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Chargistas reagem à censura e ao neonazismo do Governo Bolsonaro

Profissionais de todo o país se manifestaram contra tentativa de censura e intimidação por membros do governo federal.

Governo neonazista de Bolsonaro quer proibir charge que relaciona o presidente a símbolo do nazismo; jornalista Ricardo Noblat também é ameaçado por compartilhar a ilustração. Arte: Aroeira

Por Crítica21 - com informações do Brasil de Fato
17/06/2020

Profissionais do desenho e da imprensa divulgaram uma carta aberta em defesa da liberdade artística e do direito ao humor, nesta terça-feira (16). O ato foi motivado por uma decisão do ministro da Justiça, André Mendonça, que solicitou à Polícia Federal e ao Ministério Público abertura de investigação sobre uma charge de autoria de Renato Aroeira, publicada no portal Brasil 247 e compartilhada no Twitter pelo jornalista Ricardo Noblat, da revista Veja. 

A carta é assinada pela Associação dos Cartunistas do Brasil, Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Segundo os autores, “o Brasil está se tornando um país onde o humor passa a ser censurado como nos piores períodos da ditadura”. 

No desenho, Aroeira faz uma alusão à ausência de políticas sanitárias na pandemia da Covid-19. A ilustração mostra uma cruz vermelha (símbolo da saúde) transformada em uma suástica pelas mãos autoritárias do capitão reformado. O presidente tem tomado atitudes e incentivado manifestações que reforçam o caráter neonazista em sua forma de governar. Entre as ações mais recentes estão o chamamento para que aliados invadam hospitais com vítimas da doença, estímulo e participação em atos de cunho nazista, ameaças à democracia, uso de linguagem nazista e escolha de simpatizantes do nazismo para cargos-chave no governo federal.  

Nas redes sociais, o ministro da Justiça afirma que o pedido de investigação tem como base “a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social”. No Twitter, o jornalista Ricardo Noblat respondeu à Secom: “Definitivamente, a Secretaria de Comunicação da presidência da República virou mais um canal do gabinete do ódio. Isso é desvio de função. Configura crime de improbidade administrativa. Seu responsável deveria ser intimado a se explicar”.

No manifesto divulgado nesta terça, os artistas afirmam que "a função de toda boa charge é a de através do humor refletir e comentar por meio do desenho os acontecimentos de interesse do cidadão. A charge não é uma criação do nada, mas sim o termômetro do que o povo fala pelas ruas”.
 

Censura parte 2

O documento denuncia ainda uma ação na Justiça movida pela Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar contra desenhistas pela publicação de cinco charges críticas à violência policial na Folha de S. Paulo, em dezembro do ano passado. O grupo entrou com pedido de esclarecimento criminal pois as considerou “constrangedoras”. 

Mas para a categoria de artistas representada pela carta, “é descabida a afirmação de que uma charge possa ser ‘constrangedora’ quando o que deve constranger e chocar a opinião pública é o fato que a gerou”. 

A cartunista Laerte Coutinho é um dos alvos desta ação, mas não se surpreende. “Isso que está acontecendo com a gente do cartum e da charge já vinha se anunciando, de várias formas, pelo governo e por seus apoiadores. É como o fascismo atua, mesmo: intimidando, censurando, controlando a imprensa e a expressão de opinião. Temos que reagir e reconquistar o país para a vida democrática”, expressa. O processo ainda inclui os artistas João Montanaro, Alberto Benett e Cláudio Mor.

Charge de Laerte contra a violência policial que matou 9 jovens em Paraisópolis, SP.

Resistência

Para o chargista e colaborador do Brasil de Fato, Carlos Latuff, o governo Bolsonaro quer "calar os artistas da dissidência e daqueles que não se alinham com as posições fascistoides do presidente da República". Em 2019, o cartunista sofreu tentativa de censura exposição na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e teve uma arte quebrada por um parlamentar bolsonarista na Câmara dos Deputados.

Charge de Latuff vandalizada por deputado bolsonarista na Câmara dos Deputados.

Latuff relembra publicações e cartunistas que se opuseram à ditadura militar no país, como Pasquim e Henfil, e ressalta o compromisso histórico da arte. “E a guerra agora é pela civilização, é pela democracia, é pela sobrevivência. Então os chargistas que estão sendo atacados hoje, serão lembrados pela história, como aqueles que resistiram, não se dobraram, não se venderam.” 

O chargista se diz preocupado com o atual momento, mas orgulhoso por estar na linha de frente de combate ao neonazismo brasileiro. “Fico muito orgulhoso de fazer parte de um segmento artístico que está sendo alvo do fascismo bolsonarista, que ao mesmo tempo está resistindo a isso. Nós estamos escrevendo a história”. 

Apoio em rede

Sobre a tentativa de censura e intimidação do governo neonazista de Bolsonaro, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) postou no Twitter: “É estarrecedor que o ministro da Justiça, André Luiz Mendonça, instale inquérito contra o chargista @AroeiraCartum e o colunista @BlogdoNoblat por uma ilustração associando Bolsonaro ao nazismo. A aversão à crítica é própria dos aspirantes a ditadores”. 

O blogueiro e comentarista Afonso Borges puxou o abaixo-assinado “Pela Liberdade de Expressão, em solidariedade ao cartunista Aroeira”. O jornalista Leonardo Sakamoto também se posicionou, afirmando que "vale tudo para desviar o foco dos quase 45 mil mortos por covid-19 das costas do governo. Até censura". 

Vários chargistas demonstraram com arte a contestação contra a censura, inclusive em veículos internacionais, que também reproduziram a charge de Aroeira. O cartunista foi destaque no New York Times, que ressaltou o apoio de colegas de profissão: "os cartunistas brasileiros mobilizaram suas canetas em defesa de um colega que enfrenta perseguição política do governo Bolsonaro". 

O canal Meteoro Brasil publicou no YouTube um vídeo sob o título "A charge que eles não querem que você veja". Assista: 

  

Leia a íntegra da carta aberta em defesa da liberdade artística e ao direito ao humor: 

Os chargistas, caricaturistas, desenhistas e ilustradores de todo o Brasil que subscrevem esta carta aberta manifestam sua solidariedade aos colegas vítimas da intolerância e da perseguição política assim como protestam contra a violência daqueles que procuram censurá-los. 

O desprezo pela democracia dos nossos governantes chega ao ponto do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, por meio do seu ministro da Justiça, André Mendonça, solicitar à Polícia Federal e ao Ministério Público abertura de investigação sobre uma charge de autoria de Aroeira.  

A imagem, uma clara alusão a ausência de políticas sanitárias em plena pandemia causada pelo vírus da Covid-19, mostra uma cruz vermelha (símbolo da saúde) transformada em uma suástica pelas mãos autoritárias do presidente. O absurdo da iniciativa fica evidente quando sabemos que “o pedido de investigação leva em conta a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art. 26”. 

O Brasil está se tornando um país onde o humor passa a ser censurado como nos piores períodos da ditadura. O que é mais estarrecedor; uma charge ou pessoas atirando fogos sobre o STF? Esta uma ação que, sim, mereceria a atenção do ministro da Justiça. 

Como se não bastasse isso, os desenhistas Laerte, João Montanaro, Alberto Benett e Cláudio Mor estão sendo interpelados na Justiça pela publicação de cinco charges críticas à violência policial. Apresentada em dezembro de 2019 no jornal Folha de S. Paulo os trabalhos despertaram a ira da Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar, Defenda PM, que entrou na Justiça com pedido de esclarecimento criminal pois as considerou “constrangedoras”. 

A função de toda boa charge é a de através do humor refletir e comentar por meio do desenho os acontecimentos de interesse do cidadão. A charge não é uma criação do nada, mas sim o termômetro do que o povo fala pelas ruas. 

Portanto, é descabida a afirmação de que uma charge possa ser “constrangedora” quando o que deve constranger e chocar a opinião pública é o fato que a gerou. Sabemos que ao longo da história, diversas charges, cartuns e caricaturas resultaram em perseguição e represália aos artistas que a criaram, o que atesta a dimensão que o humor pode alcançar na sociedade. 

Assim sendo, protestamos contra qualquer tentativa de cercear a liberdade artística, de imprensa, de consciência e o trabalho dos chargistas brasileiros que por meio do traço ajudam na construção de um país mais justo e solidário.

Junho de 2020 

Associação dos Cartunistas do Brasil

Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo

Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

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