Ministério da Saúde registra primeiro caso de Covid-19 em Yanomami
A suspeita é de que a disseminação do novo coronavírus tenha acontecido por garimpeiros que invadem a Terra
Indígena, em Roraima.
O povo Yanomami quer a expulsão dos garimpeiros. Foto: Bruno Kelly |
Por Nayra
Wladimila e Kátia Brasil - Amazônia Real
08/04/2020
O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami,
ligado ao Ministério da Saúde, informou na noite desta terça-feira (7), que um
segundo teste realizado em um adolescente da etnia Yanomami, de 15 anos, deu
positivo para o novo coronavírus, em Roraima.
Lideranças indígenas acreditam que a invasão de
garimpeiros possa ser o vetor de transmissão da doença na Terra Indígena
Yanomami. No território, localizado entre os estados de Roraima e Amazonas,
vive uma população 26.789 pessoas.
“Diante desse resultado, a equipe do Dsei Yanomami vem
realizando as medidas protocoladas e as recomendações do que determina o
Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)”,
anunciou um comunicado do órgão federal. O jovem está em tratamento na Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista.
Com a confirmação do teste positivo no jovem Yanomami,
aumentou para cinco o número de indígenas da Amazônia infectados com a
doença. Em Santo Antônio do Içá, no Amazonas, quatro indígenas do povo
Kokama estão no isolamento devido à contaminação do novo coronavírus.
Segundo o Instituto Sociambiental (ISA), dois indígenas já morreram infectados pela doença: uma mulher da etnia Borari, de 87 anos, de Alter do
Chão, em Santarém (PA); e um homem do povo Mura, de 55 anos, do município de
Itacoatiara, no Amazonas. Como eles viviam em cidades e, por isso são
classificados como indígenas não aldeados, os dois não foram atendidos pela Sesai.
Atendimento precário
A suspeita de Covid-19 no adolescente Yanomami foi
anunciada na última sexta-feira (03) quando ele foi internado no Hospital Geral
de Roraima (HGR), em Boa Vista, com sintomas de gripe. O Dsei informou que o
quadro de saúde do jovem era de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O
exame realizado com as amostras das secreções (garganta e nariz) do adolescente
teve resultado negativo para Covid-19. A suspeita continuou a ser investigada.
O adolescente permaneceu internado na UTI.
A situação da saúde do jovem Yanomami levou pânico aos
povos indígenas de Roraima. Ele mora na região do polo base Uraricoera, no
município de Alto Alegre, dentro da Terra Indígena Yanomami, área de grande
fluxo de garimpeiros – estima-se que 20 mil estejam dentro do território
explorando ilegalmente ouro e outros minérios.
Gerson Xiriana, presidente da Texoli Associação Ninam do
Estado de Roraima, um dos subgrupos Yanomami, disse que o clima na aldeia é de
medo sobre “esse coronavírus”, principalmente por causa da invasão de
garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. “Vamos nos proteger com nossos pajés,
eles vão defender as aldeias”, disse.
A notícia do primeiro caso de Covid-19 entre indígenas
Yanomami repercutiu nas redes sociais. O antropólogo francês Bruce Albert disse
que o jovem vive em uma aldeia “da região do rio Uraricoera área de garimpo”.
Ele também destacou que o adolescente não foi atendido pelo sistema de saúde
quando sentiu os primeiros sintomas da gripe.
“Estava (o jovem) perambulando entre Casai leste e HG de
RR desde 19/3 com sintomas respiratórios característicos e prescrição de
antibióticos. Conviveu com muita gente desde então”, disse o antropólogo e
etnógrafo Bruce Albert, amigo do líder e xamã Davi Kopenawa desde os anos 70 e
ambos parceiros na autoria do livro “A queda do céu”.
Junior Simões, também da Texoli Associação Ninam do
Estado de Roraima, repercutiu na rede social de Bruce Albert a situação do
jovem Yanomami. “Vale ressaltar que este paciente esteve na comunidade
Uraricoera antes de ser removido; e somente foi removido após a comunidade
ameaçar a equipe, logo o Dsei removeu, porém, levou a equipe de saúde da
comunidade deixando o posto fechado. Logo nenhum protocolo foi seguido de
imediato como preconiza o MS. Várias comunidades podem estar infectadas com
este vírus após esse caso confirmado”, afirmou.
No dia 19 de março, a Hutukara Associação Yanomami (Hay),
dirigida pelo líder Davi Kopenawa Yanomami, alertou que a invasão de
garimpeiros, que já impacta a saúde e o meio ambiente, é um perigo para a
disseminação da pandemia de coronavírus no território.
“Tem muitos caminhos pelos rios, pelo ar e pela terra que
os garimpeiros abriram na Terra Indígena Yanomami. Isso é uma grande ameaça à
nossa saúde. Eles têm barcos, helicópteros e aviões, e assim invadem nossas
terras sem nossa autorização, trazendo doenças e destruição à terra-floresta.
As autoridades precisam tomar medidas urgentes para impedir essa circulação
ilegal”, disse o comunicado da Hutukara.
Em Roraima, até esta terça-feira (6), o Ministério da
Saúde confirmou 49 pessoas infectadas por coronavírus e uma morte. Os casos se concentram
em Boa Vista, com 42 confirmações, Alta Alegre (1), Cantá (3), Bonfim (3),
município que faz fronteira com a Guiana. A Sesai ainda não incluiu na plataforma de dados a confirmação
do caso no jovem Yanomami.
Morte de motorista da Casa do Índio
A primeira morte por Covid-19 no estado foi a de Edil
Castro Miranda, de 61 anos, motorista da Casa do Índio, administrada pela
Sesai. Edil cumpria a quarentena domiciliar, mas em 28 de março deu entrada no
Hospital Geral de Roraima (HGR) tendo como sintomas de febre, tosse e
dificuldade para respirar. Foi encaminhado para a Unidade de Tratamento
Intensivo (UTI), onde foi diagnosticado com o novo coronavírus. O idoso também
era diabético e hipertenso.
Isolado, Edil recebeu ventilação mecânica e foi medicado
com cloroquina e azitromicina, alguns dos remédios sugeridos pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) para tratar o vírus. Mas na tarde da sexta-feira (3 de
abril) ele foi a óbito.
Em outras terras indígenas, como a Raposa Serra do Sol,
os povos estão cumprindo as regras de isolamento social. O coordenador-geral do
Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Taurepang, tem circulado por várias
comunidades e verificou muitas sinalizações de proibição de acesso, porém viu
poucos guardas.
“As pessoas estão cada vez mais se conscientizando e os
grupos de vigilância estão se fortalecendo e se adaptando a todo cuidado,
fazendo alternância de turnos (entre 4 e 5 por turno) para evitar
aglomerações”, explicou Enock. A orientação é que eles trabalhem de acordo com
os decretos municipais. “Há pessoas que não entendem, acham que essas
proibições são só para estimular brigas”, diz.
Algumas comunidades estão vendo de maneira positiva essa
vigilância, segundo Enock Taurepang. As dificuldades de acesso, além de
inibirem a entrada do vírus, têm reduzido crimes, como garimpo, venda de drogas
e bebidas alcóolicas e roubo de animais.
“Temos tentado ficar o máximo dentro das nossas
comunidades. Quando precisamos sair, para comprar algo na sede dos municípios
ou em Boa Vista, nos sentimos um pouco impotentes, pois sabemos que os casos
têm crescido de forma surpreendente. As comunidades ficaram assustadas
principalmente com o primeiro óbito em Roraima. Mas temos nos resguardado ao
máximo”, disse o coordenador.
O CIR, que representa 242 comunidades, suspendeu por
tempo indeterminado as viagens nacionais e internacionais de todos os membros
da instituição e recomendou ainda que as lideranças evitem visitas dentro de
suas terras. Para indígenas recém-chegados de viagens para áreas de transmissão
do coronavírus e com sintomas, a orientação é que procurem atendimento médico
antes de regressarem às aldeias. Os eventos do Movimento Indígena, incluindo o
Acampamento Terra Livre Roraima 2020, foram adiados.
A agência Amazônia Real procurou a
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Dsei Yanomami para repercutir
o primeiro caso de Covid-19 em indígena Yanomami, mas não obteve resposta sobre
as ações que serão tomadas a partir de agora. O órgão não informou de quem o
menino contraiu a doença.
Plano de contingência
No dia 17 de março, a Sesai tornou público na internet o
“Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus
(Covid-19) em povos indígenas”. A série de 12 documentos distribuídos pela
Sesai orienta quais procedimentos devem ser adotados na prevenção e no
tratamento de indígenas infectados com coronavírus.
Para agilizar os procedimentos, foi pedida a dispensa de
licitação para a aquisição de máscaras cirúrgicas descartáveis; álcool em gel
70%; máscara N95 (classe PFF-2); luvas, aventais e toucas descartáveis; óculos
de proteção individual; sabão líquido e papel toalha. Cada Dsei deve informar
sobre outros insumos que venham a precisar.
A Sesai também anunciou o envio de 6.000 testes rápidos
para Covid-19 para os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) no
país. O órgão, que é o responsável por planejar, coordenar, supervisionar,
monitorar e avaliar a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos
Povos Indígenas, observados os princípios e as diretrizes do Sistema Único de
Saúde (SUS), atende a uma população de mais de 800 mil indígenas aldeados. Na
Amazônia Legal, 25 Dseis atendem a uma população de 433.363 pessoas.
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