Sem testar coronavírus, mortes em São Paulo são registradas como “causa indeterminada”
Governo liberou registro de óbito
indeterminado para proteger trabalhadores legistas durante pandemia; estado não
tem condições de testar todos os corpos.
Prédio do Serviço de Verificação de Óbitos da cidade de São Paulo. Foto: Google Street View/reprodução |
Por
Anna Beatriz Anjos e Bruno Fonseca – Agência Pública
27/03/2020
Há uma semana sem realizar autópsias, o Serviço de
Verificação de Óbitos da cidade de São Paulo (SVOC) segue recebendo corpos de
mortes por causas naturais, confirmou à Agência Pública um funcionário
do órgão. De acordo com ele, o serviço tem recebido corpos de pessoas que
faleceram em suas residências, mas também em algumas Unidades de Pronto Atendimento
(UPA). Nesses casos, ele relata que é assinado o óbito sem realização de mais
testes que possam comprovar ou descartar morte pelo novo coronavírus.
“Não vai ter laudo. Os casos que estão vindo de [mortes
na] residência, o médico já está assinando o óbito. Não está fazendo autópsia”,
afirmou à reportagem. Ele não soube precisar quantos corpos passaram pelo
serviço nesta semana.
Segundo o funcionário, toda a equipe da secretaria de
laudos e administração está sem trabalhar. A situação é reflexo da decisão do
Governo Estadual do último dia 20 de março. Na data, uma portaria definiu que
corpos envolvendo mortes suspeitas por Covid-19 ficam sob responsabilidade do
serviço de verificação. Contudo, para proteção dos profissionais, eles podem
evitar exames invasivos e registrar as mortes como “causa indeterminada neste
momento”.
“Se o exame interno do cadáver não for necessário, a
necropsia pode ser feita de forma indireta e com uso de outros elementos
baseando-se em: exames externos, radiografia, tomografia computadorizada,
descrição da cena, entre outros, para devida emissão da Declaração de Óbito, e
do laudo necroscópico, devendo nessa situação no campo ‘a’ do item 49, Causas
da Morte, Declaração de Óbito, o termo ‘causas indeterminadas neste momento’”, determina
o texto.
No dia 17 de março, a Folha de S. Paulo anunciou
que seriam empregadas técnicas de autópsia de modo minimamente invasivo para
confirmação de mortes por coronavírus no Hospital das Clínicas em São Paulo.
Segundo o funcionário ouvido pela Pública, a coleta de material chegou a
ser feita no início da crise, porém não está sendo realizada no momento.
“Estávamos fazendo no início [autópsia] de suspeitas de
Covid, colhendo material para mandar para o [instituto] Adolfo Lutz. O
resultado final [dessas autópsias] a gente nem ficou sabendo”, acrescentou o
funcionário. Segundo ele, atualmente, os corpos “ficam o menor tempo possível
por aqui”, disse.
O médico Paulo Saldiva, professor de Patologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), considera acertada a
decisão do governo de São Paulo. “Essas medidas protegem a equipe. Para você
fazer uma autópsia de Covid-19, precisa ter uma sala de proteção nível 3, no
mínimo, contra infecção. Não tem como fazer essas autópsias e garantir [a
segurança de] todo o ciclo, desde o transporte do cadáver até a entrega à
família, porque o corpo é aberto, fluidos orgânicos ficam mais acessíveis às
superfícies externas. Esse é um risco tanto para quem faz a autópsia, como para
a família”, afirma. Saldiva é o coordenador do projeto que desenvolveu, nos
últimos seis anos, as técnicas de autópsia minimamente invasivas que estão
sendo utilizadas no HC.
A Pública questionou a Secretaria Municipal de
Saúde, responsável pelo serviço de óbitos da capital, sobre uma possível subnotificação
de casos de mortes por coronavírus, mas não obteve resposta até a publicação da
reportagem.
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