Lava Jato usou provas ilícitas para pressionar futuros delatores
Numa
das mensagens, Dallagnol deixa claro que fazia coisa errada: "Caros,
sigilo total, mesmo internamente. Nem imprensa nem ninguém externo deve
saber".
Por RBA
Por RBA
27/09/2019
Nova
reportagem da série Vaza Jato, publicada pelo portal UOL a partir de
documentos recebidos anonimamente pelo The Intercept Brasil, mostram
que, entre 2015 e 2017, a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba
utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco
para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados
prioritários – executivos de empreiteiras que cumpriam prisão preventiva,
muitos deles vieram a se tornar delatores.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil |
Mesmo
alertados sobre a violação das regras, os procuradores da força-tarefa tiveram
acesso a provas ilegais sobre vários dos mais importantes delatores da operação
—como os então diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque, o
então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além de executivos da
Odebrecht, entre eles o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht.
Informações
obtidas por fora do canal oficial estabelecido em acordos de cooperação
internacional de investigação constituem provas ilegais, podendo levar à
anulação de processos. Entre as práticas ilegais identificadas, está o acesso
clandestino da Lava Jato, a partir de procuradores suíços, ao sistema Drousys,
usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para controlar
pagamentos de propina a autoridades e políticos. Mensagens revelam que os
procuradores tiveram acesso à contabilidade paralela quase um ano antes de a
Lava Jato estar apta para usar formalmente os dados entregues pela Odebrecht.
Fontes
ligadas à empresa, que tiveram suas identidades preservadas, relataram que a
convicção de que os investigadores “escondiam cartas nas mangas” foi essencial
para que parte dos 78 delatores da empreiteira decidissem firmar acordos de
colaboração premiada.
A
troca de mensagens entre procuradores ainda indica que Deltan Dallagnol, chefe
da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, fez uso de prova ilícita, obtida
junto a autoridades de Mônaco, no pedido de prisão de Renato Duque em março de
2015. Em novembro de 2014, primeira vez que integrantes da força-tarefa se
reuniram com suíços, Dallagnol trouxe sem registro oficial um pen drive com
informações bancárias de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras e um dos primeiros delatores importantes da operação.
Esses
registros, corroborados pela delação de Costa, incluíam elementos essenciais
para que a Lava Jato abrisse uma linha de investigação sobre a Odebrecht: a
empreiteira pagou a ele US$ 23 milhões em propina através de contas de duas
empresas offshore.
Mensagens
privadas revelam que, meses depois, a Lava Jato pediu a um órgão do Ministério
Público Federal (MPF) alteração de documento para atribuir a remessa do pendrive a
canal oficial com a Suíça, simulando que as informações tiveram origem legal.
O
uso de informações ilícitas chegou até mesmo a ser cogitado para pressionar o
então presidente da Transpetro a fechar delação premiada. A proposta, que foi
descartada, foi feita por Paulo Roberto Galvão, da Lava Jato em Curitiba. “Se é
pressão que o SM está precisando, nós temos conhecimento da conta do filho dele
na Suíça”, disse em 13 de abril de 2016, no chat “Conexão BSB -CWB”, ao
promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes que negociava a delação de Machado.
“É
uma informação que não podemos usar de forma alguma, pois nos foi passada para
inteligência pelos suíços. Mas acho que se for necessário vc pode dar a
entender que Curitiba já tem conhecimento “de contas no exterior””, detalhou
Galvão.
Em
10 de março de 2015, Dallagnol é alertado por Vladimir Aras —que comandava a
Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) do MPF— sobre o risco de cometer
violações ao usar informações passadas por autoridades de Mônaco à revelia do
DRCI.
No
diálogo, Dallagnol expõe o ponto central do que seria a “lavanderia de provas”
que havia criado: usaria as remessas informais para sustentar o ritmo frenético
de operações do começo da Lava Jato e, caso houvesse contestações ao rito,
obteria as mesmas informações pelo canal oficial para legalizar as evidências.
No
mesmo ano, entre 1º e 4 de dezembro, mensagens em chats privados ainda revelam
que procuradores da Lava Jato tiveram reunião secreta em Curitiba com
investigadores suíços. “Caros, sigilo total, mesmo internamente. Não comentem
nem aqui dentro: Suíços vêm para cá semana que vem. Estarão entre 1 e 4 de
dezembro, reunindo-se conosco, no prédio da frente. Nem imprensa nem ninguém
externo deve saber. Orlando estará com eles todo tempo, assim como eu (que
estarei fora na quarta). Vejam o que precisam da Suíça e fiquem à vontade para
irem a qq tempo, ficarem nas reuniões todo o tempo que quiserem”
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