Lava Jato escondeu gravações para impedir posse de Lula como ministro
Conversas gravadas do ex-presidente contrariam
a hipótese de obstrução de Justiça adotada por Moro e reforçam as relação espúrias
de agentes públicos.
Por RBA, com informações da Folha de São Paulo e The Intercept Brasil
Por RBA, com informações da Folha de São Paulo e The Intercept Brasil
08/09/2019
Reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo neste
domingo (8), com informações obtidas por meio de fonte anônima pelo The Intercept Brasil, mostra que conversas gravadas do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que contrariavam a hipótese de obstrução de Justiça
adotada pelo então juiz Sergio Moro para divulgar os grampos,
permaneceram em sigilo de Justiça.
O procurador Deltan Dallagnol e o ministro da Justiça, Sergio Moro. Fotos: José Cruz/Marcelo Camargo/Agência Brasil |
O magistrado, em 16 de março de 2016, divulgou um áudio
com uma conversa entre a então presidenta da República Dilma Rousseff e Lula,
telefonema que serviu como base à época para decisão do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, de suspender a nomeação de Lula como
ministro-chefe da Casa Civil.
A Lava Jato adotou a narrativa de que o telefonema
mostraria que a posse do ex-presidente tinha como objetivo travar as
investigações sobre ele, transferindo a responsabilidade pelo seu caso de
Curitiba para o STF. A interpretação foi encampada de forma acrítica pela mídia
tradicional.
As conversas no Telegram entre membros da força-tarefa
mostram que outros diálogos desmentiam essa tese, com Lula afirmando que sua
entrada no governo se destinaria a salvar o governo em crise. São diversas
anotações realizadas pela Polícia Federal, entre elas conversas em que Lula
buscava uma reaproximação com Temer e o MDB, acenos recebidos pelo
vice-presidente em dois telefonemas.
Ainda que os registros mostrem os policiais atentos a
todas as conversas do ex-presidente, a conversa entre Dilma e Lula foi a única
anexada pela PF aos autos da investigação antes que Moro determinasse o
levantamento do sigilo do processo.
A força-tarefa soube uma semana antes da oficialização a
respeito do convite feito por Dilma a Lula e em diversas ocasiões o
ex-presidente expressou não estar certo sobre a decisão de assumir o
ministério.
No dia 9 de março, o agente Rodrigo Prado ouviu Lula
confirmar o convite, numa conversa com o ex-ministro Gilberto Carvalho. O áudio
anexado aos autos pela PF mais tarde mostra que o ex-presidente temia que sua
ida para o governo fosse associada a uma tentativa de escapar da Lava Jato.
Após a nomeação, Lula conversou com sua assessora Clara
Ant e, segundo as anotações feitas pelos agentes, ele indicou que estava
desconfortável com a situação após a nomeação. “Diz que acabou de se foder.
LILS diz que ficaram discutindo até meia-noite. LILS tem mais incerteza do que
certeza. LILS diz que não tem como escapar ‘dela'”, resumiu o agente que estava
na escuta, identificando o ex-presidente pelas iniciais de seu nome completo.
Conluio
As mensagens também evidenciam outro comportamento
irregular mostrado em outras mensagens: o assunto teria sido discutido entre
integrantes do Ministério Público e o juiz Sergio Moro, que pediu relatórios
com transcrições dos diálogos considerados mais relevantes. Em 15 de março, na
véspera da nomeação de Lula, a polícia anexou aos autos da investigação três
relatórios e 44 arquivos de áudio.
Membros da força-tarefa se preocupavam com a decisão de
Moro de levantar o sigilo e divulgar os áudios. “Estou preocupado com moro! Com
a fundamentação da decisão”, afirmou o procurador Orlando Martello no Telegram.
“Vai sobrar representação para ele.”
“Vai sim”, respondeu o procurador Carlos Fernando de
Souza. “E contra nós. Sabíamos disso.” Já Laura Tessler acreditava em um efeito
extra-jurídico, o apoio da opinião pública: “a população está do nosso
lado…qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles”. Carlos
Fernando recomendou: “Coragem… Rsrsrs”.
Depois de compartilhar com o grupo vídeos de uma
manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, Martello propôs que todos os
integrantes da operação renunciassem aos cargos se algo acontecesse com Moro e
Laura sugeriu que a melhor resposta nesse caso seria mover uma ação contra Lula
e pedir sua prisão.
Andrey Borges de Mendonça achava difícil defender a
divulgação da conversa de Dilma por causa do horário em que foi realizada, mas
a maioria discordou. “O moro recebeu relatório complementar e o incorporou”,
disse Carlos Fernando. “Nesta altura, filigranas não vão convencer ninguém.”
Deltan entrou tarde na discussão e se alinhou com Carlos
Fernando. “Andrey No mundo jurídico concordo com Vc, é relevante”, disse. “Mas
a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político.”
Mendonça disse concordar com Dallagnol, mas advertiu.
“Isso tera q ser enfrentado muito em breve no mundo juridico”, escreveu. “O
estrago porem esta feito. E mto bem feito”. Era tarde, e os outros integrantes
do grupo não se manifestaram mais sobre o assunto.
Cinco dias depois, o ministro Teori Zavascki, relator da
Lava Jato no STF, suspendeu as decisões de Moro, afirmando que o sigilo havia
sido levantado “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”. Mas isso não
invalidou a decisão do ministro Gilmar Mendes anulando a posse de Lula.
Em nota, os advogados de Lula disseram que a reportagem
divulgada neste domingo auxilia a reconstrução da verdade histórica e expõe as
grosseiras ilegalidades praticadas pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos
procuradores da Lava Jato contra o ex-presidente Lula, contra os seus
advogados, e também contra o Supremo Tribunal Federal.
Confira aqui a série de reportagens da Vaza Jato no site do The Intercept Brasil.
Nenhum comentário