A política venezuelana na grande mídia
Por Francisco
Fernandes Ladeira – Observatório da Imprensa
24/02/2019
As imagens de Guaidó e Maduro na imprensa escrita também nos dão indícios das políticas editoriais tendenciosas. Enquanto as fotos de Guaidó apresentam um político sorridente, aguerrido, com o braço erguido como se estivesse em gestual de vitória, pronto para a batalha do “bem contra o mal”; Maduro geralmente é retrato com semblantes sombrios, “derrotado”, como se estivesse perdendo o controle de suas ações e de seu governo (a mídia brasileira tem o pernicioso hábito de transformar o cenário geopolítico em uma espécie de épico).
24/02/2019
Nos últimos dias, a Venezuela tem dominado os noticiários
internacionais da grande mídia brasileira. Em grave crise econômica e política,
este país localizado na porção setentrional da América do Sul conta,
atualmente, com “dois presidentes”: Nicolás Maduro, eleito pela população; e
Juan Guaidó, autodeclarado presidente interino da Venezuela. Em âmbito global,
Maduro conta com o apoio de duas influentes potências: China e Rússia. Guaidó,
por sua vez, é reconhecido como Chefe de Estado venezuelano pelos Estados
Unidos de Trump e pelo Brasil de Bolsonaro, entre outras nações.
Foto: Efecto Eco/Creative Commons |
Com dois governos disputando o poder na Venezuela, era de
se esperar que a grande imprensa brasileira, seguindo os princípios básicos do
bom jornalismo, concedesse espaços equivalentes para os dois lados do
confronto. No entanto, infelizmente, não é o que tem ocorrido. Há um claro
posicionamento dos principais grupos de comunicação em favor do governo interino
autodeclarado de Guaidó.
Este jornalismo absolutamente tendencioso pode ser
facilmente constatado ao analisarmos os conteúdos dos noticiários
internacionais da mídia hegemônica. A própria alcunha de “ditador”, utilizada
pelos principais órgãos de comunicação brasileiros para se referir a Maduro já
se mostra incoerente, pois o presidente venezuelano não usurpou o poder ou
realizou atitude similar, mas, conforme é do conhecimento de todos, ele foi
escolhido pelo voto popular. Evidentemente, que a democracia venezuelana, tal
como todo sistema assim intitulado, possui diversas falhas, mas daí a chamar
Nicolás Maduro de “ditador” já é outra questão. Trata-se, portanto, de um
jornalismo meramente ideológico, não comprometido com o relato minimamente
imparcial dos fatos, feito exclusivamente para tentar induzir o público a
aderir a uma determinada agenda política.
Outro fator controverso presente nas coberturas da grande
mídia brasileira sobre a política venezuelana está relacionado às fontes
utilizadas. A maioria dos materiais que chegam às redações da imprensa
brasileira não são produzidas na própria Venezuela, são despachos das grandes
agências internacionais de notícias, sediadas, “coincidentemente”, nas mesmas
nações que apoiam o governo interino de Guaidó.
Em uma nação polarizada como a Venezuela, não é difícil
inferir que tanto Maduro quanto Guaidó contam com o apoio de determinados
setores da sociedade. No entanto, o que a mídia televisiva mostra é um Guaidó
discursando e sendo saudado por populares (aliás, nem tão “populares” assim,
pois se tratam de membros das classes médias e altas); e, em contrapartida, as
falas de Maduro são apresentadas em seu próprio gabinete, gerando a impressão
de um político isolado, sem apoio popular, o que, evidentemente, não condiz à
realidade. Conforme mostram diversos órgãos da imprensa alternativa, em toda a
Venezuela há inúmeras manifestações populares favoráveis ao governo chavista.
Entretanto, alguém viu, ouviu ou leu algum relato sobre
essas mobilizações na grande mídia brasileira? Eu também não. Diga-se de
passagem, qualquer semelhança entre os seguidores de Guaidó com alguns de
nossos compatriotas que vestiram verde e amarelo pouco mais de dois anos e meio
atrás não é mera coincidência.
As imagens de Guaidó e Maduro na imprensa escrita também nos dão indícios das políticas editoriais tendenciosas. Enquanto as fotos de Guaidó apresentam um político sorridente, aguerrido, com o braço erguido como se estivesse em gestual de vitória, pronto para a batalha do “bem contra o mal”; Maduro geralmente é retrato com semblantes sombrios, “derrotado”, como se estivesse perdendo o controle de suas ações e de seu governo (a mídia brasileira tem o pernicioso hábito de transformar o cenário geopolítico em uma espécie de épico).
Sobre a crise alimentar venezuelana, as narrativas
midiáticas concebem Guaidó como o sujeito que irá libertar a Venezuela para
receber ajuda humanitária internacional, como o “presidente” que, em poucos
dias, fez mais para o seu povo do que Maduro fez em seis anos, mas omitem que
boa parte das venezuelanos hoje passa fome por causa do embargo imposto por
Washington e pelo fato de que os grandes empresários retiram determinadas
mercadorias dos supermercados em boicote ao governo chavista (qualquer
semelhança com empresários tupiniquins, pouco mais de dois anos e meio atrás,
também não é mera coincidência).
Não bastassem as manipulações midiáticas, nos últimos
dias as redes sociais foram tomadas por vários “especialistas em política
venezuelana”, que formulam os seus posicionamentos a partir das simplificações
e maniqueísmos presentes nas principais redes de televisão brasileiras e nos
grandes jornais de circulação nacional, sem ter a real dimensão geopolítica do
que ocorre em nosso vizinho do norte.
A Venezuela é estratégica para o cenário geopolítico
mundial porque tem uma das maiores reservas estimadas de petróleo do planeta.
China, Rússia e Estados Unidos sabem muito bem disso. As grandes potências
globais não estão interessadas sobre as reais condições de vida do povo venezuelano.
Por fim, sempre é bom lembrar que geopolítica é uma temática demasiadamente
complexa, está muito além dos dois minutos dos noticiários internacionais dos
telejornais ou das “lacrações” no Facebook.
Francisco
Fernandes Ladeira é mestre em Geografia professor do IFES
– Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A
influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas
pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.
Artigo
publicado em 29 de janeiro de 2019 no site Observatório
da Imprensa.
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