Em decisão inédita, Justiça proíbe entrada de religiosos em terras indígenas no AM
Ordem é para que missionários que planejavam
entrada em comunidades isoladas fiquem longe dos indígenas.
Por Erick
Gimenes - Brasil de Fato
18/04/2020
A Justiça proibiu a entrada de três pastores evangélicos
e da organização religiosa Missão Novas Tribos nas comunidades indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. A decisão de quinta-feira (16) é do juiz
Fabiano Verli, da Justiça Federal em Tabatinga (AM).
Indígenas do Vale do Javari relatam ameaças e aliciamento de religiosos. Foto: Beto Marubo/divulgação |
A ação foi movida pela União dos Povos Indígenas do Vale
do Javari (Univaja). É a primeira vez que um juiz federal atende a um pleito
coletivo de uma organização indígena brasileira.
O principal réu é o missionário estadunidense Andrew
Tonkin, investigado por invadir terras indígenas em duas ocasiões e acusado de
planejar uma expedição evangélica a território habitado por indígenas isolados,
o que fere de política do não contato garantida na Constituição de 1988.
“A gente tem sofrido com esse ingresso forçado, não só de
pessoas como o Tonkin, mas pessoas como a própria Missão Novas Tribos, desde a
década de 1950. Pouco temos visto de contribuição social ou fortalecimento da
nossa identidade. Pelo contrário. O que temos visto é enfraquecimento da
identidade, cada vez mais”, diz Eliesio da Silva Vargas, procurador-jurídico da
Univaja.
Segundo o representante da União, o missionário pagou indígenas para aliciá-los em troca de informações sobre as comunidades. “Desde o início ele tem trazido um prejuízo gigantesco
para a organização indígena, no que tange a política de proteção da terra
indígena. Ele, de alguma forma, começou aliciando alguns indígenas, dando
dinheiro em troca para que dessem determinadas informações. Depois, chegou a
ingressar em terra indígena, de forma forçada, junto com o segundo réu [Josiah
Mcintyre]”.
Além da proibição de entrada nas terras, os religiosos
também estão proibidos de ter contato com qualquer indígena, sob pena de multa
de R$ 1 mil por dia ou ato.
Ao embasar a decisão, o juiz afirma que “há claros
indícios de aculturamento no caso de uma comunidade, ao que parece, isolada”.
Ele leva em conta a pandemia do novo coronavírus para impedir a entrada dos missionários.
“Deixando claro o agnosticismo deste Juiz, ressalto os
que imagino serem bons motivos daqueles que querem espalhar a belíssima palavra
de Cristo aos índios. Cristo, na mitologia cristã, mandou que espalhássemos,
nós, os humanos, sua palavra. E isso deve ser bem-visto. Mas estamos num Estado
laico e temos outras prioridades. Até estados semi-teocráticos e tirânicos como
a Arábia Saudita esvaziaram seus templos pela Covid. Assim, não há que se falar
em liberdade religiosa aqui. Não é esse o problema relevante”, fundamenta o
magistrado.
Segundo o procurador-jurídico da Univaja, os réus estavam
nas terras do Vale do Javari, mas fugiram do Brasil assim que souberam da ação.
“Tive a informação hoje que eles estavam fora do país. Mesmo assim, vou pedir a
execução da sentença, para que as autoridades policiais façam a vistoria nas
comunidades, procurem saber onde tem não indígena”.
Eliesio comemora a decisão, que cria jurisprudência para
aplicação da Justiça caso ocorram fatos semelhantes. “A gente acabou por
inaugurar uma situação que é nova e criou um entendimento no Judiciário para
que, nessas situações, possa se usar esse argumento de que a organização
indígena pode fazer essa defesa coletiva”.
Edição: Rodrigo Chagas – Brasil de Fato
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