Paulo Freire, 97 anos: o legado do brasileiro que ensinou o mundo a ler a si mesmo
Pensador que alfabetizou milhões
é mais relevante do que nunca diante da intolerância e dos ataques à democracia.
Por Juca Guimarães - Brasil de Fato
O modelo de Paulo Freire, patrono da Educação Brasileira, parte do princípio da humanização do ensino e do reconhecimento da história e da cultura do aluno que, junto com o professor, vai construindo o processo de aprendizagem.
Por Juca Guimarães - Brasil de Fato
19/09/2018
Há 97 anos, em 19 de setembro de 1921, nascia o
educador pernambucano Paulo Freire. Em 2018, também são celebrados os 50
anos do livro Pedagogia do Oprimido, obra que revolucionou o sistema de
ensino de adultos em todo o planeta, criando um modelo pedagógico que até hoje
é inovador - e faz com que Paulo Freire seja o terceiro cientista brasileiro
mais citado em trabalhos acadêmicos da área de humanas no mundo, segundo levantamento
do Google Scholar.
'Pedagogia do Oprimido', de Paulo Freire, é a terceira obra mais citada na área das Ciências Humanas
Foto: acervo do Instituto Paulo Freire
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O modelo de Paulo Freire, patrono da Educação Brasileira, parte do princípio da humanização do ensino e do reconhecimento da história e da cultura do aluno que, junto com o professor, vai construindo o processo de aprendizagem.
"Ele fez com que o processo de alfabetização fosse
um processo de libertação, mais do que aprender a ler e a escrever, as pessoas
aprendem um processo de leitura do mundo", disse o educador agrônomo
Felipe Campelo, da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio
Brunetto, do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no assentamento Jaci Rocha, na
Bahia, onde é aplicado o método pedagógico do Paulo Freire.
As primeiras experiências de Paulo Freire com a educação
popular, aconteceram em Pernambuco, em 1961, quando era diretor do Departamento
de Extensões Culturais da Universidade do Recife. Usando o seu método
pedagógico, que cria uma consciência crítica e organizativa, Paulo Freire e sua
equipe conseguiram alfabetizar 300 cortadores de cana em 45 dias. Décadas
depois, se tornou uma importante ferramenta de organização do MST.
"O MST nesses 34 anos de história, ele assumiu para
si a defesa da educação popular como legado dos trabalhadores na formação política
da classe, tomando-a como instrumento de luta na perspectiva de formação
humana", aponta Rubneuza Leandro de Souza, do setor de educação do
MST.
Em 1964, meses depois de iniciada a implantação do Plano,
o golpe militar extinguiu esse esforço e Freire foi encarcerado como
traidor por 70 dias. Em seguida, passou por um breve exílio na Bolívia e
trabalhou no Chile por cinco anos para o Movimento de Reforma Agrária da
Democracia Cristã e para a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação.
Em 1967, durante o exílio chileno, publicou no Brasil seu
primeiro livro, Educação como Prática da Liberdade, baseado
fundamentalmente na tese Educação e Atualidade Brasileira. A força
desse pensamento continua presente nos dias de hoje, de acordo com Ângela
Biz Antunes, diretora do Instituto Paulo Freire, com sede em São Paulo.
"Diante do cenário que estamos vivendo, seja no
âmbito político, seja no âmbito social e educacional, diante das inúmeras
manifestações de atentado à democracia, às ideias de pessoas progressistas,
incluindo Paulo Freire, à intolerância para o diálogo, decidimos que a melhor
forma de celebrar os 97 anos de Paulo Freire era criando condições para debater
sua obra. Nesse sentido, organizamos publicações, preparamos, junto com outras
instituições parceiras, cursos presenciais sobre Direitos Humanos, incluindo o
debate sobre as contribuições freirianas para a educação em direitos
humanos, cursos online, por meio da EaD Freiriana [metodologia
de formação de pedagogos e introdução à obra de Paulo Freire à distância],
sobre o pensamento de Paulo Freire", pontua Ângela.
‘Escola
Sem Partido’
Recentemente, o legado de Paulo Freire também foi
fundamental para desmontar as tentativas de retrocesso no modelo de ensino.
Entre eles, os diversos projetos ultraconservadores que tentam implementar
a 'Escola Sem Partido', uma espécie de antítese da tomada de consciência de
liberdade e reconhecimento das tendências de autoritarismo, que são frutos da
pedagogia crítica de Paulo Freire.
"Ele parte do pressuposto que o educador e o
educando devem dialogar, construir juntos o processo de conhecimento, a
apropriação da cultura por parte do educando, e essa construção conjunta, feita
de maneira dialógica, tem que partir da realidade do educando. E essa é
uma sabedoria enorme porque se você não parte da realidade do educando, o
aprendizado é externo à vida cotidiana e ele não retém aquilo que está sendo
ensinado", disse Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação.
No ano passado, um movimento liderado por setores
conservadores fez uma tentativa de retirar de Paulo Freire o patronato da
educação. Para barrar a iniciativa, foi criado o coletivo Paulo Freire por uma
Educação Democrática, organizado pela Luiza Erundina, Anita Freire (viúva do
educador) e Daniel Cara.
"A gente conseguiu manter ele como patrono na
esperança que seja cada vez mais implementado", disse Cara. Entre 1989 e
1991, Paulo Freire foi secretário de Educação da Cidade de São Paulo, na gestão
de Luiza Erundina, na época eleita pelo Partido dos Trabalhadores.