Últimas notícias:

Flávio Bolsonaro financiou prédios ilegais da milícia com dinheiro público, mostra investigação do MP

Reportagem do Intercept revela os detalhes do escândalo que envolve o clã Bolsonaro; investigações preocupam o presidente, acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de interferência política na PF.

Com informações do Intercept Brasil
25/04/2020

Com exclusividade, o Intercept Brasil teve acesso a documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público que revelam como o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) financiou e lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. A reportagem é de Sérgio Ramalho.

Flávio Bolsonaro enriqueceu substancialmente no período em que se relacionava com milicianos.
Foto: Pedro França/Agência Senado

O esquema da “rachadinha” do gabinete de Flávio já era conhecido e alvo de inquérito, porém o aprofundamento das investigações revelou a ligação do filho de Bolsonaro com negócios da milícia no Rio de Janeiro, e os detalhes dessa conexão ainda não haviam sido revelados. Até este sábado (25).

A reportagem aponta que o investimento para as edificações levantadas por três construtoras foi feito com dinheiro de “rachadinha”, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, como afirmam promotores e investigadores sob a condição de anonimato. Segundo o Intercept, as investigações que fecham o cerco contra o senador é um dos motivos para que o presidente tenha pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia Federal no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília.

O presidente Jair Bolsonaro foi acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de tentar interferir também na PF do Rio. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil 

O inquérito do MP apura fatos de organização criminosa, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público pelo filho de Bolsonaro. De acordo com a reportagem, “os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.”

A reportagem do Intercept resume assim o funcionamento do esquema:

• Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj.

• A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.

• A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.

• As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.

• O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público.

Trecho da denúncia do MP que serviu de base para o inquérito das rachadinhas. Foto: reprodução

O ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega foi morto a tiros em fevereiro deste ano em um controverso cerco policial no interior da Bahia com indícios de queima de arquivo. Na ocasião, foram apreendidos diversos celulares do miliciano, que ainda aguardam por perícia. Quando era deputado estadual, Flávio Bolsonaro condecorou Adriano com a Medalha Tiradentes, principal honraria do Rio.

A reportagem do Intercept apurou que “as investigações do MP revelaram que os repasses da rachadinha chegavam às mãos do capitão Adriano por meio de contas usadas por sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, e sua esposa, Danielle da Costa Nóbrega. As duas ocupavam cargos comissionados no gabinete do deputado na Alerj entre 2016 e 2017. Ambas nomeadas por Queiroz, amigo do ex-capitão dos tempos de 18º batalhão da Polícia Militar, Jacarepaguá.”

Conforme o MP, a mãe e a mulher de Adriano movimentaram ao menos R$ 1,1 milhão no período analisado pela investigação. Parte desse valor foi repassado a construtoras que foram registradas em nome de “laranjas” do Escritório do Crime. Essas construtoras ergueram prédios ilegais em Rio das Pedras e Muzema, com atuação de milicianos ligados a Flávio Bolsonaro.

O “chefe” do Escritório do Crime era justamente o ex-capitão do Bope. A ligação dele com as empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi descoberta na investigação das execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime revelaram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros, destaca a reportagem do Intercept.

Denúncia cita a milícia de Adriano, construções e empresas em nome de laranjas. Foto: reprodução

‘Investidor’
O papel de “investidor” nas construções da milícia ajudaria a explicar a evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro, registra o Intercept. Entre 2015 e 2017 o parlamentar adquiriu dois apartamentos na zona sul do Rio de Janeiro e passou a ter participação societária numa franquia da loja de chocolates Kopenhagen.

Flávio entrou na vida política em 2002 e declarou que tinha apenas um carro Gol 1.0, no valor de R$ 25,5 mil. Na última declaração de bens, de 2018, o senador disse que tinha R$ 1,74 milhão. A elevação patrimonial coincide com o período em que a mãe e a mulher do ex-capitão estavam nomeadas em seu gabinete, lembra a reportagem de Sérgio Ramalho.

O temor de Queiróz
“O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”. A frase de Queiroz foi dita em áudios de Whatsapp divulgados pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo em outubro do ano passado. À época, muito se especulou a que ele se referia. Investigadores ouvidos pela reportagem do Intercept “acreditam que Queiroz sabia que o inquérito tinha identificado o uso do dinheiro desviado no esquema de rachadinha para financiar as construções ilegais na Muzema e em Rio das Pedras.”

O senador Flávio Bolsonaro foi procurado pelo Intercept para comentar as acusações ou dar sua versão, mas não se manifestou.

Confira a reportagem completa AQUI.

Edição: Crítica21

Nenhum comentário