Cuba recebe navios, envia médicos e faz remédio contra o coronavírus
País se prepara desde janeiro e garante a
produção de mais de vinte medicamentos para tratamento da doença.
Navio britânico é acolhido por Cuba depois de ser rejeitado por outros países. Foto: Cuba MINREX /Fotos Públicas |
Por Nara
Lacerda - Brasil de Fato
19/03/2020
Nesta quinta-feira (19) o governo cubano confirmou que há
sete casos de coronavírus no país, todos em pessoas que foram ao exterior ou
tiveram contato com viajantes.
Com controle rígido de entrada e saída e ações de
vigilância extensas e consolidadas, as autoridades de saúde têm colocado
em isolamento todos os casos suspeitos.
Em paralelo a isso, o país implementa ações de
solidariedade a outras nações no combate à doença. Nesta semana, um navio
britânico com viajantes infectados foi acolhido pelo governo cubano, após ser
rejeitado em outras nações do Caribe e passar vários dias no mar.
Os governos do Reino Unido e da Irlanda do Norte tentavam
acordos humanitários para que os doentes desembarcassem e fossem repatriados
aos seus países de origem de avião. Cuba foi a única que aceitou o pedido
e adotou de imediato as medidas sanitárias para atendimento de quem estava a
bordo.
Depois de recebidos por Cuba, passageiros do navio britânico embarcam para o Reino Unido. Foto: Cuba MINREX/Fotos Públicas |
Solidariedade
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores de Cuba
ressaltou que a crise global pede ações cooperativas entre as nações. “São
tempos de solidariedade, de entender a saúde como um direito humano, de
reforçar a cooperação internacional para enfrentar nossos desafios comuns, valores
que são inerentes à prática humanística da Revolução e de nosso povo", diz
o texto.
As ações de solidariedade são tratadas pelo governo
cubano como um princípio central. Em conversa com o Brasil de Fato,
o cônsul do país no Brasil, embaixador Pedro Monzón, afirmou que não só no
caso do coronavírus, mas em todas as situações extremas como terremotos,
tempestades e grande tragédias físicas, Cuba considera que a medicina não
é um fenômeno mercantil.
"O enfermo não é uma mercadoria. A saúde pública é
um direito humano, não pode ser um fenômeno de mercado. É uma questão de
princípios, seres humanos são seres humanos e tem direitos. Isso independe da
política. São humanos. É um princípio fundamento da revolução. Não desprezamos
o mercado, sabemos que o mercado tem que existir, mas a política não pode se
mover em função do mercado", afirma.
Em 15 de março, uma delegação técnica especializada
cubana chegou à Venezuela para apoiar a estratégia de contenção do Covid-19. Há
médicos cubanos trabalhando em nações do mundo todo, inclusive na China. São
profissionais com expertise em missões que já estiveram presentes em mais de
160 países. Em 56 anos, Cuba já mandou mais de 400 mil agentes de saúde para
países estrangeiros.
‘Mais Médicos’
Fora do Brasil desde o início do governo de Jair
Bolsonaro, Cuba não deve reverter a decisão de retirar seus médicos do programa
Mais Médicos, tomada após uma série
de manifestações do capitão reformado contra as equipes que atuavam em
todo território nacional.
Pedro Mónzon afirma que seria preciso garantias de
segurança absoluta e uma mudança política radical. "Os médicos cubanos
saíram do Brasil porque foram feitas declarações agressivas, que
os colocaram em perigo. Questionou-se o prestígio dos médicos cubanos, o
profissionalismo, até se dizia que eram escravos, terroristas e que formavam
guerrilheiros. Um conjunto de mentiras que não tinham nada a ver com
solidariedade cubana”, aponta.
Recentemente o governo brasileiro anunciou ampliação nas
contrações de médicos para os postos de saúde e informou que os cubanos que ficaram
no Brasil após a saída determinada pelo governo da ilha, poderiam participar.
No entanto, só é possível a atuação de profissionais com registro e diploma
revalidado. Exigência que não existia no Mais Médicos.
Pedro Monzón informou que o governo brasileiro não fez
nenhum contato com Cuba para possível retomada da parceria.
"Até agora não houve. Sei que há estados que
estão interessados, porque, por exemplo, li ontem que 20% dos municípios no
Brasil não têm médicos e antes tinham médicos cubanos. Alguns dos
nossos médicos deixaram o Brasil chorando, devido ao forte relacionamento
que foi desenvolvido com a população. Eu gostaria que isso fosse
possível naturalmente, honestamente, sinceramente, sem mentiras, sem agressão,
que a relação pudesse ser reconstituída para o bem-estar de boa parte da
população brasileira. Infelizmente não vejo, no momento, perspectiva desse
acontecimento", afirma.
Medicamentos
É na ilha também que se produz um medicamento eficaz para
o tratamento dos efeitos respiratórios do Covid-19. O Interferon Alfa 2B já foi
solicitado por mais de dez países.
De acordo com o governo cubano, o país tem hoje
medicamento pronto para os próximos seis meses e capacidade de produção que
atende a demanda da própria ilha e pedidos que venham de outras nações.
Na China, uma fábrica criada em parceria com o país
caribenho é responsável pela produção local. O processo também conta com
profissionais cubanos. O Interferom Alfa 2B também é usado preventivamente em
profissionais de saúde, que estão mais vulneráveis ao contágio.
Segundo Pedro Monzón, o Brasil também demonstrou
interesse, mas a entrada no medicamento ainda não foi autorizada pela Anvisa. Há
outros 21 medicamentos fabricados no país e que fazem parte do protocolo de
atendimento a pacientes. São antivirais, antirrítmicos e antibióticos, para o
tratamento de complicações.
Bloqueio
O bloqueio econômico sofrido pelo país parece ser o único
empecilho para que Cuba conte com todo o material que é necessário no
enfrentamento ao Coronavírus. 15% dos medicamentos fornecidos pela indústria
estão ausentes das farmácias, porque o tempo dos ciclos de distribuição é
elevado. Para coletivizar o acesso, o governo cubano garante o abastecimento do
sistema de saúde em primeiro lugar.
Atualmente, cientistas cubanos trabalham também no estudo
da capacidade viral de dois medicamentos para o tratamento do Covid-19.
Ambos estão na classe de peptídeos inibidores. Um deles, o CIGB 210, atua
como antiviral no tratamento da Aids. Já o CIGB 300 é usado para tratar
alguns tipos de câncer.
Vacina
De acordo com o governo cubano, o país atua com a China
em um dos projetos de vacina que vêm sendo colocados em prática em todo o
mundo. O método estudado é usado para a vacina terapêutica contra a hepatite B
crônica no país e o projeto foi disponibilizado às autoridades sanitárias
chinesas.
Cuba se prepara para o surto do coronavírus desde
janeiro. Até agora, já houve acompanhamento de quase 25 mil pessoas no
atendimento primário, o que inclui todos os indivíduos com origem em países de
alto risco.
Charge: Paulo Batista |
Edição: Leandro Melito – Brasil de Fato
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