Governo Bolsonaro esvazia órgão de políticas para crianças e adolescentes
Conselheiros que tiveram mandatos extintos
afirmam que medida retira infância e juventude das prioridades do país.
Por Mayara
Paixão - Brasil de Fato
05/09/2019
Por meio de decreto presidencial publicado nesta quinta-feira
(5), o governo de Jair Bolsonaro (PSL) exonerou conselheiros e reduziu a
participação social no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda), ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos.
Instituído em 1991 como uma premissa do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), o Conanda apresenta gestão compartilhada entre
governo e sociedade civil.
Sob ataque na gestão de Bolsonaro, Conanda foi criado em 1991. Foto: Rogério Machado/SECS |
Antes, 28 conselheiros titulares compunham o órgão, sendo
que 14 pertenciam ao Poder Executivo e 14 a entidades civis ligadas à promoção
dos direitos à infância e adolescência. Agora, o número de conselheiros cai
para apenas 18, mantendo-se a paridade. Os conselheiros exonerados estavam no
segundo semestre da atual gestão.
O decreto altera também o modelo de eleição dos
representantes da sociedade civil. Antes, os nomes eram deliberados por votação
em assembleia com as entidades participantes. Agora, os membros serão
“selecionados por meio de processo seletivo público”. Apesar de o texto não detalhar
como será a seleção, os conselheiros temem que isso signifique que o governo
escolherá os nomes.
A advogada Thais Dantas é uma entre os 14 conselheiros
titulares da sociedade civil retirados do cargo. No Conanda, sua participação
representava o Instituto Alana, organização que atua na defesa do direito à
infância desde a década de 1990. Ela afirma que o decreto de Bolsonaro é
inconstitucional.
“O decreto é eivado de ilegalidades e
inconstitucionalidades. O primeiro ponto é que ele contraria a norma constitucional
de prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes, inscrita
no Artigo 227 da Constituição, que diz que crianças e adolescentes
devem estar em primeiro lugar no âmbito de políticas, serviços e orçamento
público”, explica. Ela acrescenta que “não tem como garantir isso [a
prioridade] sem um conselho de direitos atuante e com estrutura.”
O Conanda é responsável por atribuições ligadas à
Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e
Adolescentes. Nos quase 30 anos de sua existência, o órgão participou
ativamente da formulação e gestão do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Infantil, de campanhas contra a violência e o abuso sexual, entre outros
programas.
De acordo com Dantas, o decreto assinado por Bolsonaro
também viola o direito das instituições participantes, que foram
democraticamente eleitas no ano passado para compor o Conselho no biênio 2019/2020.
“Há uma violação bastante grave que, sem dúvidas, vai afetar e prejudicar ainda
mais crianças e adolescentes no Brasil”, afirma.
Além de reduzir a composição do Conselho, o decreto n°
10.003 institui assembleias trimestrais, enquanto hoje as reuniões de seus
conselheiros acontecem mensalmente em Brasília (DF).
Competências prejudicadas
De acordo com Antônio Lacerda Souto, que ocupava a
vice-presidência do Conanda na atual gestão, diversas competências serão
prejudicadas com a medida.
Um dos principais temores é com o futuro do Fundo
Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, pelo qual o Conanda é
responsável. O mecanismo financia projetos e instituições de atendimento à
população infantojuvenil em todo o país.
“Com o decreto, o Fundo não será liberado este ano, e vai
ficar comprometido. Tudo isso tem um impacto muito negativo para a situação,
que já não é fácil, de ter a criança e o adolescente como prioridade absoluta”,
critica Lacerda.
Esvaziamento não é de hoje
O Conanda é um dos órgãos de participação social criados
após o período de redemocratização que não foram extintos pelo governo federal no mês de abril. Na época, centenas de conselhos que
fiscalizam políticas públicas foram encerrados.
No entanto, ex-conselheiros alertam que o órgão já vinha
sofrendo desmontes ao longo do ano de 2019. Desde junho, o governo federal
deixou de financiar o deslocamento de conselheiras e conselheiros que residem
em outras regiões do país para participarem das reuniões mensais em Brasília.
Em agosto, quando o último encontro aconteceu, após a
mobilização das entidades para enviar seus representantes mesmo sem a verba
pública, o espaço de discussão estava esvaziado, sem a presença dos membros do
governo. O esvaziamento impossibilitou que algumas das pautas fossem debatidas
por falta do quórum necessário.
Edição: Geisa Marques - Brasil de Fato
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