Flávio Bolsonaro financiou prédios ilegais da milícia com dinheiro público, mostra investigação do MP
Reportagem do Intercept revela os detalhes do
escândalo que envolve o clã Bolsonaro; investigações preocupam o presidente, acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de interferência política na PF.
O inquérito do MP apura fatos de organização criminosa, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público pelo filho de Bolsonaro. De acordo com a reportagem, “os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.”
Com informações
do Intercept Brasil
25/04/2020
Com exclusividade, o Intercept Brasil teve acesso
a documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público que revelam
como o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) financiou e lucrou com a construção
ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. A reportagem é
de Sérgio Ramalho.
Flávio Bolsonaro enriqueceu substancialmente no período em que se relacionava com milicianos. Foto: Pedro França/Agência Senado |
O esquema da “rachadinha” do gabinete de Flávio já era
conhecido e alvo de inquérito, porém o aprofundamento das investigações revelou
a ligação do filho de Bolsonaro com negócios da milícia no Rio de Janeiro, e os
detalhes dessa conexão ainda não haviam sido revelados. Até este sábado (25).
A reportagem aponta que o investimento para as
edificações levantadas por três construtoras foi feito com dinheiro de
“rachadinha”, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia
Legislativa do Rio, como afirmam promotores e investigadores sob a
condição de anonimato. Segundo o Intercept, as investigações que fecham
o cerco contra o senador é um dos motivos para que o presidente tenha
pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia Federal
no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília.
O presidente Jair Bolsonaro foi acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de tentar interferir também na PF do Rio. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil |
O inquérito do MP apura fatos de organização criminosa, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público pelo filho de Bolsonaro. De acordo com a reportagem, “os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.”
A reportagem do Intercept resume assim o
funcionamento do esquema:
• Flávio pagava os salários de seus funcionários com
a verba do seu gabinete na Alerj.
• A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como
articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos
dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da
Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada
em assassinatos por encomenda.
• A organização criminosa também atua nas cobranças de
“taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água,
exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil
em Rio das Pedras e Muzema.
• As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas,
ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do
ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram,
deixando 24 mortos e dez feridos.
• O lucro com a construção e venda dos prédios seria
dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o
financiador do esquema usando dinheiro público.
Trecho da denúncia do MP que serviu de base para o inquérito das rachadinhas. Foto: reprodução |
O ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega foi morto a tiros em fevereiro deste ano em um controverso cerco policial no
interior da Bahia com indícios de queima de arquivo. Na ocasião, foram
apreendidos diversos celulares do miliciano, que ainda aguardam por perícia. Quando
era deputado estadual, Flávio Bolsonaro condecorou Adriano com a Medalha
Tiradentes, principal honraria do Rio.
A reportagem do Intercept apurou que “as
investigações do MP revelaram que os repasses da rachadinha chegavam às mãos do
capitão Adriano por meio de contas usadas por sua mãe, Raimunda Veras
Magalhães, e sua esposa, Danielle da Costa Nóbrega. As duas ocupavam cargos
comissionados no gabinete do deputado na Alerj entre 2016 e 2017. Ambas
nomeadas por Queiroz, amigo do ex-capitão dos tempos de 18º batalhão da Polícia
Militar, Jacarepaguá.”
Conforme o MP, a mãe e a mulher de
Adriano movimentaram ao menos R$ 1,1 milhão no período analisado pela
investigação. Parte desse valor foi repassado a construtoras que foram
registradas em nome de “laranjas” do Escritório do Crime. Essas construtoras
ergueram prédios ilegais em Rio das Pedras e Muzema, com atuação de milicianos
ligados a Flávio Bolsonaro.
O “chefe” do Escritório do Crime era justamente o ex-capitão
do Bope. A ligação dele com as empreiteiras envolvidas no boom da
verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi descoberta na investigação das execuções da
vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de
março de 2018. Quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do
Escritório do Crime revelaram que o grupo paramilitar havia evoluído da
grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região
e, assim, multiplicando seus lucros, destaca a reportagem do Intercept.
Denúncia cita a milícia de Adriano, construções e empresas em nome de laranjas. Foto: reprodução |
‘Investidor’
O papel de “investidor” nas construções da milícia
ajudaria a explicar a evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro, registra o Intercept.
Entre 2015 e 2017 o parlamentar adquiriu dois apartamentos na zona sul do Rio
de Janeiro e passou a ter participação societária numa franquia da loja de chocolates Kopenhagen.
Flávio entrou na vida política em 2002 e declarou que
tinha apenas um carro Gol 1.0, no valor de R$ 25,5 mil. Na última declaração de
bens, de 2018, o senador disse que tinha R$ 1,74 milhão. A elevação patrimonial
coincide com o período em que a mãe e a mulher do ex-capitão estavam nomeadas
em seu gabinete, lembra a reportagem de Sérgio Ramalho.
O temor de Queiróz
“O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa
para empurrar na gente”. A frase de Queiroz foi dita em áudios de Whatsapp divulgados pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo em outubro do ano passado. À época, muito
se especulou a que ele se referia. Investigadores ouvidos pela reportagem do Intercept
“acreditam que Queiroz sabia que o inquérito tinha identificado o uso do
dinheiro desviado no esquema de rachadinha para financiar as construções
ilegais na Muzema e em Rio das Pedras.”
O senador Flávio Bolsonaro foi procurado pelo Intercept
para comentar as acusações ou dar sua versão, mas não se manifestou.
Confira a reportagem completa AQUI.
Edição: Crítica21
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