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Jornal de moradores de rua é tema de documentário que concorre em festival nos EUA

“De Olhos Abertos” conta a história do jornal gaúcho Boca de Rua; filme foi selecionado para o Hollywood Independent Filmmaker Awards. 

13/01/2021

Em Porto Alegre, moradores de rua produzem e vendem o seu próprio jornal, o “Boca de Rua”, único no mundo que se tem notícia. Além de uma fonte de renda, ele é a voz dessa população, uma ferramenta de denúncia e de organização perante a sociedade. 

Filme conta a história de quase 20 anos do jornal produzido por moradores de rua da capital do Rio Grande do Sul. Foto: Luiz Abreu

É sobre eles que o filme “De Olhos Abertos”, da diretora e roteirista Charlotte Dafol, trata em seus 112 minutos. Lançado pela Agência Livre para Informação Cidadania e Educação (ALICE), o documentário conta a história dos quase 20 anos do jornal. O filme já foi indicado em diversos festivais pelo mundo, e, recentemente, foi selecionado para o Hollywood Independent Filmmaker Awards, um festival de produtores independentes realizado em Hollywood, nos Estados Unidos. 

Segundo Cha, como é apelidada a diretora do filme, isso é uma grande conquista, pois este festival não é uma seleção apenas de documentários ou de filmes sobre direitos humanos, por exemplo. "De Olhos Abertos" competiu com milhares de outros filmes do mundo todo, de diversos gêneros, sendo selecionado para este festival que acontece na cidade famosa pela indústria cinematográfica, o que deve ampliar a visibilidade para a produção. 

Confira o trailer do documentário:

Entrevista com a diretora

Brasil de Fato RS fez uma entrevista online com a Charlotte para saber como foi a seleção para o festival, a experiência de produção do filme e alguns significados dessa obra. Confira: 

Brasil de Fato RS - O que representa a seleção do filme “De Olhos Abertos” no Hollywood Independent Filmmaker Awards, um festival de cineastas independentes realizado em Hollywood?

Cha Dafol - Para qualquer filme de produção independente e sem pretensão comercial, os festivais têm uma importância fundamental. Primeiro, porque eles são uma oportunidade para a obra circular pelo mundo e ser vista, o que a gente mais quer. Segundo, porque eles dão uma credibilidade ao trabalho: todos os festivais do mundo - por menor que sejam - são muito concorridos, e mais ainda na área do documentário. São centenas de filmes enviados. 

Então uma seleção é sempre um reconhecimento que merece comemoração. Por fim, o "selo" do festival (que a gente até põe no cartaz do filme) ajuda bastante na divulgação. Você mesma, por exemplo, provavelmente não fosse realizar essa matéria se não tivesse a notícia de que o filme entrou num festival! 

Agora, mais especificamente, este festival em Hollywood, apesar de não ser o Oscar, representa muito mais, por ser muito chamativo e atraente para qualquer cineasta minimamente sonhador (e me diz qual é o cineasta que não é!). E outra: quase todos os festivais onde o "De Olhos Abertos" entrou até agora eram temáticos (sobre direitos humanos, por exemplo) ou exclusivos para filmes brasileiros. Este não é. Ou seja, qualquer filme sobre qualquer assunto e produzido em qualquer lugar do mundo podia concorrer. Não há dúvida de que foram milhares de filmes enviados. Por isso, o resultado é uma grande vitória. 

Na verdade, eu nem acreditava que a gente pudesse ser selecionado e por mim, jamais teria enviado o filme. Mas no ano retrasado, quando realizamos a primeira projeção do documentário (ainda inacabado) junto com os integrantes do Boca de Rua, um deles levantou no final e disse: "Agora vamos perder a Cha para Hollywood!". Todo mundo deu risada. Foi por isso que, alguns meses depois, quando me falaram neste festival, eu resolvi tentar. Lembrando daquela frase e daquele momento, e mesmo tendo certeza de que não tinha chance nenhuma de ser selecionado! 

Como iniciou tua participação no projeto do jornal Boca de Rua e quando surgiu a ideia de fazer o filme?

Entrei no jornal em janeiro de 2008. Na época, eu estava fazendo um intercâmbio em Porto Alegre - sou da França! Nesses 13 anos, viajei bastante e morei em diversos lugares, mas sempre que chegava em Porto Alegre, eu voltava para o Boca e era acolhida como se nunca tivesse saído! A ideia do documentário veio do próprio grupo. O pessoal sabia que eu trabalhava com vídeo e comentava sobre o desejo de produzir um filme, um dia. 

Na verdade, vários projetos audiovisuais já aconteceram no passado, desde oficinas até a produção de um curta-metragem, em 2013. Mas a maioria das propostas foi levada por pessoas que não eram tão próximas do grupo. Desta vez, os integrantes queriam fazer um longa-metragem e que fosse realmente "do Boca", quer dizer, pensado junto em todas as etapas. 

O documentário conta a história dos moradores de rua de Porto Alegre que produzem e vendem há 20 anos o Jornal Boca de Rua. Como foi a produção do filme?

Cheíssima de imprevistos! Uma verdadeira aventura! O financiamento se deu com uma vaquinha na internet, que serviu só para comprar um equipamento de segunda mão e ressarcir alguns gastos de alimentação e transporte. No mais, eu chegava nas reuniões semanais de redação para filmar o trabalho do grupo e tentava marcar com alguns deles um encontro durante a semana para gravar uma cena ou um depoimento. Claro que na maioria das vezes, as coisas não aconteciam exatamente como previsto. Mas entre desencontros e improvisos, acabou dando tudo certo! 

Foram quatro meses de filmagem bastante intensos. Agora, o que costuma ser bastante subestimado é o trabalho da pós-produção! São infinitas etapas e detalhes, desde a triagem das brutas até a produção de uma cópia finalizada e legendada. Essa segunda fase durou quase um ano, ainda contando com colaborações incríveis, de profissionais engajados e muito talentosos, em todas as áreas: imagem, som, mas também música, arte gráfica, tradução, assessoria jurídica. Fazer um filme envolve muita coisa! 

O filme nos traz uma reflexão mais ampla sobre a sociedade, a violência, as drogas, os direitos humanos, mas também tenta mostrar a beleza do laço solidário, das pequenas alegrias, da dignidade com que os moradores de rua enfrentam tantas adversidades. Como diz o Paulo “na rua se aprende coisas melhores e piores que no colégio.” O que tu aprendeste com a produção do filme?

Acho que aprendi a confiar - tanto em mim mesma, quanto nos outros e nos próprios acontecimentos da vida - e ao mesmo tempo, aprendi a abraçar qualquer situação. Afinal, não temos controle sobre nada! A vida sempre te surpreende. Às vezes com muita maldade, porém às vezes com coisas boas - e os próprios integrantes do Boca de Rua falariam muito melhor do que eu sobre isso. Mas de qualquer forma, é importante desapegar do que você esperava para perceber a beleza de um momento. 

Importante também não se desesperar quando nada acontece como previsto ou quando a sorte não está do seu lado. No caso, quando me sentia muito perdida, eu respirava fundo e repetia para mim mesma: "Vai dar tudo certo... vai dar tudo certo... vai dar tudo certo... vai dar tudo certo". E era isso! Olha! Deu tudo certo! A gente tá em Hollywood! 

Como se pode assistir ao filme?

Fizemos quatro sessões especiais de pré-estreia em dezembro, para lançar o filme nas redes e arrecadar fundo para a sua divulgação. Mas neste momento, ele se encontra fora do ar. Estamos estudando as possibilidades de distribuição, seja na internet ou na televisão. O nosso sonho era, obviamente, passar ele em salas de cinema, mas infelizmente, é bem pouco provável que isso aconteça num futuro próximo. No entanto, estamos completamente abertos para organizar projeções ou sessões virtuais em cineclubes, salas de aula ou coletivos. É só entrar em contato com a gente pelo site do filme.  

Matéria publicada no Brasil de Fato Rio Grande do Sul (Edição: Ayrton Centeno) 

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