Sem trabalho, profissionais do sexo trans passam a mendigar para sobreviver
“A população trans não tem hábito de guardar
dinheiro por ter ideia de que vai morrer jovem”, lamenta presidente de
associação de travestis.
Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo |
Por Paulo
Eduardo Dias – Ponte Jornalismo
04/04/2020
Inicialmente tímida, Sofia vai se abrindo quando começa a
falar dos percalços que enfrenta, exibindo um sorriso largo que exibe a
perfeição de seus dentes brancos. Conta que fazia ponto na região central da
cidade de São Paulo, faturando até R$ 60 por dia.
Os homens que costumavam procurá-la, geralmente com mais
de 40 anos, contudo, desapareceram em meio à pandemia do novo coronavírus.
“Trabalho na Luz e no Parque Dom Pedro, a gente está lá e não passa ninguém.
Não chegam nem perto da gente”, conta. Sobre o que sente mais falta de comprar
com o dinheiro que recebia pelos programas, é taxativa: “maquiagem, produtos de
higiene, xampu e condicionador”.
Sofia e outras mulheres trans profissionais do sexo estão
reunidas, no final da tarde terça-feira (31/3), ao redor de uma televisão em um
espaço denominado Atende, administrado pela Prefeitura de São Paulo, no
cruzamento das Alamedas Helvétia e Cleveland, nos Campos Elíseos, uma das
regiões mais degradadas da cidade mais rica do país. Ali, juntas a uma centena
de pessoas, elas podem usar o banheiro e se alimentar, já que o local possui
mesas e bancos de concreto, além de cortar o cabelo e participar de oficinas.
Não é fácil ficar naquele espaço. Tanto pelo odor, uma
mistura de roupa úmida, urina, e fezes, como pela situação de vida, com pessoas
dormindo no chão, brigas de casais a todo momento, além de ração para animais
espalhadas pelo chão.
Mesmo com a pandemia, o fluxo de venda de drogas segue a
todo vapor no bairro, com homens e mulheres de passos apressados passando de um
lado para o outro, alguns com cachimbos nas mãos.
As vendas no “shopping cracolândia”, em que são expostas
em lonas no chão roupas usadas para crianças e adultos, dá o tom do desespero
para conseguir um trocado. De longe, uma aglomeração de guardas civis
metropolitanos usando máscaras acompanha a movimentação. Apenas os guardas e
pessoas que prestam algum auxílio aos moradores de rua, como doadores de
comida, vestem máscaras.
“Final dos tempos”
Conversando com a reportagem, as mulheres trans, pobres e
pouco escolarizadas, contam que muitas encontraram na prostituição a sua única oportunidade
de sustento, mas que nos últimos dias viram até essa possibilidade desaparecer.
Enquanto algumas se envolvem com pequenos delitos, conforme uma delas contou à
reportagem, existem aquelas que passaram a “manguear”, ou seja, pedir dinheiro
em semáforos ou na rua.
É o caso de Carola Bittencourt, 23 anos. A mulher trans,
negra de cabelos encaracolados, que faz ponto no centro, se alternando entre
Luz, Largo do Arouche e Praça da República, afirma estar “com medo de ser o
final dos tempos”.
“Está muito difícil. Não fiz nada até agora. Tem final de
semana que bomba. Esse último não tinha uma alma”, conta. Carola conseguia
entre R$ 80 e R$ 90 num dia considerado bom, no entanto, desde a quarentena tem
obtido de R$ 10 a R$ 15.
Ao lado dela, Ágata Marçal, 24 anos, toma um prato de
sopa entregue por uma das entidades que diariamente oferecem auxílio aos
moradores de rua da região. Maquiada e com brilho nos lábios, conta que mora em
uma pensão na região e que faz programa no entorno da USP (Universidade de São
Paulo), no Butantã, zona oeste. “Diminuiu bastante. Tinha final de semana que
conseguia entre R$ 300 a R$ 500. Hoje não faço nem R$ 100. Estou dependendo de
doações.”
Ágata afirma ter medo do coronavírus, mas que está se
precavendo para não adoecer, sustentando que deixou de ir trabalhar no Butantã
para evitar aglomeração no metrô. “Uso álcool em gel quando tem, mas estou
lavando as mãos toda hora. Está sendo a pior fase para ganhar dinheiro. Não
imaginava que o coronavírus iria agredir tanto o trabalho da gente”, diz.
A reportagem da Ponte já deixava o local
quando foi apresentada a Heloise Delamer, 28 anos. Mesmo falando pouco, a moça
resume como está a sua situação e de tantas outras mulheres trans pobres:
“Nesses dias não fiz nem para a cachaça”.
As dificuldades das mulheres trans profissionais do sexo
durante a pandemia de Covid-19 preocupam a presidente da Antra (Associação
Nacional de Travestis e Transexuais), Keila Simpson Sousa, 54 anos, que vê no
auxílio do governo a única solução para que não morram de fome.
“Precisamos resolver logo essas ajudas que estão vindo
dos órgãos governamentais, porque essa vai ser, talvez, a única alternativa que
vamos ter para a população trans sobreviver nesse período de pandemia”, pontua.
Para Keila, as trans que ganham a vida através da
prostituição “estão à mercê”. “Muitas delas não têm renda, não tinham dinheiro
guardado esperando exatamente isso. A população trans não tem esse hábito de
guardar dinheiro. Como tem uma ideia de que vão morrer muito jovem, elas não se
preocupam com o futuro”.
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