Ex-delegado e hoje pastor vira réu por mortes na ditadura militar
Cláudio
Guerra admitiu, em depoimento, ter matado militantes políticos e incinerado
corpos durante os anos de repressão.
O MPF foi notificado na última terça-feira (22) sobre a decisão da juíza Flávia Rocha Garcia, da 2ª Vara Federal de Campos. “Isso (decisão da Justiça) é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal”, afirmou o procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia.
Por Crítica21 com
informações da RBA e Folha de São Paulo
25/10/2019
A
Justiça Federal acatou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o
ex-delegado Cláudio Guerra por ocultação e destruição de 12 cadáveres durante a
ditadura militar. Hoje pastor da Assembleia de Deus, Guerra admitiu em
depoimento ter incinerado corpos de militantes políticos, entre 1974 e 1975, em
fornos de uma usina em Campos, região Norte Fluminense. À época, ele integrava
o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão da
ditadura.
Guerra já havia confessado os crimes em documentário, livro e na Comissão Nacional da Verdade. Foto: reprodução/doc. Pastor Cláudio |
O MPF foi notificado na última terça-feira (22) sobre a decisão da juíza Flávia Rocha Garcia, da 2ª Vara Federal de Campos. “Isso (decisão da Justiça) é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal”, afirmou o procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia.
Além
da condenação, o MPF pede cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento
que ele receba como agente público. Segundo o Ministério Público, o depoimento
de Guerra revelou a preocupação dos órgãos de informação da ditadura “de que os
corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem descobertos,
movimentando a imprensa nacional e internacional”.
Conforme
a acusação, o ex-delegado narrou que uma das estratégias dos criminosos para “sumir
com os corpos” era “arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso,
a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse”.
Em sua confissão, o pastor revela outra forma de eliminar os
corpos. Diz que foi ele mesmo que sugeriu o uso de fornos de uma usina – “para
não deixar rastros”. Guerra lembrou que já usava o local para “desovar” corpos
de criminosos comuns no Espírito Santo.
A
revelação sobre os crimes surgiu em 2012, durante o lançamento do livro “Memórias de uma Guerra Suja”, a partir de depoimento do ex-delegado a Marcello Neto e Rogério
Medeiros. O pastor revelou os crimes em outras ocasiões, como na Comissão Nacional da Verdade e no documentário Pastor Cláudio.
'Casa da Morte'
Entre suas tarefas, o ex-delegado recolhia os corpos na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e também no DOI-Codi do Rio de Janeiro. No total, 12 corpos teriam sido levados para serem incinerados, entre eles o de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira - pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.
Entre suas tarefas, o ex-delegado recolhia os corpos na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e também no DOI-Codi do Rio de Janeiro. No total, 12 corpos teriam sido levados para serem incinerados, entre eles o de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira - pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.
Felipe
foi provocado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho: “um dia, se o presidente
da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto
pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”.
Anistia
Com
base na Lei da Anistia, o ex-delegado não havia sido punido pelos crimes. No entanto,
em sua decisão, a juíza Flávia Rocha Garcia afirmou que a legislação promulgada
em 1979 é anterior à Constituição Federal, de 1988, e “está em flagrante
dissonância com tratados e convenções de Direitos Humanos que o Brasil se submeteu”.
A
magistrada se alinhou à visão do Ministério Público, segundo a qual o Brasil “deixa
de proteger os direitos humanos da forma que deveria” ao editar a Lei de
Anistia e deixar de julgar crimes desse tipo.
‘Ordens
superiores’
À Folha de São Paulo, o pastor Cláudio – agora réu na Justiça – afirmou que a Lei
da Anistia “descriminaliza os atos para os dois lados” e que, à época, era um “soldado
cumprindo ordens superiores”.
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