Trump quer mudar os direitos humanos: o que isso significa
Com apoio do Brasil, EUA querem redefinir os
direitos humanos; para Conectas, proposta pode vir a ameaçar minorias, como
grupos LGBT+.
Por Maria
Teresa Cruz – Ponte Jornalismo
19/02/2020
Uma articulação iniciada em meados do ano passado
envolvendo o Brasil, a Hungria e encabeçada pelos Estados Unidos parece ganhar
corpo e pretende, agora, apresentar uma redefinição dos direitos humanos no
mundo.
A notícia, divulgada na coluna do jornalista Jamil Chade, do UOL, é vista com muita
preocupação pela ONG Conectas, que acompanha as movimentações dessa articulação
desde o seu surgimento.
Foto: Alan Santos/PR/Fotos Públicas |
Para Camila Asano, coordenadora de programas da entidade,
essa redefinição irá atacar diretamente a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948. “É muito preocupante a informação de que os Estados Unidos
estejam fazendo essa discussão de forma unilateral e mais preocupante que o
Brasil esteja participando desse processo”, afirma.
“Se você faz uma reformulação, você pode minar uma base
mínima de grupos que tradicionalmente são excluídos ou discriminados”,
continua.
Camila se refere ao direito à liberdade sexual e
reprodutiva, e o debate de gênero, que impacta a população LGBT+ e as mulheres.
Os temas ganharam contornos fortes com a ministra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, Damares Silva, que, desde que tomou posse, reforça o discurso
da “tradição e família”, que dialoga com a articulação comandada pelo governo
de Donald Trump.
“A gente já viu a diplomacia brasileira retirar o
conceito de gênero [em junho de 2019, o Itamaraty orientou diplomatas a considerar apenas o
sexo biológico]. A Damares, no ano passado, falou na ONU sobre o direito à vida desde a concepção,
retomando um debate que já deveria ter sido superado, e criminalizando o aborto
e, principalmente, as mulheres que interrompem a gravidez”, lembrou Camila.
Em outro episódio, nos primeiros dias do governo
Bolsonaro, o ataque foi com relação à liberdade de gênero. A ministra declarou
que “meninas usam rosa e meninos usam azul“, desprezando o
debate sobre identidade de gênero e liberdade de expressão da sexualidade e
atacando a população LGBT+.
Foto: Willian Meira/Ascom/MMFDH |
Outro ponto que Camila considera importante de ser
analisado é a questão da liberdade religiosa. Reportagem do jornal O Globo desta segunda-feira (17/2), mostra que
o governo Bolsonaro priorizou lideranças evangélicas em sua agenda.
“O Brasil tem reforçado em vários discursos uma visão
parcial dos direitos humanos em muitos aspectos. A religião é um direito
humano, sim. Nesse caso, nos preocupa muito as religiões de matriz africana. Os
terreiros têm sofrido ataques constantes e vemos um silêncio das autoridades”,
afirma.
Camila Asano pontua que a redefinição que está sendo
construída pelos EUA com o apoio do Brasil, como aponta a coluna, precisa ser
melhor explicada: em que consiste, quais as mudanças propostas, quem está
participando disso.
“Essa discussão deveria estar acontecendo no âmbito da
Organização das Nações Unidas, que é a responsável por tratar da discussão dos
direitos humanos de maneira global”, aponta.
O presidente Donald Trump, logo que assumiu, retirou o
país do Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Os EUA sob a administração Trump
tem adotado uma postura de unilateralismo e de desprezo com acordos que foram
costurados com muito trabalho de diplomacia. Um exemplo recente é o plano de
paz de Israel e Palestina apresentado pelos EUA recentemente que não envolveu a
Palestina em sua construção. É um modus operandi que fica mais uma vez
evidente, que não aponta para soluções, mas para destruições de consensos”,
pontua.
Ao contrário de Trump, o governo Bolsonaro manteve o
assento no Conselho. Na próxima segunda-feira (24/2), a ministra da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos fará um pronunciamento na abertura da reunião do
Conselho e a expectativa é que essa articulação fique mais clara.
“Na reeleição para o conselho, o governo brasileiro
apresentou um compromisso com as discussões multilaterais de direitos humanos.
Estar prestigiando e até participando pessoalmente, como noticiado, evidencia
uma ambiguidade de ação e de posição”, explica Camila.
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