Lula: Eu quero democracia, não impunidade
Em
artigo para o New York Times, ex-presidente defende sua inocência e prevê
a queda dos que abusam do poder.
Por Luiz
Inácio Lula da Silva – publicado originalmente no NYT
14/08/2018
CURITIBA, Brasil - Dezesseis anos atrás, o Brasil estava
em crise; seu futuro incerto. Nossos sonhos de nos transformarmos em um dos
países mais prósperos e democráticos do mundo pareciam ameaçados. A ideia de
que um dia nossos cidadãos poderiam desfrutar dos padrões de vida confortáveis de
nossos colegas na Europa ou em outras democracias ocidentais parecia estar
desaparecendo. Menos de duas décadas após o fim da ditadura, algumas feridas
daquele período ainda estavam cruas.
Foto: Ricardo Stuckert |
O Partido dos Trabalhadores ofereceu esperança, uma
alternativa que poderia mudar essas tendências. Por essa razão, mais que
qualquer outra, vencemos nas urnas em 2002. Tornei-me o primeiro líder
trabalhista a ser eleito presidente do Brasil. Inicialmente, o mercado
financeiro se abalou; mas o crescimento econômico que seguiu tranquilizou o
mercado. Nos anos seguintes, os governos do Partido dos Trabalhadores que
chefiei reduziram a pobreza em mais da metade em apenas oito anos. Nos meus
dois mandatos, o salário mínimo aumentou 50%. Nosso programa Bolsa Família, que
auxiliou famílias pobres ao mesmo tempo em que garantiu que as crianças
recebessem educação de qualidade, ganhou renome internacional. Nós provamos que
combater a pobreza era uma boa política econômica.
Então este progresso foi interrompido. Não através das
urnas, embora o Brasil tenha eleições livres e justas. Em vez disso, a
presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment e foi destituída do cargo por uma
ação que até mesmo seus oponentes admitiram não ser uma ofensa imputável.
Depois, eu fui mandado para a prisão, por um julgamento questionável de
acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.
Meu encarceramento foi a última fase de um golpe em
câmera lenta destinado a marginalizar permanentemente as forças progressistas
no Brasil. Pretende-se impedir que o Partido dos Trabalhadores seja novamente
eleito para a presidência. Com todas as pesquisas mostrando que eu venceria
facilmente as eleições de outubro, a extrema direita do Brasil está tentando me
tirar da disputa. Minha condenação e prisão são baseadas somente no testemunho
de uma pessoa, cuja própria sentença foi reduzida em troca do que ele disse
contra mim. Em outras palavras, era do seu interesse pessoal dizer às
autoridades o que elas queriam ouvir.
As forças de direita que tomaram o poder no Brasil não
perderam tempo na implementação de sua agenda. A administração profundamente
impopular do presidente Michel Temer aprovou uma emenda constitucional que
estabelece um limite de 20 anos para os gastos públicos e promulgou várias
mudanças nas leis trabalhistas que facilitarão a terceirização e enfraquecerão
os direitos de negociação dos trabalhadores, e até mesmo seu direito a uma
jornada de oito horas de trabalho. O governo Temer também tentou fazer cortes
na Previdência.
Os conservadores do Brasil estão trabalhando muito para
reverter o progresso dos governos do Partido dos Trabalhadores, e eles estão
determinados a nos impedir de voltar ao cargo no futuro próximo. Seu aliado
nesse esforço é o juiz Sérgio Moro e sua equipe de promotores, que recorreram a
gravações e vazamentos de conversas telefônicas particulares que tive com minha
família e com meu advogado, incluindo um grampo ilegal. Eles criaram um show
para a mídia quando me levaram para depor à força, me acusando de ser o
“mentor” de um vasto esquema de corrupção. Esses detalhes aterradores raramente
são relatados na grande mídia.
Moro tem sido celebrado pela mídia de direita do Brasil.
Ele se tornou intocável. Mas a verdadeira questão não é o Sr. Moro; são aqueles
que o elevaram a esse status de intocável: elites de direita, neoliberais, que
sempre se opuseram à nossa luta por maior justiça social e igualdade no Brasil.
Eu não acredito que a maioria dos brasileiros aprove essa
agenda elitista. É por isso que, embora eu possa estar na cadeia hoje, eu estou
concorrendo à presidência. E por isso que as pesquisas mostram que se as
eleições fossem realizadas hoje, eu venceria. Milhões de brasileiros entendem
que minha prisão não tem nada a ver com corrupção, e eles entendem que eu estou
onde estou apenas por razões políticas.
Eu não me preocupo comigo mesmo. Já estive preso antes,
sob a ditadura militar do Brasil, por nada mais do que defender os direitos dos
trabalhadores. Essa ditadura caiu. As pessoas que estão abusando de seu poder
hoje também cairão.
Eu não peço para estar acima da lei, mas um julgamento
deve ser justo e imparcial. Essas forças de direita me condenaram, me
prenderam, ignoraram a esmagadora evidência de minha inocência e me negaram
Habeas Corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à presidência. Eu peço
respeito pela democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, façam nas
eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege
seus representantes. Então, deixe o povo brasileiro decidir. Eu tenho fé que a
justiça prevalecerá, mas o tempo está correndo contra a democracia.
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