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Ex-delegado e hoje pastor vira réu por mortes na ditadura militar

Cláudio Guerra admitiu, em depoimento, ter matado militantes políticos e incinerado corpos durante os anos de repressão.

Por Crítica21 com informações da RBA e Folha de São Paulo
25/10/2019

A Justiça Federal acatou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-delegado Cláudio Guerra por ocultação e destruição de 12 cadáveres durante a ditadura militar. Hoje pastor da Assembleia de Deus, Guerra admitiu em depoimento ter incinerado corpos de militantes políticos, entre 1974 e 1975, em fornos de uma usina em Campos, região Norte Fluminense. À época, ele integrava o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão da ditadura.

Guerra já havia confessado os crimes em documentário, livro e na Comissão Nacional da Verdade. 
Foto: reprodução/doc. Pastor Cláudio 

O MPF foi notificado na última terça-feira (22) sobre a decisão da juíza Flávia Rocha Garcia, da 2ª Vara Federal de Campos. “Isso (decisão da Justiça) é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal”, afirmou o procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia.

Além da condenação, o MPF pede cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento que ele receba como agente público. Segundo o Ministério Público, o depoimento de Guerra revelou a preocupação dos órgãos de informação da ditadura “de que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem descobertos, movimentando a imprensa nacional e internacional”.


Conforme a acusação, o ex-delegado narrou que uma das estratégias dos criminosos para “sumir com os corpos” era “arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse”.

Em sua confissão, o pastor revela outra forma de eliminar os corpos. Diz que foi ele mesmo que sugeriu o uso de fornos de uma usina – “para não deixar rastros”. Guerra lembrou que já usava o local para “desovar” corpos de criminosos comuns no Espírito Santo.

A revelação sobre os crimes surgiu em 2012, durante o lançamento do livro “Memórias de uma Guerra Suja”, a partir de depoimento do ex-delegado a Marcello Neto e Rogério Medeiros. O pastor revelou os crimes em outras ocasiões, como na Comissão Nacional da Verdade e no documentário Pastor Cláudio.  

'Casa da Morte'
Entre suas tarefas, o ex-delegado recolhia os corpos na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e também no DOI-Codi do Rio de Janeiro. No total, 12 corpos teriam sido levados para serem incinerados, entre eles o de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira - pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.

Felipe foi provocado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho: “um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”.  

Anistia
Com base na Lei da Anistia, o ex-delegado não havia sido punido pelos crimes. No entanto, em sua decisão, a juíza Flávia Rocha Garcia afirmou que a legislação promulgada em 1979 é anterior à Constituição Federal, de 1988, e “está em flagrante dissonância com tratados e convenções de Direitos Humanos que o Brasil se submeteu”.

A magistrada se alinhou à visão do Ministério Público, segundo a qual o Brasil “deixa de proteger os direitos humanos da forma que deveria” ao editar a Lei de Anistia e deixar de julgar crimes desse tipo.

‘Ordens superiores’
À Folha de São Paulo, o pastor Cláudio – agora réu na Justiça – afirmou que a Lei da Anistia “descriminaliza os atos para os dois lados” e que, à época, era um “soldado cumprindo ordens superiores”. 

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