7 fatos sobre Mandetta para não pensar que ele é herói
Acusado de corrupção, lobista de
planos de saúde e difamador de médicos estrangeiros. Mais político que técnico, o ministro da Saúde do
Governo Bolsonaro tem um passado nebuloso.
Mesmo com as difamações de Mandetta e outros opositores, pesquisas apontaram aprovação do atendimento dos médicos cubanos pelos usuários. A excelência dos profissionais de Cuba é reconhecida internacionalmente e eles são requisitados em outros países.
Por Anderson
Augusto de Zottis – Crítica21
12/04/2020
O ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Luiz Henrique
Mandetta, ganhou a queda de braço com o presidente e se manteve no cargo, após quase
ser demitido na semana passada. Na contenda, muitas autoridades e políticos
apoiaram o ministro e a hashtag #FicaMandetta ficou em primeiro lugar nos trending
topics do Twitter.
A simpatia ao ministro se deu em função de ele apoiar as
medidas de isolamento social em conformidade com as orientações da OMS
(Organização Mundial de Saúde) e adotar um discurso mais alinhado a protocolos científicos. Isso fez dele um opositor a Bolsonaro dentro do próprio
governo.
Médico ortopedista, Mandetta nasceu em Campo Grande-MS em
30 de novembro de 1964. Foi presidente da Unimed da capital sul-matogrossense
entre 2001 e 2004, secretário municipal de Saúde de Campo Grande de 2005 a
2010, deputado federal por dois mandatos (2011 a 2018). É fumante, católico e conhecido por sua atuação corporativista como parlamentar.
Confira 7 fatos da trajetória de Mandetta que mostram
que ele não merece aplausos:
1 - Fraude em licitação, tráfico de
influência e caixa dois
O ministro responde a inquérito por fraude em licitação,
tráfico de influência e caixa dois na implementação de um sistema de prontuário
eletrônico na prefeitura da qual foi secretário de Saúde - escândalo do Gisa
(Gestão de Informação em Saúde). Segundo o Ministério Público Federal, o
sistema recebeu investimento de mais de R$ 8 milhões do Ministério da Saúde sem
a contraprestação do serviço, e o processo licitatório foi marcado por
irregularidades.
Meses antes de formalizar a contratação, a empresa que
liderou o consórcio vencedor da licitação recebeu a visita de Mandetta em sua sede
em Portugal. Conforme investigação do MPF, a viagem foi paga com recursos da
Telemídia que, em 2010, fez doações não declaradas para a campanha de Mandetta
a deputado federal. Na ação, o MPF pede a condenação de todos os envolvidos por
improbidade administrativa, perda dos direitos políticos e a devolução de mais
de R$ 16 milhões de reais. O processo tramita na Justiça Federal.
Reportagem do SBT de Mato Grosso do Sul explica o caso:
2 – Contra o programa Mais Médicos
Como deputado federal, Mandetta se opôs ao
programa Mais Médicos, que tinha como objetivo principal enfrentar o
problema de escassez de médicos no Brasil, em especial nas cidades do interior,
na periferia das grandes cidades e regiões isoladas. Apesar de abrir vagas
inicialmente para médicos brasileiros, houve a necessidade de contar com
profissionais de outros países.
Em tom racista e xenófobo, o ex-deputado do DEM chegou a
falar em “navio negreiro do século 21” ao se referir aos milhares de médicos
cubanos vindos ao Brasil, grande parte negros. Num discurso na
Câmara dos Deputados, Mandetta chamou a iniciativa do governo de "MP da Morte" e
insinuou que os profissionais estrangeiros cometeriam crimes, como abuso sexual (vídeo).
Mesmo com as difamações de Mandetta e outros opositores, pesquisas apontaram aprovação do atendimento dos médicos cubanos pelos usuários. A excelência dos profissionais de Cuba é reconhecida internacionalmente e eles são requisitados em outros países.
Recentemente, uma equipe foi para a Itália ajudar no
atendimento a pacientes com Covid-19. Nesta crise, Mandetta foi obrigado a
lançar edital para reconvocar os médicos cubanos do programa, que foi
remodelado pelo Governo Bolsonaro.
3 – Votou a favor do impeachment de Dilma
Rousseff
Assim como a maioria dos deputados, Mandetta votou a
favor do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma
Rousseff, em 2016. Ao falar na tribuna, Mandetta não se referiu à acusação (pedaladas
fiscais). Ele disse: “Porque nós temos um país pra construir, por causa das famílias,
por causa de Campo Grande, a morena mais linda do Brasil, pelo meu Mato Grosso
do Sul e pelo Brasil, o voto é sim!”
Mandetta discursa em sessão especial sobre o impeachment de Dilma, em abril de 2016. Foto: Nilson Bastian/Câmara dos Deputados |
A ação contra Dilma foi impulsionada pela atuação
política da Lava Jato, cujos processos eram seletivos e muitos deles combinados
entre juiz e acusação para atacar adversários políticos. Esses fatos foram
escancarados com as revelações do The Intercept Brasil. Ou seja, o impeachment
foi um pretexto para dar um golpe na democracia, e contou com o apoio explícito
de membros Ministério Público, parte do Poder Judiciário e da imprensa, além de
políticos interessados em assumir o poder para “estancar a sangria” da Lava Jato. Mandetta
concordou com tudo isso e não consta que tenha se arrependido.
4 – Votou a favor da PEC dos Gastos Públicos
e da Reforma Trabalhista
Mandetta é membro do DEM, que fez parte da base de apoio
ao governo de Michel Temer. Nesse sentido, ele foi favorável à PEC do Teto dos Gastos Públicos, em
2017. A lei modificou a Constituição para congelar investimentos sociais por 20
anos. O curioso é que Mandetta discursou na tribuna da Câmara pedindo uma
reforma no sistema de saúde que, entre outras coisas, garantisse mais investimento.
Também em 2017, Temer propôs uma reforma trabalhista para
modificar as regras relacionadas à contratação, demissão, negociações e demais
relações de trabalho. A proposta foi aprovada com o voto de Mandetta, junto com
toda a bancada do DEM. O governo defendia que essa mudança geraria empregos
formais, mas o que se viu foi a precarização do trabalho, com aumento da
informalidade.
Conforme reportagem do G1, passados dois anos da reforma,
o desemprego continuou alto - 11,8% no trimestre encerrado em setembro de 2019.
Quando a lei começou a valer, a taxa era de 12% (no trimestre encerrado em
novembro daquele ano). Em números absolutos, em novembro de 2017 havia 12,6
milhões de desempregado no país. Já em setembro de 2019 eram 12,5 milhões. O
governo esperava criar 2 milhões de empregos formais em três anos.
5 – Lobby e conflito de interesses
Como já dissemos, Mandetta foi presidente da Unimed de
Campo Grande. Mas sua relação com a cooperativa vai além disso: envolve sua filha. Segundo uma reportagem da revista Veja, de 2019, a advogada Marina
Alves Mandetta era sócia de um escritório de advocacia que cuidava de processos
judiciais da Unimed Rio. Com a escolha do pai para ministro da Saúde do Governo
Bolsonaro, Marina formalizou sua saída do escritório e, já no dia 13 de
dezembro de 2018, abriu seu próprio empreendimento, batizado de Mandetta Advogados.
Acompanharam ela os clientes que havia conquistado, inclusive a Unimed Rio.
Laços de Mandetta com a Unimed se mantiveram depois que ele foi presidente da unidade de Campo Grande. Foto: reprodução/Youtube |
Em 2019, com o pai já no comando do Ministério da Saúde,
Marina conseguiu mais dois clientes no setor de saúde: a Unimed Seguros e a
Central Nacional Unimed. Em algumas ocasiões, a advogada participava de eventos
com o pai, como aconteceu em agosto do ano passado, durante um congresso da
Associação Brasileira de Planos de Saúde, entidade que reúne cerca de 150
empresas do setor e representa suas demandas junto ao governo.
Mandetta palestrou no evento e, em seu discurso, fez
questão de mencionar a presença da filha aos representantes das operadoras de
planos de saúde que estavam na plateia. Encerrada a exposição do ministro,
segundo a Veja, Marina distribuiu cartões aos participantes do congresso,
ressaltando que já possuía experiência no setor.
A reportagem destaca os laços do grupo empresarial com a
família Mandetta, como quando, em 2016, o hoje ministro avisou à filha que a
Unimed Rio abriria uma concorrência para contratar advogados. Marina participou
dela e - surpresa! – ganhou o cliente.
Mandetta mantém relação com os diretores da Unimed, tanto
que os recebeu em junho do ano passado em Brasília. O ministro ouviu um pedido
para que o governo libere parte de uma reserva financeira de emergência que as
operadoras de planos de saúde são obrigadas a manter. A empresa e suas
concorrentes também querem desregulamentar o setor, até para facilitar os
polêmicos reajustes por faixa etária.
Os pleitos da Unimed, em parte, já foram atendidos em
2020. Segundo informações do jornal O Estado de São Paulo, no mês passado o ministro facilitou a liberação de R$ 10 bilhões do fundo
garantidor para as empresas do ramo em plena crise da Covid-19, com a justificativa de não sobrecarregar o sistema público de saúde. Além disso, em
entrevista coletiva sobre balanço dos casos de Covid-19, Mandetta atacou de
forma desproporcional uma concorrente da Unimed - a Prevent Senior -, que
atende especialmente idosos e teve dezenas de pacientes mortos pelo novo
coronavírus. Mesmo sem comprovação de que a Prevent tenha falhado, o ministro
se arvorou em acusá-la – mandando às favas a isenção e a prudência que o cargo
e a situação exigem.
6 - Doações suspeitas
Além da relação umbilical com a Unimed, esse
comprometimento de Mandetta com o setor privado – em especial na área de saúde
e produtos hospitalares - talvez se explique pela generosidade de alguns de
seus doadores de campanha. Em 2014, Mandetta reelegeu-se deputado federal
com 57,3 mil votos. Naquele ano, o deputado recebeu uma doação de R$ 100 mil da
operadora de planos de saúde Amil. Mas, segundo reportagem a Agência Sportlight,
a maior doação direta da campanha de Mandetta em 2014 foi feita por uma empresa delatada pela JBS como laranja no
esquema de propina montado por Joesley e Wesley Batista. A Buriti Comércio de
Carnes contribuiu com R$ 154 mil para a campanha do atual ministro da Saúde.
No acordo de colaboração dos irmãos, a Buriti aparece
como emissora de 56 notas fiscais em um período de quatro meses, totalizando R$
12,9 milhões. Em depoimento para o Ministério Público Federal na Operação Lava
Jato, os Batista afirmaram que as notas emitidas pela Buriti “não tinham
contrapartida em bens ou serviços” e se destinavam ao pagamento de propinas de
políticos.
Abaixo da Buriti nas doações para Mandetta está João
Roberto Baird com R$ 150 mil. O empresário do ramo de informática tem
envolvimento com vários escândalos. Em maio de 2018, Baird foi condenado pela
Justiça Federal a pagar multa de R$ 200 mil e prestar 671 horas de serviços à
comunidade por envolvimento em esquema de desvio de recursos do Detran-MS. Na
folha corrida do doador de Mandetta, está citação na Operação Lama Asfáltica e
na Coffee Break. Em setembro de 2018, o empresário foi preso na Operação
Vostok - o inquérito investigava denúncias da J&F, controladora da JBS,
sobre a troca de incentivos fiscais por propinas em Mato Grosso do Sul.
Outra empresa generosa com Mandetta foi a Cirumed Comércio
Ltda. Ela doou nas duas campanhas em que ele se elegeu deputado federal. De
acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2010 a empresa de Aurélio
Nogueira Costa doou R$ 50 mil e, na eleição seguinte, R$ 93.980,00. Aurélio
também é sócio da Prosanis Indústria e Comércio de Produtos Médicos e
Hospitalares Ltda, empresa que foi contratada pelo Ministério da Saúde no mês
passado para fornecer aventais hospitalares no valor de R$ 700 mil. O
ministro Mandetta aproveitou a emergência do avanço do coronavírus no
Brasil, que permite ao governo fazer contratações sem a realização de
licitação, para beneficiar um antigo amigo.
Em 2018, Mandetta recebeu correligionários em evento de filiação ao DEM, em Campo Grande. Foto: reprodução/YouTube |
7 - Participou de conflito que resultou na
morte de um índio Guarani Kaiowá
Mandetta é uma daquelas figuras que adora chamar
fazendeiro de "homem do campo" ou "produtor rural". Como
deputado, era integrante da bancada ruralista e se opunha sistematicamente aos
direitos dos povos indígenas. Criticou diversas vezes medidas da então presidente Dilma Rousseff de demarcação de terras indígenas em seu estado, dizendo que ela
perseguia o agronegócio.
"A presidente está dirigindo a sua raiva contra os
produtores rurais, colocando todo o seu querer mal ao Brasil no
agronegócio", discursou no plenário, em 2016. Nas falas, ele fazia
análises históricas enviesadas e chegou a afirmar que não havia grilagem de
terras no Mato Grosso do Sul, mas uma rápida consulta no Google desmente o ex-deputado. Um dos registros diz que o CNJ investigou grilagem de terras que envolveu juízes e cartórios no estado de origem de Mandetta. Também é sabido que a Reserva Indígena de Dourados tem sido tomada, em anos recentes, por pessoas não-indígenas.
No entanto, o fato mais grave na sua cruzada contra esses povos tradicionais foi a participação em um conflito entre fazendeiros contra índios Guarani Kaiowá
da reserva Marangatu, em 2015. Na ocasião, foi morto um indígena. A reserva
é reconhecida pela Funai, mas espera demarcação na Justiça desde 1999. No episódio, 40 indígenas anunciaram que ocupariam a sede da fazenda da presidente
do Sindicato Rural do município de Antonio João, Roseli Ruiz.
Em uma reunião no Sindicato, Roseli fez acusações de que os
Guarani Kaiowá queriam invadir a cidade e atear fogo nas residências. Segundo
reportagem do DCM, Mandetta acompanhou os fazendeiros e seus jagunços
até o local do confronto, que resultou na morte do indígena. O agora ministro
da Saúde chegou a afirmar que o estado do corpo da vítima indicava que ela estava
morta desde horas antes do confronto. Mas o laudo médico desmentiu a versão de Mandetta: a morte tinha sido
mesmo no período em que o conflito acontecia.
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