Um policial pode prender você sem provas. E a Justiça vai acreditar nele
Para
o Judiciário, policiais têm ‘fé pública’: tudo o que dizem é verdade. Em
70% das condenações por tráfico de drogas, a única prova usada é a palavra do
policial.
Por Arthur
Stabile – Ponte Jornalismo
09/04/2019
O músico e estudante de fotografia Johnny Jamaica é
usuário de maconha assumido e orgulhoso: para ele, o consumo da erva é uma
atitude política e estética, parte da sua visão de mundo. Era comum carregar
porções da substância para uso próprio. Em 17 de fevereiro de 2016, uma
abordagem transformou o jovem negro, então com 24 anos, em um traficante. Ao
ser pego com 15 gramas da droga, ele afirma que policiais militares de São
Paulo “plantaram” com ele mais 100 gramas e uma balança. Foi o suficiente para
a Polícia Civil aceitar a ocorrência, o Ministério Público transformá-la em
denúncia e a Justiça o considerar culpado por tráfico de drogas. As únicas
provas: o testemunho dos PMs e a porção de maconha.
O caso vivido pelo músico exemplifica a lógica recorrente
em condenações por tráfico. Na Justiça, as versões contadas por policiais valem
como prova incontestável e, muitas vezes, única, mesmo em situações claramente
inverídicas. Delegados, promotores e juízes se baseiam na noção de que
funcionários públicos têm “fé pública”, ou seja, tudo o que dizem deve, em
princípio, ser considerado verdade.
Juízes se baseiam no artigo 304 do Código de Processo Penal para validar a fala de
policiais como prova sem necessidade de comprovação. O inciso 2 do texto define
que a “falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em
flagrante”. Assim, é comum que um dos policiais militares que atuou na
ocorrência seja o condutor (quem leva o caso à Polícia Civil) e seu parceiro
entre no Boletim de Ocorrência como testemunha. Os policiais costumam alegar
que é difícil encontrar outras testemunhas, além deles próprios, para levar à
delegacia.
“Por ser 1h45 da manhã, as únicas testemunhas eram o
policial que me abordou e o parceiro dele, e acabei condenado por tráfico. Eles
tinham mais de 150 gramas na viatura e colocavam na minha frente dentro do meu
carro”, relembra Johnny. “É o que te falo: o juiz não vai contra a palavra dos
caras, eles são os olhos do juiz. Como iam pegar a testemunha que eles mesmo [o
Estado] empoderaram para ter autoridade e dizer que o que ela está falando é
errado? Mesmo que eu fale que era o contrário, não daria”, completa o músico.
Há situações em que o lugar no qual a pessoa foi pega
interfere na decisão do juiz. É uma favela? As chances desta pessoa ser condenada aumentam: um estudo da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro, com base em 3.745 processos de tráfico de 2014 e
2015, apontou que, em 75% dos casos que somaram os crimes de tráfico e
associação para o tráfico, a justificativa foi o fato de o local da apreensão
ser dominado por facção criminosa.
É em um bairro rico? Às vezes, a pessoa nem sequer fica
presa, sendo enquadrada como usuária. “Um cara de terno numa favela é normal?!
Ou ele foi buscar [droga] para consumo ou ele tá envolvido com o tráfico. Dei
aula na escola de soldados. Os soldados me questionavam: é atitude suspeita um
negro num Audi? Depende do local, das circunstâncias”, justifica um PM
entrevistado no estudo “Prisão provisória e lei de drogas”, sobre flagrantes de tráfico de
drogas feitos em São Paulo, encabeçado pelo NEV (Núcleo de Estudos da
Violência), da USP (Universidade de São Paulo).
Outro trabalho, este feito pela Defensoria
Pública do Rio de Janeiro e pelo Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas), analisou 2.591 sentenças de tráfico proferidas entre agosto de 2014 e
janeiro de 2016 na região metropolitana e na capital fluminense. O resultado
assusta tanto quando a pesquisa do NEV: em 71% dos casos, os processos têm
apenas os policiais que prenderam a pessoa como testemunhas.
Para
a Justiça, policiais sempre falam a verdade
O estudo do NEV, que analisou 667 autos de detenção
por porte de entorpecentes na capital paulista, entre novembro de 2010 e
janeiro de 2011, apontou que, em 74% das prisões por tráfico, a palavra dos PMs
era a única prova apresentada. Segundo o estudo, a maioria das detenções
ocorreu na rua (82%), durante patrulhamento (62%) e envolveram a prisão de
apenas uma pessoa (69%) com até 100 gramas de droga (62%). Quase metade (48%)
dos suspeitos não portava a droga no momento da ação policial e 57% não tinham
antecedentes criminais.
O detalhamento do perfil das ocorrências tem suas
consequências quando chegam na Justiça: 91% das pessoas presas por tráfico
terminam condenadas. Entretanto, o processo de ponta a ponta não é tão simples.
Há uma demora média de até 5 meses entre a prisão e a audiência (55% dos casos
têm espera mínima de 3 meses), mas é praticamente certo que o suspeito aguarde
o julgamento na prisão (88%). Após ser considerado culpado, cumpre pena média
de até 1 ano e 8 meses (37% dos casos estudados).
O conceito de fé pública, a ideia de que os policiais
estão sempre falando a verdade, vem do direito administrativo. Vem daí o
entendimento de que todo servidor público, policiais ou não, não têm motivos
para prejudicar intencionalmente um cidadão com uma mentira. A fala dos agentes
do Estado é apontada como menos viciosa, tendo mais credibilidade que a das
pessoas comuns.
Para Bruno Shimizu, integrante do Ibccrim (Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais) e da Defensoria Pública do Estado de São
Paulo, a suposta “fé pública” dos policiais que os magistrados usam para
condenar jovens negros e pobres por tráfico não tem base legal. “A fé pública é
conceito da doutrina do direito e vem do direito administrativo, não tem lei
que defina nem a coloque no direito criminal. É uma presunção de veracidade
para servidores públicos administrativos, não tem status constitucional”, explica.
“Os juízes falam que o PM tem essa fé, porém ela não está
acima da presunção de inocência. Sem dúvida, é uma violação da Constituição e o
que vale é mais o sentimento punitivista do que a análise racional”, sustenta.
O uso desse conceito é criticado até por um juiz, Luís
Carlos Valois, da Vara de Execução Penal de Manaus (AM). “Fé pública… Não sei
onde tiraram isso. É um direito administrativo sobre documentos, registros.
Usa-se isso para validar e veracidade dos arquivos. Não existe fé pública nisso
[fala dos PMs]. Fosse assim, não precisaria de processo, bastava o policial
dizer e a pessoa já seria condenada no ato. É preciso um processo para validar
a fala porque não se pode ter certeza de que aquilo é verdade”, avalia.
“A palavra do policial é praticamente a única coisa usada
como prova, é muito comum. Qualquer autoridade pode simplesmente te parar na
rua, olhar o que tem no seu bolso, sua carteira, seu carro ou sua casa e fazer
o que quiser. É um absurdo”, explica Valois.
Juiz
Luís Carlos Valois fez estudo sobre abusos em flagrantes de tráfico de drogas. Foto:
reprodução/Facebook
|
Segundo o juiz, o Judiciário, ao dar credibilidade cega
aos PMs, deixa a população à mercê de um poder sem controle. “Corrupção não é
só de colocar a droga e forjar e prender a pessoa, não é só isso. Pode
acontecer de fazerem isso simplesmente para prejudicar por não gostar da
pessoa. Quem vai ter coragem de testemunhar contra um policial? É uma lógica de
não se pode punir e pune errado”, sustenta.
Fé
pública X presunção de inocência
Ao aceitarem o depoimento de PMs, os julgamentos
transformam a versão policial, com sua suposta “fé pública”, em algo mais confiável
do que a fala dos suspeitos, que deveria, pela Constituição, ser garantida pela
presunção de inocência: a ideia de que todos são inocentes até prova em
contrário (que não poderia ser apenas a palavra de outra pessoa, mesmo um
policial).
Na ausência de testemunhas, e contando com juízes que
aceitam como verdade tudo o que dizem, os policiais se vêem livres para forjar
provas, simplesmente colocando drogas ou outros objetos junto às pessoas que
querem prender. Em abril de 2018, por exemplo, a Corregedoria da Polícia
Militar de São Paulo descobriu kits flagrantes nos armários de policiais militares
da 3ª e 4ª Companhia do 16º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar
Metropolitano). Os PMs guardavam itens como armas de brinquedo (também chamado
de simulacro), celulares e porções de drogas, usados como prova incriminatória
em possíveis flagrantes.
Essa ilegalidade é recorrente na corporação, conforme prova expulsão de
outros quatro PMs em abril do mesmo ano por também andarem com kits flagrantes
e realizarem falsos flagrantes.
“Sobre o testemunho do policial, eu acho que não existe
outro jeito. Foram eles que prenderam, foram eles que presenciaram. É uma
dificuldade enorme para o policial conseguir uma testemunha civil, dizem que
todo mundo foge, ninguém quer depor, o policial não tem estrutura para ir
buscar uma testemunha no momento do flagrante. É difícil isso… O ideal seria
que tivesse testemunha civil, mas, na prática, é difícil”, sustenta um juiz
ouvido pelo NEV — as identidades foram ocultadas para obter um resultado mais
próximo da realidade.
Em 48% dos casos, segundo o estudo, a prisão em flagrante
aconteceu sem que a pessoa estivesse em posse da droga. O vínculo é apontado
pelo policial que fez a ação. “E, sem maiores questionamentos, essa é a
história que chega aos Tribunais e em raras ocasiões é colocada em dúvida”, diz
o estudo.
Na história de Johnny, ele conta que o advogado que o
defendeu considerou melhor ele se declarar culpado ao juiz. “Ele disse que era
melhor dizer que a droga e a balança eram minhas, não ir contra os policiais,
senão a juíza ia ficar com raiva de mim e me condenar a oito anos de prisão. As
penas para quem mente são pesadas, tem que acatar e se adequar com o que se
pode fazer”, explica. Sua pena inicial, de 5 anos de prisão, caiu para 1 ano e
oito meses ao ser revista em recurso.
Johnny recebeu liberdade, mas com a condição de cumprir
uma série de recomendações, entre as quais não sair de noite ou ser visto em
locais suspeitos — como bares ou casas noturnas. Na prática, a decisão impediu
o músico de trabalhar em shows, base de seu sustento. “A corda sempre arrebenta
para o lado mais fraco. Eu ganhava uns R$ 2 mil com a música, quando saí tirava
R$ 600, R$ 800 com meus trabalhos de foto. Não tinha emprego, se já está
difícil para quem não tem passagem, imagina para quem tem”, explica.
A situação descrita acima era em junho de 2018, um ano
após Johnny sair do cárcere. Agora, passados dez meses, a vida é outra. “Hoje
eu estou bem, mano. Virei empresário, tenho meu negócio próprio com CNPJ. Sou
chaveiro, um profissional. Não precisei de nada do que me foi passado lá dentro
[prisão]. Estou feliz com minha família e também tenho meu projeto de música, o
Suburbanos Sound. Temos lançado muitas músicas, tem muitas visualizações… Estou
muito bem, queria passar isso”, conta o músico, em conversa por WhatsApp com
a Ponte em 5 de abril de
2019.
“Nada do que aconteceu me abalou, tanto que minha maneira
de mostrar que eles [PMs] estavam errados sobre mim era vindo, trabalhando e
vencendo na vida. Dia 12 de junho completa 2 anos que saí. Estou vencendo”,
continua.
Base
jurídica fundamentada
Diferentemente do restante do Brasil, o Rio de Janeiro
tem uma base jurídica mais sólida para a palavra do policial ser usada como
única prova em condenações. É a súmula70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. “O fato de restringir-se
a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não
desautoriza a condenação”, diz o texto.
O ex-catador de recicláveis Rafael Braga, 31 anos, também negro, é um exemplo de
caso em que se utilizou a súmula 70. Ele carregava dois frascos lacrados de
produto de limpeza, no centro do Rio, em 20 de junho de 2013, e PMs o
enquadraram. Ele foi acusado de portar material explosivo, embora os laudos
apontassem o contrário. Condenado pela Justiça, recebeu pena de 5 anos.
Rafael Braga, único condenado nas manifestações no RJ em 2013. Foto: Luíza Sanção |
Em 2016, Rafael respondia em regime aberto quando foi
preso novamente por PMs, acusado por tráfico de drogas e associação ao tráfico:
as provas eram a palavra dos policiais e porções de droga. Foi condenado
a 11 anos e três meses de prisão. A defesa de Rafael
sustenta que o poder da fala policial para condenar, garantido pela súmula 70,
legitima práticas abusivas.
“O problema é que tem um sistema que se mostra
absolutamente arbitrário, se construiu um modelo em que o poder policial abusa
constantemente da força”, sustenta Lucas Sada, um dos advogados que defendem o
ex-catador. Ele explica que, apesar de apenas o Rio ter este apontamento na lei,
outros estados brasileiros seguem a jurisprudência, mesmo sem base jurídica
fundamentada.
Para ele, há uma contradição básica ao se levar a ferro e
fogo como verdadeiro o relato de um PM que atuou na prisão de um réu. “O
policial que realiza prisão em flagrante está condenado a defender eternamente
a legalidade do flagrante, da captura. Se cria, na verdade, um conflito entre o
direito do policial de não fazer uma autoincriminação e a presunção de
inocência do acusado”, justifica.
Seu entendimento é de que os policiais não deveriam virar
testemunhas a serem ouvidas no processo pois, segundo ele, seus relatos no B.O.
são suficientes. Além disso, explica que é possível que o PM, em caso de
confessar uma mentira, crie provas contra si mesmo ao dizer que houve irregularidade
em uma ação que protagonizou. Assim, seria alvo de processo administrativo pelo
erro cometido.
Sada diz que os juízes aceitam casos absurdos levados por
policiais. “Existe um habeas corpus de uma pessoa acusada de tráfico em que a
polícia teria arrombado um casarão na Lapa que teria uma boca [local para venda
de drogas]. Ele foi preso sob a alegação que tinha no bolso da calça mais de
300 papelotes de crack, mais maconha e haxixe. Eram duas mesas inteiras cheias
de droga e tudo foi encontrado no bolso. São mentiras escandalosas desse tipo”,
conta.
Sem
direito a ser ouvido
“Nada do que falar vai mudar a minha opinião sobre você”.
O educador social Marcelo Dias, 39 anos, negro e gay, ouviu essa frase de um
delegado da Polícia Civil quando levado à delegacia por policiais militares de
São Paulo, em 9 de junho do ano passado, acusado de tráfico de drogas com base
em duas provas: a sacola com o entorpecente e o depoimento dos PMs. Marcelo
ficou 6 meses e 10 dias preso até o direito à dúvida recair a seu favor, como
diz a Constituição.
No caso de Marcelo, os PMs o acusavam de traficar 4,9 kg
de pasta base de cocaína encontrados em uma sacola jogada à frente da ONG que o
educador preside na periferia sul da cidade de São Paulo, em 9 de junho de
2018. Ele explicou que homens jogaram o objeto, mas os PMs não ouviram seu
lado. O delegado, menos ainda. Na audiência de custódia, conta que o juiz
apenas leu o B.O. feito pelos policiais e definiu sua prisão.
“Os PMs viram os dois rapazes dispensando a sacola
próximo da minha ONG, eles viram. E simplesmente ignoraram”, conta. “O delegado
nem quis me ouvir, disse: ‘Nada do que falar vai mudar a minha opinião sobre
você. Amanhã, prepara que vai para audiência’. Ele me orientou a não dar
depoimento, para falar só na audiência porque poderia cair em contradição.
Falei que contra a verdade não tem contradição”, continua o educador, liberado pela justiça em dezembro de 2018.
Líder comunitário, Marcelo passou pela prisão após policiais o ligarem a uma porção de drogas. Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo |
“Na [audiência de] custódia, o juiz não perguntou para
mim o que tinha acontecido, só leu o que estava no B.O. Nem me deu oportunidade
de me defender, contar o que aconteceu. Ficou a minha verdade contra a verdade
deles e os PMs disseram que viram eu recebendo a sacola”, completa. Teve
direito ao contraditório apenas quatro meses depois, em uma audiência de
instrução. Nessa, foi ouvido e outro juiz considerou a possibilidade de a
versão apresentada pelos PMs não ser totalmente verdade. Marcelo recebeu habeas corpus e responde em liberdade.
A
mesma história
Bruno Shimizu explica como é o procedimento rotineiro
adotado por PMs para burlar a lei. “A prisão em flagrante, segundo o Código
Penal, tem que ter um condutor, quem levou a pessoa presa, e outras testemunhas
localizadas no local. Na prática, um dos PMs é o condutor e o outro, seu
parceiro, é colocado como a testemunha. E eles depõe justamente com relatos
iguais, como se tivessem falado a mesma coisa com mesmas palavras”, explica.
Segundo Shimizu, os mais diversos casos de flagrantes são
apresentados em delegacias de forma praticamente igual: casos de abordagens
feitas na rua durante patrulhamento, baseada em “fundada suspeita”, a pessoa
joga algo e os policiais encontram droga no item dispensado. “A grande maioria
de prisão em flagrante por tráfico tem um rito comum, os PMs têm um discurso
pronto, usado em quase todos os flagrantes de droga. Quando se conversa com os
réus, a versão dos policiais é desmentida”, sustenta Bruno.
“No fundo, os processos que temos tratam de um teatro: já
se sabe o que os PMs vão falar, o réu já está preso, se fomenta para mantê-lo
preso, o promotor de justiça finge que acredita na versão dos policiais e vêm
as condenações. Efetivamente, a lei não diz nada, não faz ressalva sobre as
versões dadas por PMs”, finaliza.
O
que fazer
Os especialistas sugerem duas ações prática
para corrigir esse problema: alterações na lei ou, de forma mais radical,
a descriminalização das drogas. “Você coloca como criminalizado um produto que
pode se ter na bolsa e pede para combater aquilo a um agente que faz a ação
como uma guerra. O judiciário vira parceiro da polícia e leva a esse distúrbio
da lei para condenar as pessoas. Não existe outra forma, a única forma de
acabar é descriminalização das drogas”, sustenta o juiz Luis Carlos Valois.
Segundo o juiz, alterar a lei não seria possível, visto
que nenhum lugar do mundo determina que a palavra de um policial é ilegal como
prova. No entanto, há profissionais da área que entendem que, sim, seria
possível uma alteração legal para corrigir essa brecha.
“Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que
determina que, no caso do tráfico de drogas, não sejam suficientes para
condenação os depoimentos dos mesmo PMs que atuaram na prisão. Também pode ser
feito pelos tribunais superiores, como STF e STJ. Com uma súmula vinculante do
STF, por exemplo, seria possível afetar até a súmula 70 do Rio. Exemplo: a lei
diz que, em caso de confissão, tem que ter outra prova, não só na confissão do
suspeito. Há a possibilidade, sim”, defende Bruno Shimizu.
No entanto, o PL 7024/17 do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ)
foi rejeitada na Comissão de Segurança Pública e Combate
ao Crime Organizado em maio de 2018. O projeto previa anular condenações
baseadas somente no testemunho dos PMs.
Há uma terceira possibilidade para evitar injustiças, mas
que demanda mais iniciativa própria dos juízes do que mudanças nas leis. “O
Judiciário brasileiro demanda mudança de mentalidade. O processo nada mais é do
que um procedimento em busca de se chegar o mais próximo do fato passado, a
chamada verdade. Se o direito se julga uma ciência, ele deve extirpar do
processo situações que contaminem a busca por essa realidade passada. Bastaria
uma mudança de mentalidade para que fosse praticado no país, evidenciando que
existem outras formas de alcançá-la”, argumenta Hugo Leonardo, vice-presidente
do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), elencando a necessidade de
os magistrados buscarem outros meios para confirmar um fato além da fala do
policial.
“Como o policial faria caso fosse proibido de testemunhar
para bancar uma prisão por tráfico? Oras, basta chamar um civil que está
passando, conforme a lei atual. Outra forma é a gravação por câmera da
atividade policial. Existem outras formas de se esclarecer um fato e não
precisar da palavra do policial, que é cheia de vícios, pois ele tem ligação
direta com o fato. É uma relação próxima a de parentes testemunhando a fator de
um réu, algo que é proibido por lei”, explica Leonardo.
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