acima do limite constitucional.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa não
respondeu até a publicação por que essas remunerações ultrapassam o teto
constitucional.
O maior pagamento único feito pelas Forças Armadas em
2017 foi ao tenente-coronel do Exército Erivam Paulo da Silva, que embolsou no
mês de outubro mais de R$ 226 mil. Os dados do Portal da Transparência
especificam apenas que se trata de pagamentos atrasados. O militar havia sido
denunciado em 2010 por participação em uma quadrilha que desviou bens
apreendidos pela Receita Federal durante a operação Pilantropia.
À época das acusações, três servidores federais, dois
empresários, um despachante aduaneiro e um comerciante foram presos. O
processo, que segue atualmente no Tribunal Regional da 2a Região, absolveu o
militar em 2016, mas as últimas peças de tramitação ainda não são públicas.
Procurada, a assessoria do tribunal informou que a peça com a última decisão
sobre os embargos de declaração não foi publicada. O Ministério da Defesa e o
Comando do Exército foram procurados pela reportagem para se posicionar sobre o
caso, mas não responderam.
Conforme a Pública
apurou, há casos de militares que receberam pagamentos acima do teto por vários
meses em 2017. O major-brigadeiro da Aeronáutica Dilton José Schuck, secretário
de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional da Presidência da República, recebeu
em quatro meses quantias acima dos R$ 33,7 mil. Ao todo, ele embolsou R$ 375
mil no ano. Segundo o Portal da Transparência, os valores são decorrentes de
pagamentos atrasados.
Procurado, o Ministério da Defesa não explicou por que
valores pagos em atraso superam o teto constitucional, embora exista o
mecanismo do “abate-teto”.
Verbas
indenizatórias ultrapassam R$ 100 mil no mês
Além da remuneração regular e valores atrasados, que são
suscetíveis aos impostos e abatimentos, os militares recebem verbas
indenizatórias – como auxílios de alimentação e transporte – que não estão
sujeitas ao teto do funcionalismo.
Em 2017, as Forças Armadas pagaram mais de R$ 2 bilhões
em verbas indenizatórias a todos os seus militares.
Apenas o coronel do Exército Ricardo dos Santos Nogueira
recebeu R$ 189 mil em verbas indenizatórias. Em março, foram mais de R$ 105 mil
pagos ao oficial sob a justificativa de transferência. Em dezembro, o mesmo
militar recebeu mais de R$ 70 mil novamente em verbas indenizatórias.
Atuação
em empresas públicas rende pagamentos milionários a militares
Fora as verbas indenizatórias, Exército, Marinha e
Aeronáutica pagam ainda os chamados jetons, que são pagamentos pela
participação dos militares como seus representantes em empresas ou conselhos da
União, como a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).
No ano passado, as Forças Armadas desembolsaram R$ 797
mil em jetons. Mais da metade desse valor foi para o secretário de Economia,
Finanças e Administração da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar José Magno
Resende de Araújo, que recebeu R$ 433 mil em pagamentos da Embraer.
Araújo, que é membro efetivo do Conselho de Administração
da Embraer, recebeu 11 pagamentos da empresa em 2017, todos eles acima dos R$
37 mil mensais, sem contar a sua remuneração habitual, paga pela Aeronáutica,
de mais de R$ 19,6 mil mensais.
Procurada, a Aeronáutica explicou que os pagamentos são
previstos por lei, pois trata-se da remuneração ao representante do governo no
conselho da Embraer, eleito em assembleia geral em 12 de abril de 2017
para um mandato de dois anos.
Fora a Embraer, empresas públicas como a Indústria de
Material Bélico do Brasil (Imbel), a Empresa Gerencial de Projetos Navais
(Emgepron) e a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) também pagaram a
militares em 2017.
Forças
Armadas pagam salários milionários, mas apenas para altas patentes
Somados, remunerações, verbas indenizatórias e jetons
levaram a mais de R$ 19,9 bilhões em pagamentos a militares em 2017, já
descontados os impostos e deduções. Contudo, a distribuição desses valores
entre os oficiais é desigual.
A maior remuneração de todas é justamente do
tenente-brigadeiro Araújo, que ganhou mais de R$ 704 mil no ano, somando-se as
três formas de pagamento. Esse valor representa uma média de R$ 58,6 mil ao mês
(incluindo o pagamento do 13º salário)
Já a maior remuneração anual de soldado-recruta da
Marinha não chega aos R$ 49 mil ao ano, ou cerca de R$ 4 mil por mês.
A média das remunerações também varia: enquanto a média
anual do tenente-brigadeiro é de R$ 315 mil (R$ 26,25 mil por mês), a do soldado-recruta
da Marinha é de R$ 9,4 mil (R$ 783 por mês).
No
exterior, militares custaram mais de meio bilhão
Fora as remunerações a militares em atuação no território
nacional, as Forças Armadas pagam valores em dólares a oficiais em operação no
exterior. Ao todo, esses militares receberam US$ 183 milhões no ano passado, o
equivalente a R$ 585,6 milhões.
Segundo apuração da Pública,
a maior remuneração em 2017 foi paga ao adido militar brasileiro em Angola e
São Tomé e Príncipe, Claudio Henrique da Silva Plácido, que embolsou US$ 464
mil em salários e indenizações, já descontados os impostos e abatimentos. Em
reais, a remuneração ultrapassaria R$ 1,4 milhão (considerando o valor médio do
dólar em 2017 de R$ 3,20)
Um adido é um oficial que faz a segurança e acompanha as
atividades das delegações diplomáticas brasileiras. Segundo o Portal da
Transparência, atualmente o Brasil possui 123 adidos e auxiliares de adidos em
mais de 40 países.
A Pública procurou
a embaixada do Brasil em Angola, mas não obteve resposta até a publicação da
reportagem. O Itamaraty respondeu que remuneração de militares deve ser tratada
com o Ministério da Defesa, que não respondeu até o momento.
Pensões
de militares são caixa-preta e custam 80% dos gastos com pessoal
Além dos pagamentos a militares na ativa, as Forças
Armadas direcionam boa parte do orçamento a oficiais aposentados, afastados ou
a familiares de militares falecidos.
Segundo dados do Ministério do Planejamento, em 2016, a
cada real gasto com militares ativos, R$ 0,80 foram gastos com beneficiários de
pensões.
Sozinhos, os pensionistas das Forças Armadas custam
anualmente quase duas vezes todo o gasto com pessoal do Legislativo federal,
incluindo ativos, aposentados e pensionistas. O gasto com pensionistas
militares é tão alto que esse grupo responde por 6% de toda a despesa do
governo federal com pessoal.
Parte do custo com pensionistas das Forças Armadas
deve-se a filhas solteiras de militares, situação similar à que ocorre com as
herdeiras do Judiciário – como a Pública mostrou nessa reportagem. A pensão vitalícia a filhas solteiras de militares
foi extinta para oficiais que ingressaram após 2001. Contudo, o benefício pode
ser mantido caso o oficial pague um adicional de 1,5% na contribuição
previdenciária.
Apesar de tratar de recursos públicos, a lista individual
de pensionistas das Forças Armadas não é divulgada. O Ministério da Defesa
negou o pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela Pública,
alegando que a publicação desses dados fere sigilo pessoal.
Em pedidos de informação prévios, as Forças Armadas se
limitaram a informar que, atualmente, há cerca de 110 mil filhas de militares
que recebem pensões vitalícias.
Reportagem publicada originalmente em 16 de julho de 2018 pela Agência Pública.
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