De olho em vaga no Senado em 2022, Dallagnol mirou apoio de evangélicos
Chefe da força-tarefa Lava Jato também fez
lobby com maçons, rotarianos e empresários, segundo chats vazados.
Texto: Alice
Maciel, Amanda Audi, Agência Pública/The Intercept Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil |
Infográficos: Ana Karoline Silano
23/09/2019
Após ter recusado a ideia de se candidatar ao Senado em
2018, sugerida por outros procuradores, e decidido a continuar no Ministério
Público Federal (MPF), o procurador-chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan
Dallagnol, não deixou a política de lado. Pelo contrário: colocou em prática um
plano para “aumentar sua influência” usando “grupos de ação cidadã em igrejas e
viagens”. Membro da Igreja Batista do Bacacheri, em Curitiba, ele recorreu às
igrejas evangélicas, onde tem atuado ao menos desde 2015 na defesa da Operação Lava
Jato. É o que revelam as conversas do Telegram recebidas pelo The Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Agência Pública.
Só de junho a setembro do ano passado – durante o período
da campanha eleitoral que levou Jair Bolsonaro à Presidência com apoio sem precedente das igrejas cristãs –, o procurador participou de pelo menos 18
encontros com evangélicos, entre palestras e reuniões fechadas, média de uma
por semana.
Essa peregrinação foi planejada por ele em janeiro do ano
passado e faz parte do seu projeto pessoal, conforme revelou a reportagem
“Seria facilmente eleito” publicada pelo The Intercept Brasil. Em
reflexão consigo mesmo no Telegram, ele se viu dividido entre três opções: se
candidatar ao Senado, deixar a carreira de procurador sem abraçar a política
partidária ou continuar no cargo.
As agendas foram retiradas das conversas do procurador
Deltan Dallagnol no Telegram com o pastor Marcos Ferreira e no chat Palestras
das Novas Medidas – A Grande Chance. É possível que algum evento tenha sido
cancelado e o assunto não tenha sido tratado nas conversas. Para fazer esse
levantamento, a reportagem também buscou informações nos sites e mídias sociais
das igrejas.
Uma plataforma de apoio político das igrejas
Dallagnol decidiu permanecer como procurador da
República, por enxergar “riscos concretos à causa anticorrupção”, mas cogitou a
ideia de disputar as eleições em 2022: “Tenho apenas 37 anos. A terceira
tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado. Apesar de em 2022
ter renovação de só 1 vaga e de ser Álvaro Dias, se for para ser, será. Posso
traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito
manter essa porta aberta”, escreveu em 29 de janeiro de 2018, numa longa
mensagem enviada para si mesmo pelo Telegram.
O plano de continuar na Procuradoria foi descrito da
seguinte maneira no chat: “Lutar pela renovação enquanto procurador: mantém a
credibilidade, mas perde a intensidade que seria necessária”, avaliou.
“Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar. Para aumentar a
influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã.
Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens. Tem um risco
de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos)
de voto consciente, para me proteger”, escreveu.
Com o álibi de promover a campanha das novas medidas de
combate à corrupção encabeçada pelo movimento Unidos Contra a Corrupção, Deltan
Dallagnol organizou uma agenda intensa de viagens, mesmo depois de considerar o
risco de ser alvo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Afinal, é
compromisso da conduta ética dos procuradores “atuar com imparcialidade no
desempenho das atribuições funcionais, não permitindo que convicções de ordem
político-partidária, religiosa ou ideológica afetem sua isenção”, de acordo com
o Código de Ética e de Conduta do Ministério Público da União.
Ao contrário das dez medidas de combate à corrupção
derrotadas em 2016 na Câmara dos Deputados, as novas medidas anticorrupção não
eram um projeto institucional do MPF, mas do procurador.
No período pré-eleitoral, um dos principais focos de
Dallagnol era dar palestras em igrejas com público grande ou se reunir com
importantes lideranças: “Uma vez aceitando um lugar, precisamos ter uma lista
de entidades com quem conversar e de pessoas que são bons pontos de contato
para ajudar a organizar. Por exemplo, igrejas temos o Juarez da Presbiteriana,
o Dorgival… Para expandirmos a rede de influência em cada viagem”, explicou
Dallagnol no chat “Palestras das Novas Medidas – A Grande Chance”, colocando em
prática a sua intenção de “aumentar a influência”.
Participavam deste chat duas funcionárias do MPF e
Patrícia Fehrmann, membro do Instituto Mude – Chega de Corrupção. Elas eram
responsáveis por administrar a agenda da campanha promovida por Deltan
Dallagnol e trabalhavam para manter os dias do chefe da força-tarefa sempre
cheios de encontros e palestras. Às vezes ele era convidado, às vezes elas
produziam o evento. “Tudo temos que ver tamanho de público e avaliar
conveniência comparando com outros convites pro mesmo local e marcando eventos
e reuniões”, explicou o procurador a elas.
A aproximação de Dallagnol com as igrejas evangélicas
para fins políticos espelha uma tendência nacional, coroada com a indicação de
Augusto Aras para procurador-geral da República por Jair Bolsonaro neste mês.
Aras assinou um compromisso com a associação Nacional de Juristas Evangélicos
(Anajure) comprometendo o MPF com valores “cristãos”, tais como manter a imunidade
tributária a igrejas, defender o programa Escola Sem Partido e ser contra
casamento homossexual e a legalização do aborto. Além de “priorizar o combate à
corrupção”, claro.
Procurado pela reportagem, o procurador, através da
assessoria de imprensa do MPF, “repudiou” o que classificou como “violação da
sua intimidade e exposição de reflexões pessoais lícitas e legítimas”. Sobre
ser candidato em 2022, afirmou que “se o procurador tivesse intenções
políticas, ele poderia ter disputado as eleições de 2018 e, segundo pesquisas
da época, ter sido eleito. A defesa que o procurador faz do combate à corrupção
é coerente com as funções do Ministério Público e é coerente com sua visão
cristã de mundo, não havendo aí qualquer incompatibilidade. Ele compareceu a
diversos ambientes para divulgar a causa anticorrupção e não o fez somente no
ambiente cristão”.
O procurador nega, ainda, que tenha priorizado as igrejas
evangélicas, reconhecendo que se encontrou com “entidades públicas e privadas,
incluindo eventos do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Receita
Federal, do CNMP, de escolas e de universidades públicas e privadas, de clubes
Rotary, de potências da maçonaria, de associações comerciais e industriais e de
entidades de diferentes religiões”.
A campanha de Deltan Dallagnol em 2018
Além dos pastores, principais aliados, Dallagnol se
articulou também com maçons, rotarianos, empresários e representantes de
entidades patronais. As procuradorias das cidades por onde ele passava viravam
praticamente comitês da campanha de 2022.
As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada
nos arquivos originais recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de
português e abreviaturas.
As mensagens do chat “Palestras das Novas Medidas – a
Grande Chance” mostram que ele misturou suas intenções políticas e sua
militância com sua função como servidor público: “[Secretária], tenta uma
agenda com Paulo Zanardi, Diretor do Rotary Internacional, para mim? Ele mora
em Curitiba. Pergunta se ele aceitaria um convite para conhecer a FT e falarmos
do momento atual do esforço brasileiro contra a corrupção”, afirmou em conversa
no Telegram em três de junho de 2018. “Meninas, precisamos fazer um followup
das reuniões passadas. [Secretária], pega o contato de todos aqueles com que já
me reuni nos diferentes locais e vamos fazer um email indicando que o
lançamento das novas medidas e da campanha, pela TI, será nesta terça. Pega
todos os contatos e amanhã entrego um texto de email pra enviarmos”,
acrescentou.
De acordo com o código de Ética e de Conduta do
Ministério Público da União, é vedado aos servidores do órgão “utilizar bens do
patrimônio institucional para atendimento de atividades de interesse”.
Apesar de ter cogitado em sua reflexão consigo mesmo no
Telegram tirar férias para viajar pelo país – “Posso tirar licença e férias e
viajar o país. Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar”, escreveu
–, Deltan Dallagnol rodou o Brasil nos seus dias úteis de trabalho. Os
anfitriões eram responsáveis por bancar os custos das viagens, mas o procurador
usou a estrutura do órgão público (funcionárias e salas) para colocar seu plano
político em prática: “[Secretária], minha sugestão é amanha Vc trabalhar so no
assunto palestras. As viagens de quinta e sexta precisam ser bem preparadas, do
contrário perderemos o potencial. Fala com [Secretária2], que pedi pra Vc fazer
so isso”, escreveu no dia 17 de junho de 2018. A pessoa com quem ele conversa é
funcionária do MPF.
Além de promover encontros com as lideranças para falar
do seu projeto dentro da Procuradoria, ele fez campanha entre servidores do
órgão: “[Assessora de Imprensa], por que não programamos encontro com
servidores (não chame de palestra) sobre a campanha unidos contra a corrupção e
sobre as novas medidas pra primeira semana de junlho? Tá bem livre ainda, salvo
se aparecerem coisas boas aí na agenda”, solicitou. O encontro ocorreu dia 3 de
julho do ano passado.
O pacote das novas medidas anticorrupção, que conta com
70 propostas, foi oficialmente lançado pelo movimento Unidos Contra a
Corrupção, formado por seis entidades sob a liderança da organização
Transparência Internacional e da Fundação Getulio Vargas (FGV). Nos bastidores,
no entanto, Deltan Dallagnol foi um dos articuladores do projeto, conforme
revelam os chats. A campanha surgiu no ano passado com objetivo de trazer o
tema “combate à corrupção” para o debate eleitoral.
Para se proteger de possíveis retaliações e críticas sobre
sua participação nessa campanha, Dallagnol retirou a expressão “as novas
medidas” do título de suas palestras sobre o tema. “Acho que é melhor não
colocar as novas medidas no título. Diferente das 10m originais, estas não são
do MPF”, aconselhou sua assessora. “Isso que pensei tb… ia usar o nome da
campanha, mas aí poderiam dizer que estou tentando me apropriar indevidamente e
tal. a campanha é de uma coalizão de entidades e nem todas sabem do meu papel”,
respondeu Deltan.
O “protagonismo cristão” do procurador
As conversas mostram que o chefe da força-tarefa da Lava
Jato adotou como missão para 2018 influenciar o debate eleitoral com a bandeira
do combate à corrupção, que virou também a bandeira do antipetismo abraçado
pela campanha de Jair Bolsonaro. Ao refletir consigo mesmo, o procurador deixa
claro que o projeto das novas medidas anticorrupção era apenas um pano de fundo
para rodar o país e que ele usaria as igrejas como seu principal palco
político.
Não é de hoje, contudo, que Dallagnol recorre às igrejas
evangélicas para se promover ou defender a Operação Lava Jato. Ele também fez
uma campanha massiva nas igrejas em 2015 e 2016 para colher as assinaturas para
as dez medidas de combate à corrupção. Nesse período, rodou pelo menos 24
igrejas evangélicas. “Você está inaugurando um novo momento do protagonismo
cristão”, avaliou o pastor Marcos Ferreira, membro do Instituto Mude, em
conversa com Dallagnol em 18 de julho de 2016 pelo Telegram.
Ferreira atuava como conselheiro do procurador e era o
principal articulador dos seus encontros com lideranças religiosas. Como membro
do Instituto Mude e pastor, ele também atuou ativamente na campanha das dez
medidas dentro das igrejas:
Dallagnol concordou com o pedido do pastor:
“Autorizadissimo Marcos”, respondeu, no dia seguinte.
Foi Ferreira o responsável por criar a ponte entre
Dallagnol e um dos maiores líderes evangélicos do país, o pastor Silas Malafaia
– a quem viam como um potencial multiplicador do projeto das dez medidas. Em
fevereiro de 2016, Ferreira encaminhou o telefone pessoal do líder da
Assembleia de Deus Vitória em Cristo para o procurador. “Secretaria dele
passou… Ele pediu para vc ligar para ele…”, disse. “Ligando”, respondeu
Dallagnol pouco depois.
Em chats do Telegram sobre a campanha das dez medidas, o
chefe da Lava Jato sinalizava que via Malafaia como um apoio importante por ser
“muito marcante”. Ao mesmo tempo, ponderava que ele “gera rejeição de quem não
gosta dele”.
Em dezembro daquele ano, Silas Malafaia foi alvo de
condução coercitiva e indiciado pela Polícia Federal por suposto envolvimento
em esquema de corrupção na cobrança de royalties de exploração mineral. Na
época, Dallagnol ficou alarmado. Ele procurou pessoas envolvidas na
investigação para saber se poderia continuar se comunicando com o pastor.
Ao procurador do caso, Anselmo Lopes, Dallagnol
demonstrou preocupação com a opinião popular sobre a condução coercitiva e
perguntou sobre “provas de crimes”. “Fiquei preocupado, na Timóteo, com uma
reação contra as coercitivas por causa da reação do Malafaia. Além disso,
embora eu nunca o tenha encontrado pessoalmente, trocamos algumas mensagens
sobre as 10 medidas… respondi algo e não lembro se alguma vez falei por
telefone com ele. Ouço falar coisas “dúbias” sobre ele, mas nada concreto. Se
houver provas de crimes dele, seria muito conveniente que eu continue afastado
completamente. Se for pública a avaliação sobre potenciais crimes dele e puder
dar alguma informação, é útil para eu saber como me movimentar (ou não me
movimentar rs)…”, escreveu dois dias depois da operação.
“Malafaia tem relações estranhas com um advogado que era
central no esquema de desvios. Não se pode condenar antecipadamente, claro, mas
eu teria cautela na relação com ele”, respondeu Lopes.
No dia da operação, batizada de “Timóteo”, em dezembro de
2016, Ferreira enviou a Dallagnol o link de um vídeo em que Malafaia
esbravejava a jornalistas contra os investigadores e a operação. “Assista o
vídeo. Provavelmente ele irá querer vingança”, disse o pastor. “Rapaz… ainda
bem que não tem nada a ver conosco aqui rs”, foi a resposta do procurador. Um
minuto depois, Dallagnol encaminhou o mesmo vídeo para o grupo “Filhos de
Januário 1”, que só continha membros da força-tarefa de Curitiba. “Rapaz, a
condução coercitiva pode ficar na berlinda depois de uns episódios como esse”,
comentou. Nenhum colega respondeu.
Dallagnol discutiu com o pastor Marcos Ferreira o
conteúdo do texto a ser enviado ao Conselho da Igreja Batista do Bacacheri para
agradecer o empenho na campanha das dez medidas de combate à corrupção. A
mensagem deixa ainda mais clara a função das igrejas evangélicas nessa
campanha: “A articulação realizada no meio cristão, especialmente evangélico,
contribuiu para que a mobilização em favor de reformas contra a corrupção se
espalhassem e se fortalecessem. A iniciativa de recolher assinaturas em prol de
mudanças, nascida em pastor dessa Igreja, alcançou diretamente, pelo menos,
dois milhões e meio de pessoas – algo de impacto extraordinário que marcará a
história do Brasil. A aprovação e incentivo do emprego do tempo, por líderes e
especialmente funcionários, conferiu projeção e relevância nacional ao trabalho
da Igreja, particularmente nessa dimensão do amor ao próximo material que é a
busca de justiça social”, escreveu como sugestão de texto a ser avaliada pelo
pastor no dia 13 de janeiro de 2017.
Ele também recrutou os evangélicos para defender a Lava
Jato durante a votação do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado. Dallagnol anunciou em seu
twitter a três dias da votação, que faria jejum para que o Judiciário negasse o
pedido de Lula. Nos bastidores, ele se movimentou para que os pastores fizessem
uma campanha em suas igrejas para pressionar o STF: “É a hora de líderes
convocarem um grande jejum”, escreveu Deltan no chat #Mude
Delta,Fáb,Pat,Had,Mar, formado pelos fundadores do Instituto Mude, dia primeiro
de abril de 2018.
O procurador pediu que os integrantes do grupo, todos
evangélicos, o ajudassem a mobilizar os pastores: “Poderiam encaminhar dizendo
algo como: Deus levanta pessoas e situações em resposta às nossas orações.
Vamos deixá-los sozinhos ou vamos convocar um grande dia de jejum e oração ao
lado deles?”, escreveu. Esta é a hora em que precisamos dos crentes do nosso
lado”, acrescentou.
O PowerPoint para palestra em igrejas
“O Deltan, ele tem sido mais do que um procurador-chefe
da Lava Jato, membro do Ministério Público. Ele tem sido um servo do senhor.
Ele tem usado a vocação que Deus deu para ele para trazer uma mudança em nosso
país”, anunciou ao microfone o pastor Gil em uma terça-feira, 16 de agosto de
2016, reta final do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Dallagnol foi cumprir mais uma agenda da campanha das dez medidas de combate à
corrupção, dessa vez na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, a mesma
da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Seu
anfitrião foi André Valadão, que no ano passado anunciou voto ao então
presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
“Combater a corrupção não é algo abstrato, é pessoal. E
mais, é uma missão cristã, é uma missão de amor ao próximo comissivo”,
profetizou Deltan. Em sua palestra no púlpito, ele destacou que é preciso
construir muros entre a corrupção e a sociedade, fazendo uma analogia da
campanha das dez medidas com o exemplo do profeta Neemias – que, de acordo com
o Antigo Testamento, foi um líder judeu que reconstruiu as muralhas de
Jerusalém. “Neemias volta a Jerusalém, o povo se une e a cidade é reconstruída
com uma mão nos tijolos e uma mão na espada. Nós estamos num momento parecido”,
enfatizou.
A igreja estava lotada quando o procurador começou a
falar, mas foi esvaziando ao longo da palestra. Um vídeo publicado no YouTube
pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) com o título “Igreja vira as
costas para Deltan Dallagnol. Veja a reação do Pastor!” mostra o pastor André
Valadão dando um sermão nos membros da igreja. “Vem um batista, crente, líder
de célula, referência de Deus, 36 anos de idade, pisa nesse altar e você levanta
e vira as costas? Você é um tolo, meu irmão”, falou.
Deltan chegou a receber treinamento para falar no
púlpito, conforme revelou nas mensagens trocadas com o pastor Marcos Ferreira
no Telegram:
Nas igrejas por onde passava, o discurso era igual. Mesmo
sendo uma campanha institucional do MPF, o procurador usava uma linguagem
cristã para falar sobre o projeto das dez medidas de combate à corrupção nas
igrejas.
Dallagnol tinha um PowerPoint só para suas palestras aos
evangélicos e, entre os slides, o de Neemias: o mesmo PowerPoint era usado nas
apresentações do pastor Marcos Ferreira: “Deltan, além do pedido acima preciso
que me envie seu PPT para palestra em igreja”, solicitou o pastor no Telegram.
“Qual o papel da igreja”, “A igreja orou por isso? Se orou,
Deus está respondendo”, são algumas das frases religiosas inseridas no
PowerPoint. “Eu creio que Deus está agindo”, resumia a apresentação.
Prevendo possíveis críticas a seu messianismo, Dallagnol
tentou esconder a sua atuação política dentro das igrejas evangélicas. Os
diálogos no Telegram mostram que ele pedia discrição aos seus anfitriões e
demonstrava certa preocupação quando a sua ligação política com as igrejas
vazava, como ocorreu com sua palestra na Igreja Batista de Marília no dia 22 de
junho de 2018.
Para evitar qualquer publicidade na sua empreitada, a não
participação da imprensa nos eventos religiosos era um dos pré-requisitos para
a presença do procurador: “Igreja importante NÃO ter imprensa”, escreveu Deltan
no chat “Palestras das Novas Medidas – A Grande Chance”.
O papel dos evangélicos na defesa da Lava
Jato
Toda essa campanha de base do procurador Deltan Dallagnol
junto às igrejas para defender a Operação Lava Jato faz parte do fortalecimento
e avanço dos evangélicos sobre a pauta política no Brasil. Conforme mostrou
reportagem da Pública, a Anajure tem atuado junto aos três poderes para
garantir os “valores cristãos”. Ela está entre as entidades que manifestaram
apoio à Operação Lava Jato após o início da publicação da série “Vaza Jato”, do
The Intercept Brasil, que tem revelado mensagens privadas trocadas entre
procuradores da força-tarefa da Lava Jato e outros membros do MPF e da Justiça.
A Anajure “manifesta apoio à Operação Lava-Jato, ciente do alto grau de
competência técnica com os quais os membros do Ministério Público Federal e do
Poder Judiciário têm trabalhado”, diz um trecho da nota.
Dois dias depois da primeira reportagem publicada pelo
The Intercept Brasil, a Igreja Batista da Lagoinha, por onde Deltan passou em
2016 e 2018 para sua campanha anticorrupção, também divulgou um manifesto em
seu site com o título: “Cristão e política: a Lava Jato precisa de você”. O
texto é assinado por Carlos Said Pires, que é líder do Grupo de Ação Política
(GAP) da igreja.
“O apoio do cidadão brasileiro nunca foi tão importante
para que a Lava-Jato não perca força e nem credibilidade. Esse apoio passa
necessariamente por uma leitura crítica das mídias que atacam a operação. Não
seja inocente, muitos são aqueles que desejam o fim do combate à corrupção no
país. Atacar a honra dos principais atores da operação no Brasil é a última
tentativa desesperada daqueles que perderam e estão perdendo espaço no país”,
diz o texto. “Como cristãos, temos o compromisso com a justiça combatendo a
impunidade. Ore e jejue pelo Brasil, pois vivemos tempos conturbados. Não deixe
de se posicionar em sua área de influência, em suas redes sociais, pois não
podemos deixar de forma alguma a corrupção recuperar o espaço que já perdera”,
continuou.
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