A luta para colocar comida na mesa durante a quarentena
Trabalhadores têm sido demitidos e famílias aguardam
o benefício emergencial anunciado pelo governo; em algumas casas, o feijão com
arroz já está no fim.
Por Carolina Moura – Le Monde Diplomatique Brasil
Por Carolina Moura – Le Monde Diplomatique Brasil
07/04/2020
A rotina de Angélica Jahn, de 30 anos, mudou bastante com
a chegada do Covid-19 no Brasil. Responsável pela limpeza das aeronaves do
aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ela e seu marido, que trabalha como
operador de máquina, foram dispensados pelas suas empresas dia 25 de março. Com
dois filhos para sustentar, o casal corre atrás de bicos para que não falte
comida, já que o departamento de Recursos Humanos da empresa informou que a
previsão é de três meses em casa, sem salário. O único auxílio deles é o
vale-alimentação no valor de R$ 600.
Foto: Anna Auza/Unsplash |
“Graças a Deus ainda é alguma coisa, mas as contas não
podem ser pagas com o vale. Está sendo bem difícil porque eu e meu esposo fomos
dispensados juntos! Cartões de créditos têm juros terríveis então quando
voltarmos ao trabalho estaremos todos extremamente endividados”, diz Angélica,
que começou a fazer doces e salgados para vender como uma forma de se sustentar
em meio à crise. “Eles esquecem que temos aluguel para pagar, empréstimos. É
difícil para todo mundo. Não vamos morrer de fome porque temos o vale
alimentação, mas a empresa tem que ter consciência de que neste período de
quarentena também precisamos do básico. Dinheiro para remédio e outras coisas
emergenciais”, completa.
Angélica faz lasanha, tortas, bolos e salgados e o marido
vende à tarde, durante a quarentena. De noite, ele faz delivery de
restaurantes. “No final estamos trabalhando da mesma forma aqui em casa, porém
nos expondo bem mais. Fomos dispensados sem mais nem menos, nem consultaram o
sindicato. Muitos de nós foram afastados por mensagem no Whatsapp. Você não
assina nada, recebe apenas uma folha e devolve o crachá. E agora?”, questiona
ela.
“Entendo que está uma crise, mas nada a receber por quase
três meses é muito cruel”, completa. Angélica está aguardando a resposta do
governo em relação a liberação do pagamento dos salários de quem tem carteira
assinada.
Informalidade
Por outro lado, quem trabalha de maneira informal sofre
impactos severos com a falta de suporte. É o caso da Anne Caroline da Silva, de
25 anos, moradora do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Trabalha como
vendedora no camelódromo da Uruguaiana, no Centro, e sem carteira assinada. Mãe
solo de três filhos, ela trabalha durante o dia e estuda enfermagem à noite.
No último sábado ela foi dispensada sem ganhar nada. Seu
salário de R$ 1.180 pagava as contas, o aluguel de R$ 600 e colocava comida na
mesa para seus filhos. “Não faço ideia de como vou fazer agora. O dono da loja
disse que vai ficar fechado por tempo indeterminado e durante esse tempo não
vou receber”, conta Anne. “Tenho três filhos para alimentar, ninguém me ajuda.
A questão da pensão dos meus filhos está na justiça porque o pai não paga nada
desde setembro. Não dá um real. Como vou fazer agora?”, indaga.
O medo da autônoma é de não ter direito a nada do governo
por não ter MEI, nem ter carteira assinada. “Aqui em casa já está faltando. O
feijão e o arroz é o que tem na panela. Não está sobrando. Estou com muito medo
desses dias”, completa. “Só saio de casa para comprar pão que é aqui pertinho.
Meus filhos estão tentando se distrair uns com os outros. Eles fazem lição de
casa, assistem alguma coisa. Inventam algo para brincar”, explica Anne como é a
rotina da quarentena.
“Mas é muito ruim ver as coisas deles faltarem. Por
exemplo, criança em casa gosta de comer coisa gostosa e eu não tenho o que
oferecer para eles. Aqui não tem mais iogurte, biscoito. Mas vamos
sobrevivendo”, finaliza ela, que espera a cesta básica de organizações
solidárias do Complexo do Alemão.
Auxílio do Estado
De acordo com o coordenador da Escola de Economia de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Joelson Sampaio, é obrigação do governo
Federal dar assistência às famílias, principalmente, as que trabalham sem
carteira assinada. “Os que sofrem de primeira são os trabalhadores informais.
Eles não têm patrimônio, nem dinheiro estocado. O governo precisa agir rápido
na operacionalização da renda dessas famílias”, explica o economista.
“Hoje a gente tem as empresas que fazem o que podem para
flexibilizar o trabalho do funcionário, o home office, ou pelo menos
deixando os auxílios como vale-alimentação. Agora, cabe o governo pensar nas
famílias do Brasil”, completa.
Segundo Sampaio, o grande desafio não é só o governo
expor o que fazer para ajudar essas famílias, mas fazer essas opções colocadas
e anunciadas chegarem a essas pessoas. “O adicional do governo é conseguir o
cadastro das famílias que não estão na base do governo, que não são
cadastradas. Ele tem que fazer um esforço de cadastramento para que elas possam
receber esse benefício”, completa ele. “Existe um risco de muita gente ficar de
fora se o governo não conseguir viabilizar um mutirão para chegar nessas
pessoas”, finaliza.
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