Em decisão histórica, veículos de imprensa suspendem cobertura na porta do Alvorada
Incitada pelo presidente, claque bolsonarista ofende e ameaça jornalistas que trabalham em Brasília; agressões alimentam clima de violência e radicalismo.
Após uma escalada de ataques verbais e hostilidades aos jornalistas que fazem a cobertura presidencial do lado de fora do Palácio da Alvorada, empresas de comunicação do Brasil anunciaram a suspensão temporária do plantão de repórteres no local devido à falta de segurança.
"Cercadinho" em frente ao Palácio da Alvorada tem sido cada vez mais insalubre e arriscado para profissionais da imprensa. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas |
Os grupos Globo e Bandeirantes, o jornal Folha de S. Paulo e o portal Metrópoles tomaram a decisão depois que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro elevaram o tom da agressividade e se aproximaram - exaltados - da única grade que separa militantes de quem está trabalhando.
Há um mês e meio, o jornal Correio Brasiliense já havia abandonado por tempo indeterminado a cobertura, ao perceber o agravamento das hostilidades no Alvorada e para evitar o contato próximo com pessoas sem a máscara de proteção.
Os xingamentos aos setoristas que esperam a saída de Bolsonaro na porta do Alvorada, conhecido popularmente como “cercadinho”, já foram proferidos tanto pelo presidente como por militantes favoráveis ao governo.
Repúdio
A Abraji e outras entidades, como a Federação Nacional dos Jornalistas e a Associação Brasileira de Imprensa, já emitiram notas de repúdio nas quais denunciaram essas humilhações e cobraram respostas das autoridades.
Em 5 de maio, a Abraji condenou a atitude do presidente, ao mandar jornalistas calarem a boca depois de ser questionado se tentou interferir na mudança da superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
Segundo relatos dos jornalistas, na manhã desta segunda-feira (25), com a lotação da área destinada à claque bolsonarista, ao lado do cercado reservado à imprensa, outros defensores do presidente ficaram do lado oposto, também diante do Alvorada.
Primeiro, o presidente se dirigiu aos repórteres e disse: “O dia em que vocês tiverem compromisso com a verdade, eu falo com vocês”. Quando Bolsonaro deixou o Alvorada sem responder às perguntas dos profissionais, seus apoiadores ocuparam parte da grade onde repórteres deixam os microfones e gritaram, entre outras coisas: “mídia lixo”, “comunistas” e “safados”.
GSI
Como a segurança no Palácio da Alvorada é de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional, o Grupo Globo enviou carta ao ministro do GSI, general Augusto Heleno, declarando que “são muitos os insultos e os apupos que os profissionais vêm sofrendo dia a dia por parte dos militantes que ali se encontram, sem qualquer segurança para o trabalho jornalístico”.
A Folha de S. Paulo decidiu que só retomará a cobertura no local “depois das garantias de segurança aos profissionais por parte do Palácio do Planalto”. O jornal afirmou à Abraji “que a intenção é sempre cobrir o presidente da República onde ele estiver. E que, tão logo sanado o problema, o jornal voltará à cobertura”.
O Metrópoles aderiu ao movimento iniciado pelo Grupo Globo e pela Folha e não vai enviar equipes “onde mais houver risco iminente para os profissionais da imprensa”. Mas ressaltou que isso não significa que “estaremos menos atentos às ações do presidente, ministros ou de grupos que os apoiam”, esclarece Lilian Tahan, diretora-executiva do portal.
Em resposta à Abraji, o departamento de jornalismo da TV Record e a assessoria de imprensa do SBT declararam que continuarão enviando repórteres ao Palácio da Alvorada. A CNN Brasil informou que “está em processo de avaliação”. O jornal O Estado de S. Paulo indicou que fará avaliações diárias da situação, mas que, por enquanto, não se manifestará.
Na ditadura militar
Não é a primeira vez que a imprensa reage coletivamente à atitude de um presidente. No final da ditadura militar, em 1984, repórteres fotográficos baixaram suas câmeras durante a passagem do presidente João Baptista Figueiredo, em protesto às grosserias do governante.
Vitor Blotta, coordenador do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, caracteriza a medida como um movimento importante da imprensa. “A atitude é correta não apenas pelo aspecto de garantir a segurança dos jornalistas, mas também porque ficou muito claro que o que acontece naquele espaço não é de interesse público”.
“O espaço das entrevistas se tornou informal, marcado pela adulação do presidente por sua claque. Há tempos que não há espaço para resposta, nem são apresentadas informações sobre as ações do governo federal. Não há condições de ter acesso a informação ou transparência. Virou um espaço para atos populistas”, opina.
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Blotta, que também é professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, explica que, além da retirada dos jornalistas, um passo importante seria estudar representações coletivas junto ao Ministério Público Federal (MPF) para fiscalizar a relação do presidente com a imprensa. “Existe uma violência contra profissionais e veículos de imprensa que fere o direito à comunicação social, previsto na Constituição”, diz.
Em comunicado enviado às redações nesta terça-feira (26), o Gabinete de Segurança Institucional divulgou nota para informar que tem aprimorado as medidas de segurança nos gradis do Palácio da Alvorada. E que o GSI “entende e respeita” os princípios de liberdade de expressão garantidos pela legislação vigente.
‘Ações radicais’
O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, lembra que, ao eleger a imprensa como inimiga, o presidente acaba produzindo um clima de desconfiança e ódio aos jornalistas que já deságua em ataques físicos contra os profissionais, como no caso dos repórteres agredidos por militantes em Porto Alegre, Brasília e em Barbacena, no interior de Minas Gerais.
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“Ao mandar repórteres calarem a boca, xingar as suas mães, propalar teorias conspiratórias contra a mídia, Bolsonaro legitima essas ações radicais”.
Segundo o monitoramento da Abraji, houve 59 ocorrências de discurso estigmatizante contra jornalistas por parte de políticos e agentes públicos em 2019 e outras 39 até 25 de maio de 2020.
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