Taxar fortunas: tributação de riqueza ganha força diante da pandemia de coronavírus
Imposto sobre os mais ricos é previsto na
Constituição e poderia ajudar a combater a Covid-19.
Por Caroline
Oliveira - Brasil de Fato
13/04/2020
A pandemia causada pelo novo coronavírus resgatou o
debate de iniciativas voltadas à ampliação da igualdade
social. Depois de concretizada a renda básica, que institui
um auxílio financeiro aos brasileiros durante o isolamento social, ganha
força o projeto de tributação de grandes fortunas. Nesta segunda-feira
(13), a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo iniciaram a
campanha Taxar Fortunas para Salvar Vidas por meio de um abaixo-assinado.
Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e a taxação de fortunas pode minimizar o problema. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil (arquivo)
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A campanha tem como propostas a taxação de lucros e
dividendos das pessoas físicas detentoras de cotas e ações de empresas; a instituição
de alíquota sobre os lucros remetidos ao exterior; a cobrança do imposto sobre
grandes fortunas, previsto na Constituição Federal; dar maior efetividade à
cobrança do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), atualizando os
valores das grandes propriedades que estão totalmente defasados; e o empréstimo
compulsório das empresas com patrimônio superior a 1 bilhão de reais.
"A enorme desigualdade social, resultado da injusta
carga tributária no Brasil nos trouxe ao patamar que hoje estamos. É urgente
que se implemente medidas de taxação no andar de cima para que caminhemos em
direção a Justiça Tributária. Os acumuladores de riqueza, os banqueiros, os
especuladores do mercado financeiro, os milionários são os que menos pagam
impostos hoje no Brasil e são os que mais reclamam do Estado ser grande demais.
Precisamos taxar quem ganha mais e diminuir de quem ganha menos, dos mais
pobres", diz o texto de apresentação da campanha.
Propostas no Congresso Nacional
Desde o início da pandemia, duas propostas de lei foram
criadas no Senado Federal. A primeira, de autoria da senadora Eliziane Gama
(Cidadania-MA), cria uma taxação que varia de 0,5% a 1%, dependendo do
valor do patrimônio, com o objetivo de financiar políticas de proteção
social contra a Covid-19.
Como um imposto só pode ser implementado a partir do ano
seguinte ao de sua criação, o projeto também prevê o empréstimo
compulsório, que geraria receita mais rapidamente, mas que seria restituído a
partir de 2021. Nos dois casos, as fortunas atingidas são as que
ultrapassam 12 mil vezes o limite de isenção do Imposto de Renda, que
atualmente é de R$ 1.903,98 mil. Se aprovada, a lei teria como alvo,
portanto, patrimônios de mais de R$ 22,8 milhões.
Um outro projeto de lei, do senador José Reguffe
(Podemos-DF), segue o mesmo caminho: a tributação, em alíquota de 0,5% ao ano,
sobre patrimônios de mais de 50 mil salários mínimos. Ou seja, o projeto atinge
fortunas acima de R$ 52,2 milhões. Uma pessoa que tivesse esse patrimônio, por
exemplo, pagaria um imposto anual de R$ 261 mil. A tramitação de ambos os
projetos, no entanto, encontra obstáculos e ainda não foi iniciada no Senado.
Esses projetos se unem a dois outros que já tramitavam no
Senado. O do senador Plínio Valério (PSDB-AM), do ano passado, serviu
de base para a criação da proposta apresentada pela senadora
Eliziane. O projeto mais antigo é o do senador Paulo Paim (PT-RS),
proposto em 2015, que cria um tributo de 1% sobre as grandes
fortunas. Nenhum deles foi apreciado por comissões na casa.
Foto: divulgação |
Imposto é previsto na Constituição
A Constituição Federal do Brasil prevê, no artigo 153,
a existência de um imposto sobre grandes fortunas, mas diz
também que ele deve ser regulamentado por lei complementar, o que nunca
ocorreu. “Muitas vezes, quando se tentou aprovar esse imposto sobre grandes
fortunas, a grande argumentação que as pessoas faziam é que os mais ricos vão tirar
o dinheiro do país, vão levar para outro local e aí, além de perder dinheiro do
país, não se vai conseguir tributar”, afirma Grazielle David, doutoranda em
economia e assessora da Rede Justiça Fiscal.
Uma regulamentação pode, no entanto, adotar o controle de
sonegação e elisão fiscal para evitar o fluxo de capital, explica a economista.
“Naturalmente uma regulamentação sobre impostos de grandes fortunas tem que vir
acompanhada de regulamentação sobre fluxo de capital. Isso já quebra um
primeiro argumento.” Projetos desse tipo também esbarram em questões políticas:
os legisladores são de famílias tradicionais, que possuem grande fortuna e
herança, logo “não existe interesse em se autotributarem”, afirma Grazielle.
Os dois projetos apresentados depois do início da
pandemia têm validade. Se aprovada a lei da senadora Eliziane Gama, o tributo
teria a mesma duração do teto de gastos, instituído por emenda
constitucional em 2016. Já o proposto pelo senador José Reguffe ficaria em
vigor apenas durante o período de pandemia.
O dinheiro já poderia estar em circulação e sendo usado
para equipar hospitais e comprar equipamentos, de acordo com o senador Plínio
Valério. "Se nosso projeto de taxação das grandes fortunas tivesse sido
aprovado, o Brasil estaria contando com tantos bilhões a mais para combater o
coronavírus", escreveu em seu perfil no Twitter.
Autor do projeto mais antigo em tramitação, o
senador Paulo Paim também se pronunciou pela rede social. "Pautar a
taxação das grandes fortunas já passou da hora", disse. O parlamentar reapresentou
sua proposta no final de março, solicitou que as quatro
iniciativas tramitem juntas e apresentou requerimento pedindo
urgência. Segundo ele, com a aprovação seria possível arrecadar R$ 40
bilhões por ano, um dinheiro que deveria ser usado para combater o
coronavírus.
Não há um consenso hoje, afirma Grazielle David, sobre
quanto o Brasil poderia arrecadar com a criação do imposto. Os números variam
entre os R$ 40 bilhões mencionados por Paim e R$ 100 bilhões por ano. Ela explica
que é mais simples fazer o cálculo quando se trata de tributação em cima de
renda, uma vez que existem bases de dados disponíveis. No entanto, quando o
assunto é riqueza acumulada, a projeção é mais difícil, pois não há
informações sobre o tamanho do patrimônio dos cidadãos.
Grazielle explica que a tributação é importante por dois
motivos. O primeiro é que o Brasil precisa arrecadar recursos financeiros não
só em decorrência da crise gerada pela pandemia, mas pelos resquícios da
recessão econômica. Outro fator é a necessidade que o país tem
de encontrar mecanismos de financiamento mais justos. Trata-se
da “possibilidade de redução de desigualdade, uma resposta mais
democrática e mais justa para lidar com o financiamento do estado”, completa.
Sistema tributário regressivo
O economista Pedro Humberto
Carvalho, especialista em tributação e pesquisador do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que um modelo
possível para o Brasil seria instituir um imposto para o contribuinte que
tem fortuna declarada superior a R$ 10 milhões. A tributação seria
feita com alíquotas que variem de 0,5% a 3%, o que geraria uma
arrecadação de R$ 40 bilhões provenientes de 70 mil contribuintes. O
montante equivaleria a 0,5% do Produto Interno Brasileiro (PIB).
Carvalho afirma que esse tipo de imposto mitigaria
o efeito regressivo do sistema tributário do país. “É
uma alternativa para se chegar à tributação dos brasileiros que realmente não
pagam imposto de renda, porque ele cai abruptamente quando chega no
0,5% mais rico da população. Essa classe de contribuintes tem boa parte da
sua renda isenta de imposto por causa da isenção sobre lucros e
dividendos”, explica.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional a proposta
"Reforma Justa e Solidária", que toca justamente na regressividade do
sistema tributário. De acordo com o economista Eduardo Fagnani, professor da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essa é uma das principais causas
de desigualdade econômica no país. O Brasil ocupava a sétima posição entre os
países mais desiguais do mundo em relatório do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado em dezembro de 2019.
“Não é verdade que o Brasil tem a maior carga tributária
do mundo, mas é verdade que somos campeões mundiais na tributação sobre o
consumo, que representa quase 50% do total arrecadado, enquanto a média dos
países da OCDE é de 32% e, nos Estados Unidos, 17%. O problema da
tributação sobre o consumo é que penaliza o pobre, que consome tudo o que
ganha”, afirma.
A reforma é subscrita por todos os partidos da oposição
e referenciada por 40 especialistas da área, entre economistas e auditores
fiscais. O objetivo é simplificar a tributação, mas também ampliar a
progressividade, elevando os tributos sobre a renda e o patrimônio e reduzindo
os tributos sobre o consumo e a folha de pagamento.
De acordo com a proposta, rendas de até quatro
salários mínimos não seriam tributadas. Assim, 38,55% dos declarantes
ficariam isentos do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). Para rendas
que vão de quatro a 40 salários, haveria uma alíquota
partindo de 7,5% que aumentaria progressivamente até chegar a 27,5%.
A partir de 40 salários mínimos, a tributação iniciaria em 35%,
podendo chegar a 40%.
Edição: Cris Rodrigues e Leandro Melito – Brasil de Fato
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