Quem são e por que lutam as mulheres sem-terra?
Participantes do 1º Encontro de Mulheres do
MST compartilham histórias de acesso à educação e autonomia econômica.
Por Vanessa
Nicolav - Brasil de Fato
07/03/2020
“A gente não tinha casa, não tinha terra, trabalhava na
casa dos outros, era de fazenda em fazenda. Meu marido trabalhava uma diária
para pagar o leite dos meus filhos. Hoje vivo do meu sustento, da minha terra.
Tenho um plantio de cacau, banana, arroz, feijão, milho, porco. Participar do
movimento mudou totalmente as nossas vidas”.
Josiana Silva vive no assentamento 14 de Agosto, em Rondônia. Foto: Vanessa Nicolav |
A mudança na vida de Maria Edvalda Pereira, 57, começou
depois que ela e o marido conheceram o assentamento do MST em Eldorado dos
Carajás, no estado do Pará. A agricultora que já foi empregada doméstica, hoje
participa como uma das expositoras da Mostra de Produtos da Reforma Agrária que acontece no Parque da Cidade, em
Brasília, durante o 1º Encontro Nacional do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem
Terra (MST).
Os produtos que estão à venda em sua barraca são todos
resultados da luta, conquista da terra que ela e o marido participaram durante
anos. Mas, para a agricultora, as transformações não foram só no campo
econômico.
“Com o movimento eu voltei a estudar, hoje eu
terminei, fiz uma faculdade. Eu participo dos grupos de mulheres, a gente
viaja, debate, conhece outras pessoas. Então hoje eu tenho outra visão, eu era
só em casa. Acho que foi um privilégio”.
Projeto coletivo
Além dela, mais de 3,5 mil mulheres participam do evento. A maioria delas também
têm histórias de superação e transformação decorrente da participação do
projeto coletivo encampado pelo MST.
Uma delas é Iva Resende, 71, que vive em um assentamento
em Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Além de aprender a plantar e
produzir sem agrotóxicos, com as atividades do assentamento ela aprendeu a
costurar e teve a oportunidade de fazer um curso do método terapêutico de
origem oriental chamado shiatzu.
Durante os dias do evento, ela é uma das
voluntárias que atende no espaço de saúde, destinado a oferecer atendimento às
participantes. Para ela, a possibilidade de romper as limitações de suas
condições de gênero e classe, foi uma das maiores possibilidades apresentadas
pelo movimento.
“Tem muita mulher que não sabe o que é sair de casa. Eu
fico pensando que se elas soubessem o quanto é bom a lição do mundo, elas
nunca mais ficariam em casa. Mulher não é mais para ficar no tanque de roupa
não, é para ficar no tanque de guerra, mulher é para lutar”, afirma a terapeuta
popular.
Coletividade que transforma
A oportunidade de participar de um projeto coletivo foi
para Josiane Silva, 28, o que marcou sua história com o MST. Filha de
assentada, ela vive desde pequena no assentamento 14 de Agosto, em Rondônia,
onde sete famílias trabalham de forma cooperada na produção do cacau.
“Viver em coletivo mostra como a coletividade transforma
o ser humano. A forma de produzir, a forma de se relacionar. No nosso projeto a
gente busca a vida digna, uma vida de qualidade, não baseada não nos princípios
do capitalismo, mas pensando em outra forma, seguindo os princípios do
socialismo mesmo”, afirma Josiane.
A jovem sem-terra, que também vendeu produtos
derivados do cacau na feira, destaca os impactos que a experiência tem em sua
formação, dentro de uma perspectiva de gênero.
“Ser mulher no coletivo [do movimento] é estar presente,
ser presente, estar participando das discussões, estar participando das
reuniões. Não como um sujeito que está submisso à decisão do homem, mas que
está à frente na construção, na coordenação, está à frente na direção. É uma
forma de construir uma nova relação de igualdade”, conclui Silva.
Edição: Rodrigo Chagas – Brasil de Fato
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