Demora na Justiça fez prescrever ação que investigava Edir Macedo por lavagem de dinheiro
Além
do bispo da Universal, ação do MPF investigava outras três pessoas; processo
estava pronto para ter uma sentença desde 2018, o que não aconteceu.
Após oito anos em tramitação na Justiça, uma ação que investigava por lavagem de dinheiro o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), prescreveu, sem uma sentença para o caso.
Edir Macedo também foi acusado de formação de quadrilha e envio ilegal de remessa de dinheiro ao exterior. Foto: Alan Santos/Presidência da República |
Após oito anos em tramitação na Justiça, uma ação que investigava por lavagem de dinheiro o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), prescreveu, sem uma sentença para o caso.
A
ação penal era uma das principais investigações que envolvem o bispo e a IURD
em crimes financeiros. A acusação de lavagem de dinheiro aguardava, desde julho
do ano passado, a sentença da juíza Silvia Maria Rocha, titular da 2ª Vara
Criminal da Justiça Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros.
O
líder religioso e outros três integrantes da igreja também foram denunciados,
no mesmo processo, por outros dois crimes: enviar remessas de dinheiro de forma
ilegal ao exterior e por formação de quadrilha — mas também essas acusações
foram consideradas prescritas, nestes casos, em fevereiro do ano passado.
Segundo
o Código Penal, o prazo de prescrição para o crime de lavagem de dinheiro é de
16 anos mas cai pela metade quando envolve réus com mais de 70 anos — caso do
líder da Universal que completou 74 anos em fevereiro, o que fez a ação penal
extrapolar há um mês o prazo de oito anos para eventuais punições a Macedo.
A
juíza de primeira instância, Silvia Rocha considera que o curso do processo
teve “problemas graves” desde o início e que as acusações, principalmente
contra Edir Macedo, chegaram à Justiça substancialmente desidratadas e
desfiguradas. “Por uma série de razões jurídicas que não me cabe, e que estou
impedida de discutir no momento, a acusação perdeu o ‘grosso’ da importância”,
disse a magistrada em nota.
Ao
chegar na Justiça Federal de São Paulo, o caso foi encaminhado à 6ª Vara
Criminal, que estava sob responsabilidade do juiz de primeira instância Marcelo
Costenaro Cavali. Na época, o magistrado rejeitou duas das cinco acusações que
o MPF encaminhou à Justiça: a de estelionato e a de falsidade ideológica. Foram
aceitos, como citado no início da reportagem, as acusações pelos crimes de
lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Procurado
pela reportagem, Cavali pontuou que não tem mais acesso aos processos, cujos
documentos são sigilosos. “Não atuei mais no referido processo desde 2011, de
modo que me é impossível comentar as razões da demora processual que levaram à
prescrição.”
Morosidade
Mesmo
com os réus e testemunhas ouvidos, o caso permanece inconcluso, seja para absolvição
ou condenação. Ao comentar a morosidade da Justiça em levar adiante o processo,
a juíza Silvia Rocha, a quem cabe a responsabilidade de pronunciar a sentença,
também atribuiu a lentidão ao fato que a 2ª Vara Criminal opera, hoje, com
apenas um juiz para exercer todas as funções, que normalmente seriam de dois
juízes.
“Observo,
ainda, que há uma ordem estabelecida para sentenciar os processos, elaborada de
acordo com o critério do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], conjuntamente com
as possibilidades da vara.”
Rocha
lembra ainda que o Ministério Público Federal (MPF), em suas alegações finais,
pediu a absolvição de Edir Macedo pelo crime de lavagem de dinheiro. O
argumento do MPF para o pedido de absolvição do líder da Igreja Universal se
relaciona com a rejeição de Cavali, juiz de primeira instância, ao crime de
estelionato.
Como
as doações não foram consideradas coerções por se dar contexto religioso, não
haveria origem “suja” na arrecadação da igreja — ou seja, não teria como ser
“lavado”, já que a lavagem de dinheiro prevê, por definição, um crime anterior.
O procurador Sílvio Luís Martins de Oliveira alegou ainda que não havia provas
suficientes da evasão como antecedente da lavagem.
“Assim
sendo, prescrição, ou absolvição pura e simples, qual a diferença para o
combativo órgão ministerial?”, questionou a juíza.
Mesmo
com as alegações finais favoráveis aos réus, Rocha, em uma eventual sentença
ocorrida antes da prescrição, poderia ter discordado do pedido do Ministério
Público Federal para condenar Edir Macedo e a cúpula da Igreja Universal.
Histórico
da denúncia
“Eu
vou entrar nessa fogueira santa. Você vai fazer o cheque aí agora. Ou vai pegar
o que você tem aí agora. Seja um milhão, quinhentos mil, cem mil, cinquenta
mil, 30, 20, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 até 430. Ou pegar todo o salário que
você recebeu hoje, todo o salário. E vai subir nesse altar, vai passar por esse
fogo. Que você quer ver a glória de Deus na sua vida. Vem aqui e pega teu
envelope.”
É
com esse trecho da pregação de pastores da Universal que o Ministério Público
Federal começa a descrever minuciosamente um esquema de lavagem de dinheiro e
de evasão de divisas que teria operado entre 1998 e 2005 pela cúpula da Igreja
Universal.
Além
de Edir Macedo, foram denunciados o ex-deputado federal e hoje vereador de São
Bernardo do Campo, João Batista Ramos da Silva (Republicanos); o bispo Paulo
Roberto Gomes da Conceição; e a então diretora financeira da Igreja Universal,
Alba Maria Silva da Costa.
Segundo
a denúncia do órgão, feita pelo procurador da República Silvio Luís Martins de
Oliveira em setembro de 2011, as receitas bilionárias da instituição religiosa
teriam origem no estelionato de fiéis. “Os pregadores valem-se da fé, do
desespero ou da ambição dos fiéis para lhes venderem a ideia de que Deus e
Jesus Cristo apenas olham pelos que contribuem financeiramente com a Igreja e
que a contrapartida de prosperidade espiritual ou econômica”, diz o texto.
Por
causa da imunidade tributária cedida aos templos religiosos no país, o
patrimônio dessas organizações só pode ser aplicado em fins religiosos. Mas o
documento do MPF expõe uma rede de empresas, offshores e instituições
financeiras, todas com integrantes da IURD em suas diretorias, que foram
utilizadas para desviar as doações dos fiéis ao exterior e reinvestir no
Brasil, principalmente em empresas de telecomunicação.
Em
quatro anos, a IURD declarou arrecadação de mais R$ 5 bilhões à Receita
Federal, entre 2003 e 2006. Mas, segundo a denúncia do MPF, o valor seria
apenas 10% do total de receitas da organização no período — já que a
instituição aplicaria “uma política dizimista” às declarações, de acordo
ex-diretor da IURD no início da década de 1980, Waldir Abrão, que morreu em
seis dias depois, “em circunstâncias suspeitas”, segundo a denúncia.
O
testemunho de Abrão foi utilizado na denúncia do MPF, que também afirma que a
cúpula da igreja Universal teria desviado e enviado ilegalmente para os Estados
Unidos por meio de uma casa de câmbio paulista, a Diskline Câmbio Turismo. Este
caso, por sua vez, foi revelado por causa da delação dos doleiros responsáveis
pelas transações, que depositavam o dinheiro em dólares em contas indicadas
pela igreja no exterior.
Depois
de enviado ilegalmente aos Estados Unidos, o dinheiro regressava ao país por
meio de empréstimos às próprias instituições da igreja. Ainda de acordo com a
denúncia, os valores foram remetidos para paraísos fiscais por meio de duas
empresas offshores, a Investholding Limited e a Cableinvest
Limited. As empresas eram localizadas, respectivamente, nas Ilhas Cayman e
em Jersey, no Canal da Mancha.
As
empresas offshores se tornaram acionistas de duas empresas de fachada,
segundo a denúncia do MPF, ligadas à Igreja Universal: a Cremo Empreendimentos
e Unimetro Empreendimentos. Entre junho e dezembro de 1997, por exemplo, a
Unimetro teria recebido, da Cableinvest, US$7,9 milhões, que foram
declarados como investimentos diretos em subsidiária brasileira.
Ainda
segundo a denúncia, por meio das empresas, os diretores da Igreja Universal
aplicavam o dinheiro em empresas de seu interesse particular. O vereador João
Batista e a diretora financeira Alba, por exemplo, teriam comprado um jato
executivo através da Cremo. Vinte dias depois, teriam revendido a aeronave à
Rádio Record.
Outro
lado
Em
resposta à Pública, a IURD afirmou que as acusações são “completamente
equivocadas, além de praticamente idênticas a outras que deram origem a
processos e inquéritos já julgados e arquivados”. “Todas as ofertas recebidas
pela Igreja Universal do Reino de Deus são voluntárias e atendem aos preceitos
bíblicos, além de serem registradas conforme determina a lei”, diz a nota da
assessoria de imprensa do grupo.
“Embora
perseguido e investigado durante muito tempo por autoridades judiciárias, de
forma reiterada, a própria Justiça tem reconhecido a inocência do Bispo Edir
Macedo. A Universal tem convicção de que esse processo terá igual destino”,
finalizou.
Já
o vereador João Batista afirma ter sido inserido na denúncia sem que houvesse
prova de sua participação em qualquer ilícito penal, “tão somente em razão de
posição de destaque por mim ocupada na Igreja Universal do Reino de Deus à
época dos fatos.”
“O
próprio Ministério Público Federal, responsável pelo oferecimento da denúncia
em questão, pugnou por minha absolvição – permitindo que se conclua que, de
fato, se estava diante de acusação infundada.”
O
atual prefeito do Rio de Janeiro (RJ), Marcelo Crivella (PRB), sobrinho de Edir
Macedo, também é citado na denúncia como um dos acionistas da Investholding
e da Cableinvest. O processo contra o prefeito foi encaminhado ao
Supremo Tribunal Federal (STF) porque Crivella, que na época das denúncias era
senador, tinha foro privilegiado.
Em
nota enviada à Pública, a assessoria do prefeito carioca informou que o
processo foi arquivado por requerimento da Procuradoria-Geral da República
(PGR), que entendeu que “os documentos apresentados pelos investigadores eram
frágeis” e que os depoimentos tomados negaram qualquer participação do
prefeito. “Além disso, a própria PGM reconheceu que o crime, mesmo se tivesse
acontecido (mas não aconteceu, destaque-se) já estaria prescrito”, diz o texto
da assessoria.
No
curso das investigações, a empresa Cremo foi incorporada pela Unimetro — que,
por sua vez, alterou o nome da empresa para Gruppar Empreendimentos. Mesmo com
a nova roupagem, a empresa permanece ativa e sediada no mesmo endereço onde a
Unimetro e Cremo funcionavam, no bairro da Bela Vista, em São Paulo (SP).
Hoje,
quase a totalidade da participação societária da empresa, que tem capital de R$
51,3 milhões, é do Instituto Bem Maior, antes denominado Universal do Reino de
Deus.
Essa
reportagem foi publicada originalmente no dia 19 de outubro de 2019 no site da Agência Pública. Ela é resultado de uma parceira transnacional liderada pelo Centro
Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP) e do Columbia Journalism
Investigations da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia.
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