Golpe de 64: Bolsonaro comete crime de responsabilidade ao defender ditadura
Opinião
é da procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, que diz que a própria
Constituição de 1988 reconhece os fatos de 1964 como um golpe.
Em 26 de junho de 1968, cerca de 100 mil pessoas foram às ruas no Rio de Janeiro pedir a volta da democracia. Foto: Evandro Teixeira |
Por Luciano
Velleda – RBA
31/03/2019
A procuradora regional da República e
presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, não tem dúvida: Bolsonaro comete
crime de responsabilidade e improbidade administrativa ao mandar os quartéis
celebrarem a data de 31 de março, que marca o início da ditadura civil-militar
(1964-1985) e os 55 anos da destituição do então presidente João Goulart.
“A gravidade disso é muito grande, porque não estamos
falando de uma coisa em que há dúvida jurídica sobre a legalidade. A própria
Constituição de 1988 admitiu que 1964 foi um golpe, e se não quiser usar esse
termo pode usar ‘quebra da legalidade’, porque havia um presidente eleito e sem
razões para ele ser derrubado. Uma derrubada que não seguiu nenhum processo, as
forças contrárias simplesmente assumiram o poder”, afirma Eugênia Gonzaga, em
entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.
Em contraposição ao discurso de Bolsonaro, a Comissão
Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e o grupo Tortura Nunca Mais
promovem neste domingo (31) a “1ª Caminhada do Silêncio”, em homenagem às vítimas da ditadura e
também às vítimas da violência cotidiana causada pelo Estado brasileiro. O ato
acontece a partir das 16h, na Praça da Paz, no parque Ibirapuera, e por volta
das 18h segue em caminhada até o Monumento em Homenagem aos Mortos e
Desaparecidos Políticos, localizado próximo ao portão 10 do parque.
Segundo Eugênia Gonzaga, a proposta da caminhada surgiu
com o grupo Tortura Nunca Mais, da Bahia, e já havia sido bem recebida por
parentes de mortos e desaparecidos políticos e militantes em direitos humanos
antes mesmo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) recomendar as Forças
Armadas a comemorarem a data do golpe de 1964. Após as recentes declarações do
presidente, o ato ganhou força.
Essa semana, o comandante do Exército, general Edson Leal
Pujo, disse à imprensa que as Forças Armadas não se arrependem do golpe de
1964. Para Eugênia Gonzaga, os militares até hoje justificam a destituição de
João Goulart em razão de terem supostamente salvado o país do “perigo
comunista”.
“A gente sabe muito bem que esse ‘perigo vermelho’ foi
superestimado”, pondera a presidenta da Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos. Assim como outros países, diz Eugênia, o governo de
João Goulart apenas tentava promover reformas sociais, inclusive previstas na
Constituição em vigor à época, que era a de 1946.
Com a eleição de Bolsonaro – defensor da tese de que o
regime que durante 21 anos matou, perseguiu e desapareceu com seus opositores
não foi uma ditadura –, membros das Forças Armadas da ativa e da reserva têm se
sentido mais à vontade para negar o golpe e suas consequências. Uma narrativa
que, às vezes, procura fazer crer que os problemas do regime começaram apenas
depois do Ato Institucional nº 5 (o AI-5), em dezembro de 1968, que fechou o
Congresso e decretou a censura da imprensa.
Para Eugênia Gonzaga, nem mesmo esse discurso se
sustenta. Como exemplo, a procuradora lembra o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, em
março de 1968, antes da promulgação do AI-5. Com apenas 18 anos, Edson foi
morto com um tiro no peito disparado por um policial militar que invadiu o
Restaurante Central dos Estudantes, conhecido como Calabouço, no Rio de
Janeiro, onde estudantes faziam uma manifestação exigindo melhorias na
estrutura do restaurante.
“A morte do Edson prova que não existe essa história de
que a ditadura recrudesceu apenas depois do AI-5. Ela já adotava uma postura
extremamente violenta em relação a estudantes, a pessoas jovens sem armas, sem
grau de periculosidade diante dos agentes do Estado”, afirma a procuradora.
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