Censura no SBT “remete aos mais sombrios dias da ditadura militar”, aponta FNDC
Fórum pela Democratização da Comunicação aponta que o jornal da emissora não foi ar após reclamações do governo federal.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) classificou como “extremamente grave” o veto à exibição da edição de sábado (23) do telejornal SBT Brasil, da emissora de mesmo nome. O fórum, que atua contra a concentração econômica da mídia e em defesa da liberdade de expressão, entre outros temas, reúne mais de 500 filiadas, entre associações, sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais e coletivos.
Jair Bolsonaro em participação no Programa Silvio Santos no ano passado. Foto: divulgação/SBT |
“Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, apesar de ser um grupo privado, o SBT opera um canal de televisão que é uma concessão pública e, portanto, está sujeito ao cumprimento de obrigações legais muito claras, como assegurar suas finalidades educativas, informativas e culturais. A liberdade de radiodifusão, definida em lei, jamais pode ser abusiva nem tampouco privilegiar interesses político-partidários”, diz o texto pelo FNDC. Para o fórum, a censura remete “aos mais sombrios dias da ditadura militar instaurada no país com o golpe de 1964, quando a censura do Estado fazia parte da rotina das redações”.
A nota aponta ainda que a programação foi cancelada e substituída sem que houvesse qualquer esclarecimento ao público. “Tudo se deu possivelmente a partir de um simples telefonema, ressuscitando uma das mais odiosas práticas do período em relação à imprensa.”
"O episódio é mais um de uma série de intervenções no jornalismo do 'dono' do SBT, Sílvio Santos, que solenemente ignora o fato de que se trata de uma concessão pública, o que, legalmente, o obrigaria a cumprir uma série de requisitos impedindo que a TV fosse usada em benefício de interesses políticos particulares."
O Brasil de Fato entrou em contato com a emissora pelos meios disponíveis no site do SBT, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Confira a nota na íntegra:
Nota pública: censura no SBT é violação grave do direito à comunicação
A informação de que o principal telejornal do
SBT, o SBT Brasil, teve sua exibição vetada na edição deste sábado (23), é
extremamente grave. De acordo com informações do jornalista Maurício Stycer,
colunista do portal UOL, também confirmada por outras fontes, a ordem para
cancelar a exibição noticiário teria partido do dono do SBT, o empresário
Silvio Santos, após reclamações do governo federal sobre a cobertura que o
jornalismo da emissora vinha fazendo da repercussão do vídeo da reunião
ministerial de 22 de abril, reunião esta que evidenciou a tentativa do
presidente Jair Bolsonaro de intervir nos órgãos de segurança, em especial na
Polícia Federal (PF), para atender seus interesses privados.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, apesar de ser um grupo privado, o
SBT opera um canal de televisão que é uma concessão pública e, portanto, está
sujeito ao cumprimento de obrigações legais muito claras, como assegurar suas
finalidades educativas, informativas e culturais. A liberdade de radiodifusão,
definida em lei, jamais pode ser abusiva nem tampouco privilegiar interesses
político-partidários. Ao determinar a censura de um material informativo que
poderia desagradar ao presidente da República, o SBT pode ter incorrido na
violação, por exemplo, de dispositivos contidos no Decreto 52.795/63:
"Art. 62. A liberdade da radiodifusão não exclui a punição dos que
praticarem abusos no seu exercício" e "Art. 63. Nenhuma autoridade
poderá impedir ou embaraçar a liberdade da radiodifusão, fora dos casos
autorizados por lei".
O ocorrido na noite de sábado nos remete aos mais sombrios dias da ditadura
militar instaurada no país com o golpe de 1964, quando a censura do Estado
fazia parte da rotina das redações. A edição do SBT Brasil foi cancelada e
substituída, sem qualquer esclarecimento ao público, por um programa de
variedades e tudo se deu possivelmente a partir de um simples telefonema,
ressuscitando uma das mais odiosas práticas do período em relação à imprensa.
Na avaliação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o
veto à exibição do SBT Brasil foi claramente uma censura às informações sobre o
vídeo da reunião ministerial onde o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros
proporcionam um vergonhoso espetáculo de autoritarismo, insensibilidade social
e ignorância, proferido em uma linguagem de nível tão baixo que chega a ser
constrangedora reproduzi-la. No vídeo, pudemos conhecer, entre outras
atrocidades, a proposta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em
aproveitar a "distração" da imprensa, voltada à cobertura da pandemia,
para flexibilizar leis ambientais; a defesa que o ministro da Educação, Abraham
Weintraub, fez da prisão de integrantes do STF; e a da ministra dos Direitos
Humanos, Damares Alves, em prender os governadores que adotarem o isolamento
para conter a disseminação da covid-19.
Há de se ressaltar que a divulgação do vídeo estava autorizada pelo Supremo
Tribunal Federal, por se tratar de peça importante para esclarecer as acusações
feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro ao presidente, acusando-o de interferir no
trabalho da PF, sendo assim, de óbvio interesse público.
O episódio é mais um de uma série de intervenções no jornalismo do “dono” do
SBT, Sílvio Santos, que solenemente ignora o fato de que se trata de uma
concessão pública, o que, legalmente, o obrigaria a cumprir uma série de
requisitos impedindo que a TV fosse usada em benefício de interesses políticos
particulares, como já foi ressaltado. Além do mais, a decisão desrespeita não
apenas o direito a informação dos espectadores, mas também o trabalho dos
jornalistas e da equipe técnica envolvida em sua produção.
Esta prática odiosa de censura precisa ser veementemente combatida, não apenas
no SBT, mas em todos os veículos de comunicação. O FNDC conclama as forças
democráticas, os profissionais da comunicação, as autoridades responsáveis não
apenas a um vigoroso protesto, mas, principalmente, a tomar todas as medidas
legais possíveis para inibir definitivamente que estes episódios se repitam.
Brasília, 24 de maio de 2020.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Edição: Camila Maciel – Brasil de Fato
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