'Nosso território é sagrado': a emoção de indígenas que tiveram terras homologadas
"Isso traz pra nós a esperança de que as outras também serão demarcadas", diz Apib.
Lula com o Cacique Raoni e a ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, no evento de assinatura da demarcação de seis terras indígenas nesta sexta-feira (28). Foto: Ricardo Stuckert/PR |
A homologação de seis terras tradicionais por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira (28) mobilizou as energias dos cerca de 6 mil indígenas que participam do Acampamento Terra Livre (ATL) 2023, em Brasília (DF).
Representantes do povo Tremembé, comunidade localizada no Ceará, por exemplo, viveram momentos de forte emoção durante o anúncio da assinatura do termo que formaliza a demarcação da área.
"Eu estou muito feliz. Cada passo, cada noite que eu fiquei sem dormir, cada conflito que vivenciamos no nosso território valeu a pena. Todas as angústias que passamos valeram a pena. O nosso território foi invadido por empresas estrangeiras. Isso causou divisão entre os nossos parentes, mas tudo que nós vivemos valeu a pena e vai valer a pena porque a nossa maior luta é pelo nosso território. O nosso território é sagrado", disse a liderança Herbênia Rosa, com os olhos encharcados de alegria.
Ela contou ao Brasil de Fato que o anúncio causou grande comoção também no distrito onde está situado o território, que fica no município de Itapipoca, litoral oeste do Ceará. A comunidade tradicional reúne um total de 580 pessoas. "O nosso povo que está na base hoje está louvando os nossos encantados, os nossos ancestrais. Isso é motivo de muita alegria, fruto de muita luta e também de uma resistência que nos dá mais força pra gente continuar a luta pelos nossos que já se foram e pelos nossos que virão."
Para Adriana Tremembé, também uma das líderes da comunidade, o passo que foi dado nesta sexta-feira inaugura um outro tempo, no qual ela vislumbra maior mobilização da luta pela demarcação das áreas que ainda aguardam esse reconhecimento por parte do Estado. "Aí é que a força aumenta. Isso nos dá energia cada vez mais, a esperança de sempre acreditar na força da ancestralidade que tem nos nossos territórios pra que possa nos dar sabedoria pra que a gente possa enfrentar as dificuldades e vencê-las."
"Eu entendo que isso não só fortalece o nosso território e a nossa ancestralidade cultural, mas ajuda a geração atual a olhar pra frente", emenda Ezequiel Tremembé, que lidera a juventude na comunidade.
Lista
Os documentos assinados por Lula nesta sexta se referem especificamente às Terras Indígenas (TIs) Tremembé da Barra do Mundaú (CE), Arara do Rio Amônia (AC), Kariri-Xocó (AL), Rio dos Índios (RS), Avá-Canoeiro (GO) e Uneiuxi (AM).
O território dos Tremembés, por exemplo, já tinha desde 2006 uma portaria declaratória, que compreende uma das fases do processo de homologação de uma TI. No caso do povo Avá-Canoeiro, a portaria era ainda mais antiga: datava de 1996.
Os processos referentes a esses seis locais estavam paralisados no Executivo federal desde 2018, final do governo Temer e mesmo período em que Jair Bolsonaro (hoje do PL) se elegeu. O ex-presidente era contrário ao reconhecimento de terras tradicionais e havia prometido que não demarcaria territórios. Com a homologação nesta sexta-feira, todas as áreas em questão passam a ser oficialmente de usufruto exclusivo da população indígena local.
"Isso traz pra nós uma esperança de que as outras terras também serão demarcadas. Sabemos que há ainda um processo muito moroso, em que há negociações políticas também, mas acreditamos que o governo irá cumprir, talvez não na sua totalidade, mas só em sinalizar a retomada das terras que já estavam ali aptas a serem demarcadas, mesmo que não seja na sua totalidade, é algo que vemos de forma muito positiva", afirma Dinamã Tuxá, da coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além da homologação das áreas, Lula assinou ainda um decreto que recria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e institui o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A medida tem foco nas políticas de conservação e manejo sustentável dos recursos ambientais presentes nas áreas tradicionais.
O presidente também anunciou um crédito de mais de R$ 12 milhões que serão destinados à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A verba deverá ser canalizada para a compra de equipamentos destinados às casas de farinha do povo Yanomami, que vive em Roraima e vem enfrentando uma dura crise humanitária.
"Eu vejo tudo isso e acho que é um marco. Nós temos direitos garantidos pela Constituição Federal, mas, infelizmente, eles sempre foram negligenciados. Ainda tem muita luta pela frente, sem dúvida, mas entendo que o ATL deste ano e as novas demarcações e políticas anunciadas nos mobilizam ainda mais pras lutas que estão por vir", afirma Winti Khisetje, liderança do Parque Indígena do Xingu.
Edição: Thalita Pires – Brasil de Fato
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