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‘Não há espaço para retrocessos autoritários’: ato na USP marca reação da sociedade civil contra Bolsonaro

Evento fez alusão à leitura da ‘Carta aos Brasileiros’, de 1977, e alertou para as ameaças ao regime democrático após ataques do atual presidente da República. 

Ato ocorreu no Largo de São Francisco, da Faculdade de Direito da USP, em SP. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Por Vitor Nuzzi - RBA
11/08/2022 

Assim como a política e a democracia do país, o clima na manhã deste 11 de agosto na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) era instável, alternando garoa e aberturas de sol. Mas não choveu das 12h17 às 12h23, os seis minutos necessários para a esperada leitura da Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, que até as 17h30 estava com 976 mil assinaturas. 

Com homenagens aos 21 remanescentes da Carta original, de 1977, três brasileiras e um brasileiro, brancos e negras, se revezaram na leitura, avisando que “no Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários”. 

Os escolhidos foram as professoras Eunice de Jesus Prudente e Maria Paula Dallari Bucci, o ex-ministro Flávio Bierrenbach e a vice-diretora da faculdade, Ana Elisa Bechara. Enquanto o músico Emiliano Castro dedilhava o violão, eles leram o texto – que, ao mesmo tempo em que alerta para o “imenso perigo atual”, faz paralelo com a tentativa golpista ocorrida em 2021 nos Estados Unidos. 

“Lá não tiveram êxito. Aqui também não terão”, afirmaram, em um dos momentos mais aplaudidos do ato realizado no pátio da faculdade, entre as Arcadas que abrigaram gerações de alunos, muitos dos quais se reencontraram hoje. Entre os signatários do documento de 1977, estavam presentes os ex-ministros (Justiça) José Gregori e José Carlos Dias, além do próprio Bierrenbach e de Maria Eugênia, mulher de Goffredo Telles Jr., autor da Carta original. 

Nenhum representante de partido político falou no evento. Mas vários deles circularam no local, como Fernando Haddad, Márcio França, Guilherme Boulos e Marina Silva. Ou o agora ex-vereador Renato Freitas, de Curitiba. Além de artistas, como Daniela Mercury, o ex-jogador e comentarista esportivo Walter Casagrande Jr., e o coordenador nacional do MST João Paulo Rodrigues. 

O evento na USP teve dois momentos: o ato público dos movimentos sociais e entidades empresariais no Salão Nobre da Faculdade de Direito e a leitura da Carta, no pátio. Houve manifestações e ato ecumênico do lado de fora, no Largo São Francisco, e um telão foi instalado para quem não conseguiu entrar. 

Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Avalanche democrática

Também se combinou de não usar expressões, nos discursos, contra o presidente da República ou a favor de alguma candidatura. O que não impediu que, ao final da leitura da Carta, o público que tomou o pátio das Arcadas gritasse várias vezes “fora, Bolsonaro”. Até Bierrenbach, já deixando o palco, repetiu a frase. Na saída, falou em “avalanche democrática”. 

A uma pergunta sobre o fato de, após quase meio século do ato de 1977, a sociedade brasileira ainda precisar sair em defesa da democracia, o ex-ministro do Superior Tribunal Militar, 82 anos, formado em Direito justamente em 1964, comentou com tranquilidade: “Daquela vez deu certo, desta vez vai dar também”. 

Também pouco depois de encerrado o evento, a professora Eunice Prudente, da USP e da Faculdade Zumbi dos Palmares, se dizia esperançosa de uma mudança na atmosfera política. “Por onde vou, vejo uma atenção muito grande com a questão da democracia”, afirmou. Ao mesmo tempo, ela disse não acreditar em golpe ou algo dessa natureza. “Não vejo isso, não. Acho que a gente vai conseguir.” 

Respeito às leis

No ato que precedeu a leitura da Carta, o diretor da Faculdade de Direito, Celso Fernandes Campilongo, formado em 1980 naquela instituição, lembrou que Estado de direito consiste, basicamente, em respeito às leis. “Tudo isso que não estão querendo fazer com o nosso processo eleitoral”, emendou, lembrando que no caso das eleições há apenas uma autoridade competente, o TSE. “O resto é gente sem competência jurídica e sem competência moral para se intrometer no processo eleitoral brasileiro”, completou Campilongo. 

Da mesma forma, além de defendê-la, é preciso aprimorar a democracia, como afirmaram, entre outros, Letícia Chagas, primeira negra a presidir o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, e o professor Douglas Belchior, da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos. “Era preferível que não houvesse a necessidade de uma nova Carta”, disse a atual presidenta do Centro Acadêmico, Manuela Morais, lembrando dos excluídos. “Não queremos a democracia da fome, da chacina, tampouco a democracia dos ricos. Queremos a democracia dos povos e todos os povos na democracia.” 

A história ensina

Acompanhando tudo discretamente, o jurista e ex-ministro Almino Affonso, endossava: é preciso cuidar não apenas da manutenção, mas da extensão da democracia. Para que seja acessível a toda a população, defendeu Almino, 93 anos completados em abril. Habituado a turbulências e a resistir: foi ministro do Trabalho de João Goulart, em tempos turbulentos, e era deputado federal quando veio o golpe de 1964. 

Já o jornalista Hélio Campos Mello não escondia a emoção de voltar às Arcadas 45 anos depois de registrar em imagens a leitura de Goffredo Telles Jr. “Ao mesmo tempo, a constatação e a preocupação que, por mais que os tempos mudem, por mais que a história ensine, não se pode perder a atenção, pois ela pode se repetir. E para que isto não aconteça, eventos como o de hoje são potentes atos de resistência. Assim como foi o de 8 de agosto de 1977.” (O ato daquele ano foi no dia 8, mas é em 11 de agosto que se comemora a criação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Recife.)

Assista à integra do evento:

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