‘Fui agredida com chicote de fio elétrico pelo meu marido’
Vítima conta que recebeu golpes nas costas por ter
chegado em casa após horário estabelecido por esposo, que é procurado pela
polícia.
Mariana
Ferrari, especial para Ponte Jornalismo
17/02/2019
“Pelo amor de Deus é o caralho, você tem que apanhar sua
filha da puta”, foi assim que, aos gritos, Uelinton Oliveira, de 33 anos, teria
agredido a esposa na madrugada do dia 3 fevereiro deste ano, em Angra dos Reis,
no Rio de Janeiro. Com um chicote caseiro feito com fios elétricos, a mulher,
de 28 anos, afirma que foi espancada pelo marido em um colchonete ao lado do
filho de apenas oito meses. Os dois iriam completar 10 anos de casamento no dia
3 de abril.
Mulher recebeu vários golpes do marido com chicote feito com fiação elétrica.
Foto: arquivo pessoal |
A vítima, que prefere não se identificar, relatou à Ponte que havia tirado o dia de
folga para levar o bebê para visitar a família do esposo. Oliveira, por sua
vez, teria escolhido ficar em casa, porque não se dava muito bem com o pai, e
havia dito que mulher deveria estar em casa até 20h. “Eu liguei para ele
avisando que o pai dele ia fazer um frete [entrega] e pela hora não ia chegar
cedo, só por volta das 22 horas”. A mulher estava acompanhada da irmã e da
comadre do esposo.
O caso tomou repercussão no dia 13 de fevereiro quando a
irmã da vítima compartilhou as agressões no Facebook, que teve mais de 50 mil
compartilhamentos. O texto acompanhava as fotos da mulher com as costas cheia
de marcas e hematomas, parte do boletim de ocorrência e imagens do agressor,
que está foragido. No dia seguinte, o canal do Disque Denúncia divulgou as imagens de Uelinton, após ter sido expedido mandado de prisão contra ele na
DEAM (Delegacia Especial de Apoio à Mulher), no dia 8/2. A ocorrência foi
registrada no 166ª delegacia como ameaça, lesão corporal, injúria e
constrangimento ilegal.
Com a voz embargada, a vítima relembra a agressão. Ela
conta que, ao chegar em casa naquele dia 3, depois de extrapolar o horário combinado,
o homem estava furioso e começou a destrinchar uma séria de frases “insanas”,
de acordo com ela. “Por que você está ligando para a sua mãe? Eu não quero que
você ligue para a sua mãe. Liga para a sua mãe agora e fala para ela não vir
aqui nunca mais”, teria dito o agressor aos gritos. A vítima conta que o
questionou, em um tom um pouco mais alto, o porquê ele estava agindo
daquela maneira e começaram a discutir.
A discussão começou a ganhar um viés ainda mais violento
quando a mulher, por exaustão, passou a listar sua rotina diária e de como
sempre estava à disposição do marido. “Você não tem nada para arrumar briga
comigo”, soltou. Na sequência, ela relata que ele a empurrou dizendo que estava
muito “exaltada” e a trancou dentro do quarto, onde estava o bebê de oito
meses. “Meu filho estava deitado no chão em um colchete e eu sentei ao lado
dele, pensando que ele [marido] fosse dormir”, lembra.
Em seguida, o marido teria retornado ao quarto carregando
um pano, para tentar amarrá-la, e um chicote caseiro, feito com a fiação da
casa que estava em reforma. “Ele fez um chicote bem feito, como se fosse o
chicote de um cavalo, do tamanho de um cassetete”, explica a jovem. Em seguida,
ele teria começado a trancar as janelas e portas da casa. “Vi aquilo e pensei,
ele vai acabar comigo”. “Aí ele me pegou pelo pescoço, como se estivesse me
enforcando por trás, do ladinho do meu bebê e começou a me chicotear muito. A
cada chicotada eu sangrava”, dizia a jovem sem conseguir conter as lágrimas.
Naquele momento a única preocupação da mulher era seu
filho. Aos gritos, em tom de súplica, ela implorava misericórdia ao esposo.
“Pelo amor de Deus não faz isso com o meu filho, não faz isso com a gente. Pelo
amor de Deus você vai me matar”. O homem teria respondido com mais chicotadas e
palavrões: “Pelo amor de Deus é o caralho. Você tem que apanhar mesmo sua filha
da puta. Você tem que me obedecer, quem manda aqui sou eu, você não vai gritar
comigo. Já falei para você que você vai sair daqui em um caixão”.
Depois de toda a violência, a jovem relata que sentia o
corpo pegando fogo de dor e permaneceu trancada. “Passei a noite em claro,
porque eu sabia que eu precisava fazer alguma coisa. Pedi para Deus resolver,
mas também falava que se o Senhor não resolvesse eu iria resolver”, descreve.
No dia seguinte, às seis horas da manhã, Uelinton teria entrado no quarto e, ao
ver a esposa acordada, a destrancou. Enrolada em uma coberta para esconder as
marcas da noite anterior, a vítima disse que levantou e tentou esconder os
hematomas com medo de que o marido a trancasse novamente. Assim que ele saiu
para trabalhar, a jovem conta que entrou em contato com a mãe para que ela a
ajudasse a sair de casa.
Queixa
Assim que entrou no carro arrumado pela mãe, a jovem foi
direto para a delegacia prestar queixa. “Eu quero sumir, mas antes eu vou dar
queixa para as pessoas não acharem que eu sou louca e por conta de uma
briguinha eu sumi com o meu filho”, disse a caminho de fazer o boletim de
ocorrência, no dia seguinte às agressões. Depois de relatar o caso e fazer
exames de corpo de delito, ela pediu para que as imagens fossem compartilhadas
com a família.
A mulher conta que já tinha sido agredida pelo marido
outras vezes. No primeiro ano de casada, ela afirma que fez boletim de
ocorrência na delegacia, mas retirou a queixa por influência de amigos e
familiares. “As pessoas que estavam fora falavam: ‘Poxa, dá mais uma chance. O
rapaz é bacana, você vai estragar o seu casamento’. E eu, como era nova [ela
casou com quase 18 anos] dei uma segunda chance para ele, a pior coisa que eu
fiz”, desabafa.
“Você vai sendo manipulada aos poucos, sendo presa aos
poucos. Quando se vê já não pode mais falar com os amigos, com a sua família.
Você não pode se vestir do jeito que quer. Você não pode mais trabalhar. Ou
então ele vai tirando de você as coisas que você gosta, ‘amigavelmente’.
Dizendo que quer te proteger, quer te resguardar”, prossegue. “Quando eu
voltei, ele me ameaçava dizendo que se eu o abandonasse, ele iria me matar, ir
atrás da minha família”.
A psicóloga Gisele Perosa Paulucci explica que num
relacionamento abusivo, a mulher é vista como um objeto de posse do companheiro
e que há uma escala de violência, que vai desde a proibição de uma roupa, a
manipulação psicológica, chamado de gaslighting, até uma agressão física.
“O cara que quer fazer um relacionamento abusivo quer conquistar a vítima. Ele
vai conquistar com carinho, amor, até o ponto em que tudo o que ele falar ela
vai ter que aceitar para evitar briga ou confusão”, explica.
A jovem, no entanto, decidiu dar visibilidade ao próprio
caso para incentivar outras mulheres a denunciarem casos de agressão. “Quem
está por perto, pode até ser o seu vizinho, vai reconhecer o cara como uma
pessoa ótima. Para eles o cara é só nervoso. Nunca vão pensar que o cara fez
isso, até porque ninguém é 24 horas por dia nervoso. Para a sociedade são
homens ótimos. Eles acham que não estão cometendo um crime”.
De acordo com o último Panorama da Violência Contra as
Mulheres no Brasil, divulgado no ano passado, em 2016, mais de 427 mil mulheres
foram ameaçadas. No caso de lesão corporal dolosa, foram registrados mais de
222,7 mil casos. O Brasil é o quinto no ranking de feminicídio e a cada duas
horas uma mulher morre, pelo simples fato de ter nascido mulher.
Outro
lado
A Ponte tentou
contato com a 166ª Delegacia Policial, localizada no centro de Angra Dos Reis,
onde a vítima prestou queixa e, por telefone, pediram para retornar na
terça-feira, dia 19 de fevereiro, e falar com o delegado Celso que, segundo o
atendente, é quem está cuidando do caso. Também solicitamos posicionamento à
assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio, que não respondeu até
publicação.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de
Uelinton.
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