Por que têm tanto medo de Lula livre?
Em
artigo, ex-presidente Lula demonstra preocupação pela situação atual do país e reforça
os argumentos em favor de sua inocência.
Em 7 de abril de 2018, Lula se despede da liberdade e do povo antes de ser levado à prisão. Foto: Paulo Pinto |
Por Luiz
Inácio Lula da Silva – publicado originalmente pela Folha de São Paulo
07/04/2019
Faz um ano que estou preso injustamente, acusado e
condenado por um crime que nunca existiu. Cada dia que passei aqui fez aumentar
minha indignação, mas mantenho a fé num julgamento justo em que a verdade vai
prevalecer. Posso dormir com a consciência tranquila de minha inocência. Duvido
que tenham sono leve os que me condenaram numa farsa judicial.
O que mais me angustia, no entanto, é o que se passa com
o Brasil e o sofrimento do nosso povo. Para me impor um juízo de exceção, romperam os limites da lei e da Constituição, fragilizando a democracia. Os
direitos do povo e da cidadania vêm sendo revogados, enquanto impõem o arrocho
dos salários, a precarização do emprego e a alta do custo de vida. Entregam a
soberania nacional, nossas riquezas, nossas empresas e até o nosso território
para satisfazer interesses estrangeiros.
Hoje está claro que a minha condenação foi parte de um
movimento político a partir da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014.
Derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, a oposição escolheu o caminho
do golpe para voltar ao poder, retomando o vício autoritário das classes dominantes
brasileiras.
O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi
contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha
construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32
milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a
universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.
Aquele modelo era e é intolerável para uma camada
privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses
econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas
estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com
exportadores tradicionais de outros países.
O impeachment veio para trazer de volta o neoliberalismo,
em versão ainda mais radical. Para tanto, sabotaram os esforços do governo
Dilma para enfrentar a crise econômica e corrigir seus próprios erros.
Afundaram o país num colapso fiscal e numa recessão que ainda perdura.
Prometeram que bastava tirar o PT do governo que os problemas do país acabariam.
O povo logo percebeu que havia sido enganado. O
desemprego aumentou, os programas sociais foram esvaziados, escolas e hospitais
perderam verbas. Uma política suicida implantada pela Petrobras tornou o preço
do gás de cozinha proibitivo para os pobres e levou à paralisação dos
caminhoneiros. Querem acabar com a aposentadoria dos idosos e dos trabalhadores
rurais.
Nas caravanas pelo país, vi nos olhos de nossa gente a
esperança e o desejo de retomar aquele modelo que começou a corrigir as
desigualdades e deu oportunidades a quem nunca as teve. Já no início de 2018 as
pesquisas apontavam que eu venceria as eleições em primeiro turno.
Era preciso impedir minha candidatura a qualquer custo. A
Lava Jato, que foi pano de fundo no golpe do impeachment, atropelou prazos e prerrogativas da defesa para me condenar antes das eleições. Haviam grampeado
ilegalmente minhas conversas, os telefones de meus advogados e até a presidenta
da República. Fui alvo de uma condução coercitiva ilegal, verdadeiro sequestro.
Vasculharam minha casa, reviraram meu colchão, tomaram celulares e até tablets
de meus netos.
Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de
bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui
condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por “atos
indeterminados” sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca
foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de
habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como
confirmou recentemente Jair Bolsonaro, o maior beneficiário daquela
perseguição.
Minha candidatura foi proibida contrariando a lei
eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir os meus direitos políticos. E, mesmo assim, nosso candidato
Fernando Haddad teve expressivas votações e só foi derrotado pela indústria de
mentiras de Bolsonaro nas redes sociais, financiada por caixa 2 até com
dinheiro estrangeiro, segundo a imprensa.
Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países
consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro,
confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que
ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma
prova sequer contra mim.
Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o
objetivo que era impedir minha eleição, se não há nada que sustente essa
prisão? Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica
com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que
cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha.
Eles sabem que minha libertação é parte importante da
retomada da democracia no Brasil. Mas são incapazes de conviver com o processo
democrático.
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República
(2003-2010)
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